[Espanha] Lançamento: “Y llegó la tormenta” | Uma novela gráfica sobre o assassinato do czar Alexandre II pelos “demônios” de uma célula anarquista

Álex Rozados • Sergio Izquierdo Betete

São Petersburgo, 1 de março de 1881. A boa estrela do czar Alexandre II, que sobreviveu já a várias tentativas de assassinato, se apaga. Duas bombas jogadas pelo grupo subversivo Naródnaya Volya junto ao canal de Catalina terminam com sua vida. Os demônios que perturbaram o escritor Fiódor Dostoyevski regressam para cumprir seu papel e desatam uma tormenta que pretendia arrasar tudo e levará adiante a seus próprios protagonistas. Entre eles, Serguei Necháyev, personagem complexo, explosivo e inclassificável cuja tormentosa relação com o velho anarquista Mijaíl Bakunin marcará seu devir. “Y llegó la tormenta” é também a história de Andrei Zhelyábóv, Vera Fígner e Sofya Peróvskaya, que dirigiu no local o atentado contra o czar e se converterá na primeira mulher condenada à morte no Império russo como “criminosa de Estado”.

Y llegó la tormenta

Autores: Álex Rozados, Sergio Izquierdo Betete

Páginas: 216

Formato: 17×22 en cartoné a 4/4 colores

ISBN: 13 978-84-19124-93-7

Prólogo: Jordi Maíz

26,95€

reinodecordelia.es

agência de notícias anarquistas-ana

a cigarra canta
enquanto orquídeas florescem:
cada um na sua

Gustavo Felicíssimo

[Espanha] A CGT saúda a queda do ditador Bashar El Assad e expressa seu compromisso com a defesa da Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria, que surgiu das raízes da revolução Rojava.

O Secretariado de Relações Internacionais da CGT saúda a queda do ditador Bashar El Assad e expressa seu compromisso com a defesa da Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria, que surgiu das raízes da revolução de Rojava.

Diante dos acontecimentos ocorridos na Síria nos últimos dias, a Secretaria de Relações Internacionais da CGT saúda a queda do ditador Bashar El Assad, mas expressamos nossa preocupação com a situação em que a população de todo o país é deixada em meio a um conflito atravessado por múltiplos interesses geoestratégicos. Em particular, analisamos a situação da Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria, o único ator político focado na construção democrática de uma sociedade não baseada na tirania e na opressão. O histórico do Hayat Tahrir al Sham (HTS) e de seu líder Abu Mohamed al Julani, ligado à Al-Quaeda, é a antítese do que o povo do nordeste da Síria está propondo. Além disso, a coalizão que derrubou Assad inclui os fundamentalistas da Coalizão Nacional Síria (e o Exército Nacional Sírio) financiados e patrocinados pelo regime criminoso da Turquia. Precisamente, a Turquia tem entre seus objetivos destruir a Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria, um projeto de sociedade que se baseia na defesa dos direitos das mulheres, na ecologia, na organização comunitária e na coexistência entre diferentes nacionalidades e religiões. Como advertem os companheiros das Forças Democráticas da Síria (YPJ e YPG): “A ameaça, é claro, é latente: o Estado turco já está mobilizando mercenários do ENS para atacar a cidade de Manbij, com o objetivo de ocupá-la ilegalmente”.

É inegável que o que aconteceu transforma o mapa político para os interesses das grandes potências imperialistas, da Turquia a Israel, bem como dos Estados Unidos e da Rússia. Um tabuleiro de xadrez internacional que se tornou atomizado, especialmente desde o início do genocídio na Palestina. Também é evidente que parte da esquerda na Espanha tem sido deliberadamente cega às atrocidades cometidas pelo regime sírio durante décadas, demonstrando mais uma vez uma miopia política que só pode ser entendida a partir da conivência com o mais cruel dos autoritarismos. Da CGT, celebramos o fim do regime e fazemos eco às notícias que chegam de nossos companheiros em Rojava: “Os que estão comemorando a queda de Assad são aqueles que resistiram por décadas à opressão, à negação de suas identidades, à prisão e à tortura, à pobreza planejada do regime do partido Baath. Os que estão comemorando são os camaradas, irmãos, mães e esposas, netos e netas dos 15.000 mártires que enfrentaram o ISIS e o derrotaram em 2019. Esses mártires eram curdos, árabes, assírios, armênios, turcomanos, muçulmanos, cristãos e yazidis”.

Nesses tempos complexos, o Secretariado de Relações Internacionais da CGT expressa seu apoio à luta do povo curdo, à defesa de Rojava e ao importante valor de sua luta por uma sociedade verdadeiramente democrática, livre e diversificada. Permaneceremos vigilantes até o limite de nossa capacidade para continuar ajudando nossos irmãos e irmãs a conquistar uma Síria verdadeiramente livre e democrática, longe de qualquer tentação fundamentalista e totalitária.

Viva a solidariedade internacionalista! Viva a luta dos povos por sua libertação!

Viva a Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria!

Vinheta de Octavio Alberola

Fonte: Gabinete de imprensa do Comitê Confederal da CGT

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

lembrança de menino
fazendo cócegas na mão
a cauda do girino

Rafael Noris

[Espanha] O anarquismo hoje

Quando olhamos para o que resta do glorioso e espetacular movimento anarquista, cuja plenitude podemos situar entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, somos tomados de tristeza e nostalgia, pois ele não é mais relevante hoje. Esses 100 anos de anarquismo viram os trabalhos teóricos de Bakunin, Kropotkin, Proudhon ou Malatesta, juntamente com trabalhos práticos como a Comuna de Paris ou as comunidades anarquistas na Espanha da guerra civil na Catalunha e em Aragão. É uma pena que hoje não existam pensadores e ações como esses, mas é precisamente a ancoragem do anarquismo nesses pensadores e ações que impede que existam outros como eles hoje.

Hoje, no entanto, quando olhamos para as publicações e movimentos anarquistas, o que podemos observar é seu caráter obsoleto, devido ao seu foco nos teóricos do século XIX e na iconografia proletária do início do século XX, com pôsteres da Guerra Civil Espanhola misturados a artigos sobre pensadores anarquistas do século XIX. A erudição às vezes louvável e didática, mas resultando em propostas políticas que estão enormemente desatualizadas, simples comentários hermenêuticos, na melhor das hipóteses, como aqueles feitos naquela instituição de tecnofeudalismo que chamamos de universidade, onde, como bem sabemos, o anarquismo está ausente.

Dá a impressão de que a argumentação anarquista está ultrapassada e ancorada no passado e, embora existam grupos nas redes sociais com até 20 mil membros, seus memes, ridículos e superficiais, protestos punks individualistas, mal recebem uma ou duas interações e nenhum comentário de ninguém. Desajustado, o anarquismo atual parece querer educar as crianças na bondade de Rousseau, mas sem se aprofundar no pensador que promoveu a ideia do bom selvagem, que ele considera fora de sua órbita política e de sua atmosfera filosófica.

Há um fechamento dogmático no anarquismo teórico-político, centrado em seus autores representativos do século XIX e em seus comentadores do século XX, que empobrece seu discurso e o torna residual, ao copiar em seu seio, como temos dito, aquela exegese acadêmica de origem bíblica, hoje eminentemente universitária, centrada na hierarquização do discurso com base em autores santificados por devotos de igrejas mutuamente excludentes. A mesma coisa que acontece com os spinozistas, os kantianos, os marxistas, os aristotélicos, para não dizer cristãos ou muçulmanos, instalados em suas províncias filosóficas ou religiosas, interrogando pensadores mortos para dizer sobre seus ombros gigantes suas coisas anãs, acontece com os anarquistas.

Assim, o anarquismo, como esses outros cultos, está em um estado de movimento político zumbi, ele se move, sim, mas não está vivo, pois sua vitalidade foi exaurida naqueles cem anos que mencionamos anteriormente e agora parece que o que existe é apenas um culto às múmias de seu passado egípcio.

O anarquismo nasceu como uma teoria política bem estabelecida no século XIX, juntamente com sua práxis como movimento político, mas somente como teoria ele pode ser revitalizado, portanto, os pensadores anarquistas do século XIX, bem instruídos, devem dar lugar aos pensadores anarquistas do século XXI, assim como a iconografia e a arte do anarquismo do passado teriam de assumir a aparência da arte de hoje, em vez de continuar a usar pôsteres proletários da guerra civil espanhola.

A cura para o anarquismo zumbi, o antídoto, está na ruptura com a maneira de considerar o que, teórica e praticamente, significa ser um anarquista. Ser anarquista hoje não significa pertencer à CNT, mesmo que essa instituição sindicalista nos seja simpática e propícia e que estejamos muito de acordo com seus postulados, porque hoje ser anarquista é mais e menos do que ser militante, já podemos dizer que significa: guiar-se pelo princípio an-arché.

Se a busca pela arché (princípio, fundamento, governo, comando), de acordo com a tradição triunfante e dominante, inicia a filosofia e com ela a expropriação da razão comum, da igualdade e da liberdade de expressão e compreensão, ao assumir a posição de sua recusa, em uma situação de an-arché, rejeitando todos os princípios, fundamentos, governo, comando, hierarquia, já se está na posição do anarquismo. Assim, ele se torna um movimento que agora atravessa horizontalmente todas as classes sociais, todas as culturas e, retroativamente, todo o passado.

Não apenas os grandes anarquistas do século XIX assumiram essa posição, a do anarquismo ontológico, mas desde a pré-história da humanidade e ao longo da história da filosofia, bem como em nossos dias, pode-se rastrear a posição anarquista ou anarquizante, que pode ser encontrada em muitos autores, mesmo naqueles cuja obra como um todo se opôs a ela, se os lermos cuidadosamente.

O anarquismo, assim considerado, não é mais uma doutrina, confinada a certas instituições políticas ou a autores específicos, nem o anarquismo, assim considerado, é algo próprio da aristocracia do proletariado, que superava os marxistas por ser mais cooperativa e libertária. Assim, ele deixa de ser um objeto morto da história para os historiadores e recupera a vida que lhe havia sido tirada.

Platão é um anarquista quando diz: “De fato, se houvesse um Estado de homens bons, provavelmente haveria uma luta pelo não governo, como há agora pelo governo” (República I, 347d), assim como Rousseau é um anarquista quando diz: “O primeiro homem a quem, cercando um campo, ocorreu dizer isto é meu e encontrou pessoas simples o suficiente para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, quantas misérias e horrores teriam sido poupados à raça humana se ele tivesse gritado a seus companheiros, arrancando as estacas da cerca ou cobrindo a vala: ‘Cuidado para não dar ouvidos a esse impostor; vocês estão perdidos se esquecerem que os frutos pertencem a todos e a terra a ninguém'” (Discurso sobre a Origem da Desigualdade, Parte II, primeiro parágrafo). Platão, levando em conta sua obra como um todo, seria uma espécie de socialista ou comunista pré-marxista, enquanto Rousseau, levando em conta sua obra como um todo, seria uma espécie de social-democrata ou republicano, de acordo com as categorizações mais comuns.

O anarquismo não é, portanto, nem uma doutrina, nem um movimento sindicalista, nem uma filosofia particular de um ou mais autores do século XIX, nem é uma posição política definida, embora tudo isso possa derivar dele e embora tenha se manifestado eminentemente em autores famosos e em movimentos políticos notórios, mas o anarquismo hoje é uma topologia, ou seja, é um lugar fora do espaço e do tempo, uma posição utópica. Landauer o teria chamado de atópico, uma posição que pode ser encontrada no presente, no passado e no futuro, retroalimentando-se à medida que se atualiza.

Assim, já encontramos a posição anarquista na Grécia clássica, mas ela também pode ser rastreada na pré-história e em outras culturas, nós a encontramos nos aspectos anarquistas das obras de escritores, artistas, cientistas, poetas, que não são considerados anarquistas dada a exegese de suas obras como um todo por suas próprias confrarias, mas que o foram em algum ponto ou em muitos momentos que podem ser resgatados e rastreados. Há uma necessidade urgente de uma História da Filosofia Anarquista, desde os cínicos da Grécia antiga até os sufis do Irã moderno, de Zenão de Cítio a Omar Khayyam e além.

Atualmente, temos no pensamento contemporâneo alguns autores anarquistas e outros que já ousam tematizar aberta e diretamente seu anarquismo, o que muitas vezes leva ao ostracismo, à indiferença ou à zombaria entre seus colegas acadêmicos invejosos e ciumentos, mas a nova teorização filosófica anarquista ainda precisa se hibridizar e cooperar com o movimento político anarquista tradicional. As publicações recentes de Catherine Malabou ou Donatella Di Cesare, de Andytias Matos ou Jordi Carmona, ainda não encontraram tradução em uma linguagem mais compartilhável: os teóricos devem se tornar mais militantes e deixar nossa torre de marfim, e os políticos devem estudar mais e deixar sua militância constante, tudo isso para se unirem em uma ação teórico-prática que coloque o anarquismo de volta no lugar que tinha no século que mencionamos acima.

Tomás Ibañez tem sido uma das poucas vozes na Espanha que adotou essa dupla práxis, porque, na realidade, tanto o pensar quanto o fazer são um ato, defendendo um anarquismo em movimento que se caracteriza por sua abertura em vez de se ater à sua tradição nuclear. Teórico e militante ao mesmo tempo, ele é um exemplo, que não hesitou em apresentar Foucault, Deleuze ou Castoriadis como pensadores anarquistas.

É claro que estamos interessados em manter uma posição anarquista constante, mas para ser um anarquista hoje e permanecer um anarquista, o anarquista não pode se limitar ao que o anarquismo tem sido circunscrito nos livros de história das ideias, nem às práticas anarquistas das instituições louváveis que, sob esse nome, ainda lutam e agem a partir de um lugar social marginalizado e contra imensas forças opostas.

É muito bom, é claro, ser membro de uma ou outra organização anarquista, ou se aprofundar no pensamento de um ou outro pensador especificamente anarquista, mas se esse núcleo não for enriquecido por uma enorme abertura e pluralidade, ele se tornará obsoleto e enclausurado, dificultando a atualização.

Atualizar o anarquismo é equivalente a acender o futuro, queimando aquele futuro determinado pela globalização capitalista que implica seu declínio. Isso requer uma abertura tal do movimento anarquista que abranja tudo o que aconteceu de anarquista na história da humanidade, permeando assim todas as abordagens anarquistas atuais e todas as perspectivas anarquistas futuras.

Simón Royo Hernández

Fonte: https://redeslibertarias.com/2024/11/15/actualidad-del-anarquismo/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Os raios brilhantes
Não rasgam o céu,
O Cobertor da alma.

Augusto Menezes

[Escócia] Clydeside Anarchist Zine 2 + Breve relato da Radical Bookfair

No sábado, dia 7 de dezembro, o Clydeside Anarchist Noise enviou uma delegação de desordeiros para a Glasgow Radical Bookfair, na Quaker House. Distribuímos muitos de nossos zines (e acabamos – possivelmente um pouco cedo demais!), participamos das discussões, conversamos com companheiros de toda a cena anarquista da Escócia e fizemos muitos novos amigos! Além disso, conseguimos arrecadar algum dinheiro para as taxas legais e para ajudar uma mãe solteira a pagar o aluguel deste mês – obrigado a todos que contribuíram para esses esforços.

De modo geral, nos divertimos muito. Agradecemos à Red & Black Clydeside pela organização do evento e à Food Not Bombs Govanhill por nos alimentar durante todo o dia!

Por fim, os participantes da Bookfair tiveram a (in)sorte de serem os primeiros a ver a segunda edição do Clydeside Anarchist Zine. Essa nova edição está mais colorida e bonita (se é que podemos dizer isso) e contém vários textos (não tão) teóricos, poemas e guias de instruções para extremistas locais. Há uma versão digitalmente legível disponível abaixo, bem como um link para o Zine #1.

Estamos sempre procurando material para publicar em nosso blog ou em nosso próximo zine – envie-nos um e-mail para notcan@riseup.net

Download zine: https://noisenoisenoise.blackblogs.org/wp-content/uploads/sites/1911/2024/12/pdf-zine2.pdf

agência de notícias anarquistas-ana

A nuvem atenua
O cansaço das pessoas
Olharem a lua.

Matsuo Bashô

[Espanha] A CGT inicia uma campanha de coleta solidária de brinquedos e livros para os afetados pela DANA

A Confederação Geral do Trabalho (CGT) inicia uma campanha de coleta solidária de brinquedos e livros que serão distribuídos entre os meninos e meninas das zonas afetadas pela DANA em Valência.

Desde a Confederação Geral do Trabalho (CGT) informam que pôs em marcha uma campanha de coleta solidária de que serão distribuídos entre os meninos e meninas das zonas que foram afetadas pela DANA de 29 de outubro em Valência.

A campanha consiste em pôr um ponto de coleta de brinquedos e livros nas sedes que a CGT tem distribuídas em todo o território do estado espanhol, além de fazer um chamado à filiação e à população solidária a entregar brinquedos novos ou em bom estado, que não sejam sexistas nem bélicos, jogos de mesa e livros para todas as idades. O material chegará à Valência e será distribuído nas zonas afetadas pelas mesmas filiadas e colaboradoras da CGT.

Trata-se de uma nova ação solidária da organização libertária que se soma à caixa de resistência que a CGT pôs em marcha para recolher doações e cobrir as necessidades dos afetados, a recolha e entrega de produtos de primeira necessidade ou a campanha conjunta com o coletivo Soterranya BicisPerALHortaSud na qual já se distribuiu mais de setecentas bicicletas a pessoas afetadas.

Fonte: Gabinete de Comunicação da Confederação Geral do Trabalho do País Valenciano e Murcia

Tradução > Sol de Abril

Conteúdos relacionados:

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2024/11/29/espanha-a-policia-local-de-valencia-multa-dois-veiculos-da-cgt-durante-seus-trabalhos-de-apoio-aos-afetados-pela-dana/

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2024/11/07/espanha-dana-dor-raiva-e-solidariedade/

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2024/11/05/espanha-em-tempos-de-catastrofe-organizacao-dos-trabalhadores-e-apoio-mutuo-a-cnt-com-as-vitimas-da-dana/

agência de notícias anarquistas-ana

Disseram-me algo
a tarde e a montanha.
Já não lembro mais.

Jorge Luis Borges

[EUA] Lançamento: “Eles vão apagar nossa memória na porrada: Impondo a não-violência em movimentos esquecidiços”, de Peter Gelderloos

(They Will Beat the Memory Out of UsForcing Nonviolence on Forgetful Movements)

Como podemos resistir à opressão diante da crise ecológica, da violência policial e do supremacismo branco? Peter Gelderloos apresenta uma crítica radical aos movimentos não-violentos neste relato provocador. Entrelaçando história, vinhetas, entrevistas e reflexões pessoais, ele mostra como sofremos de uma incapacidade de transmitir lições de uma geração para a próxima e explora os motivos para isso.

Aprendendo com o fracasso das rebeliões antirracistas desencadeadas pelos assassinatos policiais, de Minneapolis a Bristol, e das campanhas climáticas que esquecem suas histórias coloniais, Gelderloos demonstra como o protesto não-violento é um sintoma de uma amnésia social, uma incapacidade de lembrar o que aprendemos com o nosso passado. Advertindo contra futuras ondas de pacificação e esquecimento, ele nos incentiva a coletivizar a memória e desenvolver os métodos necessários para lutar pela sobrevivência.

Peter Gelderloos é escritor e participante de movimentos sociais. É autor de The Solutions are Already HereHow Nonviolence Protects the StateAnarchy WorksThe Failure of Nonviolence e Worshiping Power.

They Will Beat the Memory Out of UsForcing Nonviolence on Forgetful Movements

(Eles vão apagar nossa memória na porrada: Impondo a não-violência em movimentos esquecidiços)

Peter Gelderloos (Autor)
Editora: Pluto Press
Páginas: 176
ISBN-13: 9780745349770
Preço: $14,96
plutobooks.com

Tradução > Alma

agência de notícias anarquistas-ana

Nesta noite escura,
nenhum caminho aparece.
Brilha o vaga-lume.

Dôshin Esteves

[Espanha] Negatividade e positividade no anarquismo: uma dualidade inextricável, mas contraditória

Meu propósito inicial era refletir sobre a inevitável, e muitas vezes subvalorizada, dimensão negativa do anarquismo — mas logo percebi que isso me forçou a deixar de lado todo o seu aspecto positivo

Quando liguei meu computador para começar a escrever este texto, fui tentado a intitulá-lo: “Um apaixonado elogio à negatividade do anarquismo”, já que meu propósito era justamente refletir sobre essa dimensão inevitável, e muitas vezes subvalorizada, do anarquismo. No entanto, logo percebi que isso me obrigava a deixar de lado boa parte do que constitui o anarquismo. Especificamente, todo o aspecto positivo que também o define foi marginalizado. Então, para remediar essa lamentável amputação, não tive escolha senão empreender a elaboração de um segundo artigo que seria intitulado desta vez: “Desculpas entusiásticas pelo sonho anarquista e suas intermitentes encarnações na realidade”.

Agora, como meu compromisso era entregar um único artigo para Redes Libertarias , finalmente decidi abrir mão desse primeiro título e fundir ambas as reflexões em um único texto. Não seria apropriado relatar aqui esta anedota, que é típica da esfera privada do autor deste artigo e é desprovida do menor interesse substancial, se não fosse pelo fato de que a decisão de unir as duas reflexões teve para mim o efeito benéfico de colocar o foco no dilema intrínseco ao próprio anarquismo. De fato, a partir dessa decisão, passei a percebê-lo como uma entidade cortada do mesmo padrão que a divindade de duas faces chamada Janus na Roma antiga, dotada de duas faces diametralmente opostas, mas inseparavelmente unidas.

Negatividade radical anarquista

Para ilustrar a negatividade anarquista , pode-se referir a Mikhail Bakunin, que via na “paixão pela destruição uma paixão criativa”, ou a Max Stirner, que considerava que “a erradicação das ideias fixas” (seus famosos fantasmas ) que permeiam nossas mentes era a condição para destruir nossa dócil submissão à autoridade execrável da ordem estabelecida. No entanto, além dessas referências históricas, essa negatividade se baseia, na minha opinião, em duas das várias características básicas do anarquismo. A primeira é seu respeito escrupuloso pela autonomia dos indivíduos e coletivos, bem como pelo princípio inalienável da auto-organização. A segunda é sua recusa radical em reproduzir o que pretende combater.

Que ninguém pense ou decida por você, que ninguém organize sua vida, ou a forma de sua luta, são expressões que ressoam fortemente na esfera anarquista. Esse respeito pela autonomia leva os anarquistas a rejeitar sem hesitação qualquer tentação de injetar nas lutas de fora os princípios que devem guiá-las, as formas que devem tomar e os objetivos que devem perseguir. Todos esses elementos devem ser formados dentro das próprias lutas e ser obra direta de seus protagonistas, sem que nada venha de fora delas os canalize (nem mesmo o próprio anarquismo). Esta é a condição necessária para não violar a plena autonomia daqueles que se levantam contra os dispositivos de dominação, opressão e exploração que governam nossas sociedades.

Acontece também que, se a autonomia é verdadeiramente valorizada, como o anarquismo afirma fazer, ela só é alcançada praticando-a, e que essa peculiaridade impede qualquer tipo de intervenção externa ao próprio processo autônomo. A autonomia é parte integrante da ação que se esforça para alcançá-la, ou em outras palavras, a autonomia não pode ser alcançada de nenhuma outra forma que não seja por meio de seu próprio exercício.

Respeitar a autonomia daqueles que lideram as lutas implica, portanto, rejeitar qualquer vanguardismo e controle estatal, e requer abster-se de formular propostas positivas (sejam de natureza organizativa, de fixação de objetivos ou de definição de formas de atuação) que não surjam da própria luta. A partir dessas considerações básicas, resta apenas esforçar-se para contribuir para desmantelar os mecanismos e instrumentos de opressão que impedem o exercício da autonomia, sem introduzir nesse exercício nossos próprios esquemas, nossos princípios e propósitos, pois estes foram predefinidos em outras lutas e em outras circunstâncias históricas.

O anarquismo é, assim, apresentado como um instrumento de destruição da ordem estabelecida, permitindo que as práticas desenvolvidas nas lutas moldem alternativas, conquistas materiais e princípios gerais, traçando gradualmente, por meio de práticas situadas, o caminho a seguir.

Isso não significa que quando os anarquistas se envolvem em uma luta eles devem deixar suas próprias armas, ideias e propostas fora do campo de batalha; eles as carregam consigo e seria absurdo pedir que eles desistam de sua maneira de pensar, ser e agir. É simplesmente uma questão de se deixar levar, tanto quanto possível, pela dinâmica traçada pela luta em vez de tentar dirigi-la decisivamente, pois sempre há a possibilidade de abandoná-la se, em algum momento, ela contradiz suas próprias convicções e esquemas.

A segunda característica básica do anarquismo, em relação ao tema aqui abordado, se estabelece em sua recusa radical em gerar, em seu próprio curso, efeitos de dominação e mecanismos de opressão. Usando uma expressão que devo ao meu companheiro Rafa Cid, trata-se de o anarquismo ser literalmente “indominante” para ser coerente com seus próprios pressupostos, ou seja, desprovido dos efeitos de dominação. Ora, na medida em que estamos totalmente imersos no sistema que combatemos, é inevitável que ele deixe certos traços daquilo que o caracteriza em nosso modo de ser e em nossas propostas. Isso significa que é difícil evitar que a lógica da dominação deixe traços no que pensamos e construímos porque sempre o fazemos de dentro do sistema em que vivemos.

Formulações e realizações radicalmente estranhas ao sistema existente, e contrárias às suas características, só podem surgir daquilo que ele não controla ou contamina. Em outras palavras, o novo, a criação radical, emerge nos espaços que escapam do sistema e isso significa que esse “novo mundo que carregamos em nossos corações” só pode ser pensado e emergir de fora do sistema que combatemos, ou seja, de suas ruínas. Consequentemente, a tarefa do anarquismo é provocar o colapso do sistema, reduzindo-o a simples ruínas nas quais flores verdadeiramente diferentes podem brotar, o que o coloca claramente no reino da negatividade radical.

Isto é precisamente considerando que o que temos a capacidade de projetar antes de ter destruído o que existe, sempre carregará suas marcas, pois é formado no que projetamos. É por isso que Max Stirner defendeu a substituição do conceito de revolução, visando promover uma forma social que substitua a existente, pelo conceito de uma insurreição permanente contra o estabelecido. Uma insurreição que não busca derrubar a instituição social atual para substituí-la por uma nova instituição social surgindo de uma revolução hipotética, mas sim se limita a atacar a todo momento a atual que é insuportável.

Quer consideremos a primeira das duas características do anarquismo que mencionei, quer a segunda, é claro que o anarquismo coloca a resistência contra o sistema vigente no centro do jogo, permitindo que essa resistência contra o poder estabelecido crie as condições para construir, sobre as ruínas do que foi derrubado, as diretrizes para valores diferentes dos que existem e para formas sociais alternativas às que estão em vigor.

O que interessa ao anarquismo nesse processo é, basicamente, contribuir para a destruição do que foi estabelecido, e continuar praticando a resistência tão logo se estabeleçam formas sociais alternativas, que, aliás, não estão prefiguradas no anarquismo, mas serão eventualmente criadas pelas próprias lutas autônomas no processo de destruição do capitalismo.

O sonho anarquista essencial

Em contraste com a negatividade teimosa do anarquismo, de acordo com seus princípios mais definidores, é, claro, sua segunda face que explica por que ele desperta tanto fervor entre aqueles de nós que são enquadrados em suas coordenadas. O prazer que vem de se sentir parte de uma tradição extraordinária de luta e uma experiência histórica magnífica que ignora fronteiras e cruza culturas é tão importante para nossa autodefinição como anarquistas quanto o corpus de escritos libertários que forjam nossa identidade e que formam uma cultura compartilhada ou as práticas de solidariedade e apoio mútuo que tecem o espaço libertário.

Não importa se os obstáculos que a utopia que nos inspira enfrenta parecem intransponíveis, a esperança de superá-los em algum momento é fundamental para encorajar o espírito de luta, e até mesmo para manter a intensidade da resistência. Embora a negatividade seja considerada a perspectiva mais coerente do anarquismo, ainda é verdade que lutar por algo e não apenas contra algo, assim como perseguir objetivos e tentar fazer com que outras pessoas os compartilhem, dá um forte impulso às lutas e lhes dá um tom diferente, muito mais convivial e mais otimista do que aquele que emana da pura negatividade.

Construir e viver no presente alguns dos aspectos do sonho anarquista, experimentar a camaradagem que se forja no calor das ideias compartilhadas e dos desejos comuns, sentir a união na elaboração de projetos compartilhados e o entusiasmo de participar de sua realização, tudo isso é insubstituível na configuração do anarquismo. Imaginar o que não existe, mas que, no entanto, poderia vir a ser, e acalentar as promessas que se aninham na utopia, são elementos que contribuem para forjar uma identidade que nos faz sentir parte de uma comunidade querida na qual nos imergimos por escolha e decisão próprias, e não por obrigações de ordem legal, trabalhista, nacional, de gênero ou familiar, entre muitas outras fontes de determinações atribuídas.

Ora, será que aqueles aspectos do anarquismo que são, em última análise, aqueles que motivam em grande medida a nossa harmonia com os seus postulados e com o seu trabalho, acabam por ser contraditórios com a negatividade essencial do anarquismo? Será que o estabelecimento de princípios, a definição de objetivos, a elaboração de modelos de sociedade, a constituição de uma identidade específica, a formação de uma cultura própria, com os seus símbolos, a sua memória, as suas figuras emblemáticas, etc., violam o seu caráter indomável, fazendo com que, quando o sonho anarquista se envolve numa luta, seja explodido em relação à plena autonomia daqueles que o empreenderam?

Como uma conclusão incerta

Parece bastante claro que, por um lado, a negatividade anarquista e, por outro, o sonho anarquista inebriante não representam simplesmente aspectos diferentes da mesma entidade. Eles não são elementos diferentes, mas complementares, mas sim aspectos claramente antagônicos. De fato, a negatividade e o sonho anarquista são simplesmente incompatíveis. Em outras palavras, o sonho anarquista se opõe àquilo que a negatividade anarquista persegue, e torna impossível para este último atingir seus objetivos de preservar a autonomia das lutas e dos coletivos que as lideram. Ao penetrar nas lutas, envolto em seus valiosos e preciosos atributos, fica claro que o anarquismo injeta nelas princípios elaborados fora delas.

Em suma, o sonho anarquista coloca o caráter indomável do anarquismo em uma posição difícil, levando-o a contradizer seus próprios princípios anticontrole estatal e seu compromisso radical com a autonomia. Por sua vez, a negatividade anarquista marginaliza completamente, e praticamente elimina, tudo o que torna o anarquismo atraente e rico, considerando que o sonho anarquista está longe de ser indomável, e é, por assim dizer, insuficientemente anarquista. Assim, parece que a única coisa que pode ser feita é reconhecer que o anarquismo tem um dilema intrínseco, e notar que duas entidades claramente antagônicas e inegavelmente contraditórias coexistem dentro dele.

No entanto, o contraditório não precisa ser desqualificado e rejeitado por princípio, já que a lógica aristotélica não se apoia em nenhum mandato imperativo e absoluto. Além da existência de outros tipos de lógica (e há alguns…) também vale a pena ter em mente que certas realidades podem ser simultaneamente antagônicas e simbióticas (poder e liberdade ilustram perfeitamente essa figura).

Talvez a riqueza do anarquismo esteja justamente em saber manter a tensão constante entre suas duas facetas, assumindo que é justamente a contradição que elas desenham que o preserva de cair na imobilidade plácida das coisas que não são problemáticas ou que se apresentam como tais. O anarquismo é o que vive e se move no ponto preciso onde há uma tensão extrema entre essas duas facetas irremediavelmente opostas, mas intimamente entrelaçadas, de querer viver coletivamente livre, enquanto ao mesmo tempo quer viver radicalmente indomável.

É justamente sua incapacidade de manter viva essa tensão que leva boa parte do anarquismo a subestimar a importância da negatividade que o caracteriza e a privilegiar o que chamei aqui de sonho anarquista. No entanto, acontece que focar no sonho anarquista leva a experimentar uma certa frustração diante da evidência de que sua realização só consegue se materializar, e de forma parcial, em espaços relativamente pequenos e em poucos números. Essa frustração, que não precisa levar a se refugiar na inação, às vezes encoraja a recorrer à busca de bodes expiatórios em vez de proceder a uma análise calma das razões dessa estagnação e ao exercício de uma certa autocrítica diante das próprias inadequações.

Na medida em que o pós-estruturalismo, conceituado por, entre outros, Michel Foucault, Gilles Deleuze ou Jacques Derrida (que não deve ser confundido com a descendência americana da Teoria Francesa, nem com o saco quebrado do pós-modernismo) colocou em questão certos postulados que o anarquismo herdou do Iluminismo, como, entre muitos outros, e para citar aqui apenas dois exemplos, a crença nas grandes narrativas ou a confiança no progresso, tem sido bastante fácil fazer do pós-estruturalismo e de seus pensadores o bode expiatório responsável por essa estagnação e pelo enfraquecimento do vigor da luta de classes e pela fragmentação das frentes de luta. O preocupante é que esse foco na busca de bodes expiatórios ignora o fato de que as mudanças drásticas experimentadas pelo capitalismo e pelas sociedades que ele molda tornam certos modelos de confronto com o sistema inoperantes porque estão ultrapassados ​​e fazem com que aqueles que se apegam a eles estagnem.

Examinar cuidadosamente essas mudanças é a primeira condição para inventar e articular novas formas de luta que desmantelem o sistema estabelecido e abram caminhos para outro modo de vida mais próximo do sonho anarquista.

Título: Negatividade e positividade no anarquismo: uma dualidade inextricável, mas contraditória
Subtítulo: Meu propósito inicial era refletir sobre a inevitável, e muitas vezes subvalorizada, dimensão negativa do anarquismo — mas logo percebi que isso me forçou a deixar de lado todo o seu aspecto positivo
Autor: Tomás Ibáñez
Data: 2 de dezembro de 2024

Fonte: https://freedomnews.org.uk/2024/12/02/negative-and-positive-in-anarchism/
Notas: Texto original em espanhol (publicado em 30 de novembro de 2024): https://redeslibertarias.com/2024/11/30/redes-libertarias-no-2/

anarkio.net

agência de notícias anarquistas-ana

no arco-íris
os sonhos coloridos
a chuva leva

Núbia Parente

[Espanha] Assim se organiza a Descontrol, a primeira cooperativa catalã a aplicar a semana de trabalho de quatro dias.

Os nove trabalhadores da editora sediada em Barcelona reduziram sua jornada de trabalho para 28 horas sem alterar seus salários. Uma medida que visa promover o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e uma nova cultura de produção.

Por Àlex Romaguera | 06/12/2024

Desde outubro do ano passado, os funcionários da editora Descontrol, sediada em Barcelona, estão trabalhando 28 horas por semana. Isso foi acordado após um longo debate que chegou ao ápice há alguns meses, quando eles receberam um pequeno subsídio do Ministério da Indústria para implementar essa medida.

Ao concentrar o trabalho em sete horas durante quatro dias por semana, eles sentem que têm mais descanso e podem administrar melhor suas necessidades diárias, sem afetar o desempenho da empresa. Pelo contrário: longe de reduzir a produção, eles criaram um sistema rotativo em que as máquinas da prensa, e o atendimento ao público, são mantidos os cinco dias da semana.

Cinco anos de pensamento crítico

A Descontrol Editorial i Imprenta SCCL nasceu em 2019, fruto da confluência de pessoas do mundo editorial, do design e da impressão digital. Essa equipe começou a estabelecer relações com diferentes livrarias, distribuidores e outros setores da cultura independente. Não apenas na Catalunha; seu catálogo de ensaios e ficção já chega a centenas de pontos de venda na Espanha.

“Nós nos definimos como um guarda-chuva para aqueles autores que não têm voz na grande comercialização do pensamento e da cultura”, explica a cooperativa, convencida de que o projeto abriu uma brecha para promover a ‘socialização de ideias e práticas autônomas, anarquistas e revolucionárias, investigando as origens e o desenvolvimento das lutas contemporâneas’.

Apesar da dificuldade de sobreviver no mercado literário atual, os membros da Descontrol nunca quiseram perder os princípios cooperativos que emanam da economia social e solidária. Eles tomam decisões em assembleia, produzem seus livros com materiais ecologicamente corretos, procuram iniciativas semelhantes com as quais possam cooperar e, ao mesmo tempo, colocam as necessidades dos envolvidos na cadeia de produção no centro.

De acordo com essa abordagem, a empresa localizada no edifício 85 do bloco 11 de Can Batlló, o antigo local industrial em Sants convertido em uma colmeia cooperativa, decidiu compactar sua atividade para reduzir a carga de trabalho de seus funcionários.

Uma mudança de paradigma

A redução da jornada de trabalho não foi uma decisão tomada de improviso. “Nos debates internos que tivemos sobre condições de trabalho, sempre falamos em reduzir a jornada de trabalho, porque somos pessoas que querem fazer outras atividades”, diz um de seus gerentes.

Mesmo assim, foi decisiva a chamada de propostas que o Ministério da Indústria abriu há dois anos para subsidiar as empresas que aspirassem à redução. “Estava de acordo com o imaginário do projeto, além do fato de incluir um contrato, que também nos interessava para compensar a redução da jornada de trabalho”, acrescenta.

O subsídio do Ministério demorou mais do que o esperado, quando a Descontrol já havia investido parte de seus recursos na renovação do maquinário, de modo que os 25.000 euros que eles finalmente receberam em outubro os ajudaram a ser mais ambiciosos do que o esperado.

“Se não tivéssemos feito o corte e, portanto, ficado de fora desse esquema piloto, teríamos aplicado a redução de qualquer forma. Mas, com esse dinheiro, reduzimos ainda mais a jornada de trabalho, já que das 32 horas que havíamos proposto, concordamos em fazer 28, o equivalente a sete horas por dia durante quatro dias”, comentam.

Uma redução drástica com a qual os nove funcionários estão muito satisfeitos, pois, por meio de um sistema de revezamento compensatório, a empresa não obriga a empresa a fechar nenhum dia. “Uma semana é segunda-feira, outra semana é terça-feira e assim por diante para cada um de nós. Concordamos em fazer dessa forma para evitar que alguém sempre tenha que trabalhar às segundas ou sextas-feiras”, explicam, o que lhes permite ampliar a produtividade das máquinas, que não param de trabalhar cinco dias por semana.

Rumo à eficiência e ao decrescimento

Na Descontrol, que passou de cinco para nove funcionários, esse esquema de trabalho está associado a uma maneira diferente de conceber a produção e outras áreas ligadas à atividade editorial. Assim, por exemplo, em termos de sua presença em feiras e conferências literárias, eles decidiram selecionar as melhores para participar e, caso não possam comparecer, procurar coletivos locais dispostos a expor seus livros. “No final, trata-se de fazer menos, mas melhor”, diz um dos funcionários.

Além disso, em termos de produção de livros, eles concordaram há algum tempo em publicar menos livros do que faziam quando criaram a empresa, a ponto de terem passado de 25 títulos em 2021 para uma média de 12 a 15. “Certamente poderíamos publicar mais, mas não queremos seguir a dinâmica do mercado capitalista, baseada em um sistema de arrasto, que consiste em lançar muitos na esperança de que um cubra o resto”. Diante dessa lógica, sua receita vai na direção oposta: “Não queremos jogar recursos fora, mas sim cuidar de cada obra e garantir que todas tenham um significado”.

Impressionados com a expectativa gerada por sua última medida, a Descontrol está iniciando uma nova etapa na qual o objetivo é demonstrar, quando fizerem um balanço daqui a alguns anos, que a redução da semana de trabalho foi benéfica em todos os sentidos. E ainda mais em seu caso, porque, ao contrário de outras empresas, ele tem a vantagem de ter sua própria gráfica. “Sabemos que é mais fácil investir em maquinário do que na contratação de novos funcionários ou em outros aspectos, o que nos facilita ter um nível mais alto de eficiência”, afirma.

No entanto, só o tempo dirá se essa aposta, que os movimentos sociais vêm reivindicando como um pilar da lógica de decrescimento, será ótima e satisfatória. Por enquanto, tudo indica que a editora de Sants tem tudo sob controle, não apenas para garantir sua sustentabilidade ao longo do tempo, mas também para inspirar muitas outras cooperativas e empresas a favor de trabalhar menos para trabalhar melhor.

Fonte: https://www.publico.es/sociedad/asi-organiza-descontrol-primera-cooperativa-catalana-aplica-semana-laboral-cuatro-dias.html#google_vignette

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Amanhece em flor
e anoitece pelo chão
— efêmero ipê

Marba Furtado

[Península Ibérica] Semana de agitação e propaganda contra as fronteiras e as guerras do capital. De 23 a 31 de dezembro de 2024

Chamado a todos os territórios do estado espanhol

Nos últimos anos, o capitalismo e os estados de todo o mundo intensificaram as matanças dos explorados em suas guerras e ao mesmo tempo, viram-se muitos movimentos de população em deslocamentos forçados como consequências deste aumento belicista somado a outros fatores de ordem mundial internacional. O nacionalismo ressurgiu com força, convertendo-se em uma ferramenta eficaz para que os poderosos unam a oprimidos e opressores sob as mesmas bandeiras nacionais, desviando a atenção para nossos semelhantes ao invés de para o inimigo comum, o inimigo de classe.

A indústria militar alcançou níveis de desenvolvimento sem precedentes, criando novas tecnologias para a morte, enquanto que a militarização de nossa vida diária avança rapidamente. As sociedades democráticas contemporâneas se regem cada vez mais por critérios onde qualquer pretexto (crises sanitárias, crises climáticas, a ‘ameaça do terrorismo’…) se utiliza para justificar a presença militar nas ruas, normalizando a vigilância e o controle estatal através de forças armadas.

As tensões geopolíticas recentes são só um capítulo a mais em um conflito mais amplo entre blocos de países capitalistas que lutam pelo controle do mundo. A guerra tem sido historicamente um meio de reestruturação econômica para um capitalismo em crise. Hoje em dia, inclusive aqueles empenhados em edulcorar o capitalismo sob uma fachada democrática, com a esquerda do capital comandando essa facção ideológica do sistema, a guerra segue sendo a forma mais extrema de opressão que os Estados e os capitalistas exercem sobre os explorados e está na ordem do dia. Por isso, consideramos que o conflito atual é um ataque a todos os proletários, seja na Palestina, Ucrânia, Nagorno Karabaj, Síria, Líbano… ou em qualquer rincão do planeta.

Nós pobres e oprimidos, nos países ocidentais, de nossa parte, enfrentamos uma nova deterioração de nossas condições de vida, justificada pela guerra e o ‘esforço’ que sempre recairá sobre os de baixo. A exploração se intensifica, enquanto os políticos já tem um novo relato que acrescentar às habituais mensagens que vem a nos dizer: “foda-se e aceita sua vida de merda”, agora chamado ‘esforço bélico’ frente ao panorama de tensão bélica internacional. Quem sabe se nossos políticos e patrões não estão se preparando para uma nova matança internacional e as cenas de corpos policiais arrastando as pessoas às frentes que se veem na Ucrânia, passem a ser parte de nossa realidade do aqui e agora. Os globos sondam em torno do serviço militar obrigatório e outra série de pistas não deveriam se enganar sobre para onde apontam, outra vez, estes cabrões.

As pessoas fogem da guerra e isto acrescenta uma nova causa dos deslocamentos forçados que o capitalismo provoca a nível global que tem levado a centenas de milhões a cruzar mares, desertos, muros e cercas, enfrentando a perseguição e o racismo. Os Centros de Internamento de Estrangeiros (CIES), as fronteiras militarizadas os muros, os controles e a violência policial são parte da vasta indústria de controle e militarização que os Estados desenvolveram e implementaram.

Por tudo isto, fazemos um chamado a uma semana de agitação e luta contra as guerras do capital e as fronteiras. Queremos dar um passo a mais nesta luta constante, cotidiana e internacionalista. A guerra começa aqui, e as empresas que colaboram com ela, assim como a fabricação de armas, são parte de nossa realidade diária. Um pequeno aporte à guerra em curso.

Convidamos a todos a participar e organizar palestras, debates e ações, e a retomar as ruas… Este chamado é extensível a qualquer grupo, coletivo ou indivíduo que deseje unir-se. E realizar qualquer colaboração que lhe ocorra.

Contra as fronteiras! Contra a guerra! Pela revolução social!

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Cantoria infernal.
Os gatos namorando
no fundo do quintal.

José Carlos de Souza

A vingança das crianças

Por Ari Soares

Neste fim de ano eu gostaria que ninguém perdoasse ninguém a menos que merecesse.

Neste fim de ano eu gostaria que ninguém sentasse à mesa com alguém que não gostasse.

Neste fim de ano eu gostaria que ninguém presenteasse ninguém com presentes artificiais.

Eu realmente gostaria que este clima falso não estivesse pesando sob as mentes das pessoas que não se deixam enganar por momentos tramados e passageiros.

Este fim de ano eu gostaria que as crianças sequestrassem Papai Noel e o espancassem. Depois libertassem as renas do jugo desse capitalista. E que lhes enviassem uma carta bomba, caso ele consiga fugir, quem sabe libertado por aqueles malditos duendes que se deixam escravizar pelo tirano Noel.

Gostaria que seu saco de presentes capitalistas, que corrompe a mente ingênua das crianças, fosse roubado por “crianças de rua” e que os presentes, produtos de furto, fossem distribuídos pelas favelas deste mundo.

Basta apenas querer enxergar para ver quantos cifrões se escondem por detrás daquela pança e daquela barba de maldito bom velhinho risonho.

agência de notícias anarquistas-ana

Em morosa andança
Ao léu com meu ordenança —
Contemplação das flores.

Kitamura Kigin

[Reino Unido] Elfos libertam seis patos para o natal

14 de dezembro, Norfolk, Reino Unido

“Os elfos têm estado ocupados, causando o caos onde quer que vamos. Em uma noite fria de dezembro, armados com alicates de corte, entramos em uma fazenda de grande escala de criação de patos, onde coletam milhões de ovos e levamos seis aves conosco. O lugar era horrível, cheirava mais mal do que muitas outras granjas de aves em que já estivemos e odiamos deixar tantos patos para trás, mas só tínhamos casas para seis fêmeas, então esse foi o melhor resultado que conseguimos!

Neste Natal, dê liberdade em vez de presentes!

12daysofchristmas

 Acredite em sua ALF!”

 Fonte: https://unoffensiveanimal.is/2024/12/16/elves-liberate-six-ducks-for-christmas/

agência de notícias anarquistas-ana

Ainda que tombe
Depois de tanto andar e andar –
Campo de lespedezas.

Kawai Sora

[Chile] Histórias de Natal

Era dezembro de 1940 em Santiago do Chile e os trabalhadores de diversas empresas construtoras se mantinham em greve, se aproximava o fim do ano e a pobreza era grande.

Naquele contexto, o 24, a poucas horas da noite feliz, três indivíduos corretamente vestidos entram com armas de fogo na filial da Av. Brasil da Caja Nacional de Ahorro, em menos de três minutos acessam os cofres, levando grande quantidade de dinheiro que se encontrava armazenada para as festas de fim de ano.

Em 5 de fevereiro de 1941, quatro pessoas são detidas em Valparaíso, os três assaltantes mais o chofer, após serem torturados reconhecem serem os assaltantes da Caja Nacional de Ahorro, mas indicam que o dinheiro o gastaram em bordéis e jogos, a polícia não acredita, já que os conhece de antes e continua torturando-os, até que finalmente se sabe que todo o dinheiro do roubo foi entregue às famílias dos grevistas da construção, para que pudessem se manter durante as festas e os primeiros meses de 1941. O dinheiro nunca foi encontrado, portanto ao não existirem provas, após semanas, todos foram postos em liberdade.

Os assaltantes eram:

– Jorge Agustín Ramírez, integrante da Federación Juvenil Libertaria e impulsionador da greve das imprensas de fevereiro de 1940.

– Jorge Ramírez da Barra, obreiro filiado à Unión de Resistencia de Estucadores (URE) e colunista do jornal anarquista “La Palabra y La Protesta”.

– Antonio Pávez Gomes, sapateiro e militante anarcossindicalista, orador em algumas atividades.

– Hugo Darquín Hernández, chofer durante o assalto, não apresenta filiação política nem sindical.

Fonte: Nuevas Crónicas anarquistas de la subversión olvidada, de Óscar Ortiz

agência de notícias anarquistas-ana

As cores sumindo
No girar do cata-vento —
Menino surpreso.

Sonia Regina Rocha Rodrigues

[Argentina] Um ano, nada para comemorar

O governo de La Libertad Avanza levou a fome e o desespero a níveis nunca antes vistos em termos de velocidade e profundidade. Toda a política social tem como objetivo consolidar esse novo raio X, no qual se destacam os quase 2,5 milhões de novos indigentes. A criminalização dos protestos completa o cenário.

O jornal Tiempo publicou uma edição especial com notas e relatórios sobre o impacto na política, na economia e na sociedade dos 365 dias de Javier Milei e seu experimento “libertário” no poder.

  • A catástrofe social de Milei: quatro milhões de novos pobres

https://www.tiempoar.com.ar/…/la-catastrofe-social-de…/

  • Na motosserra de Javier Milei, a casta era a dos aposentados

https://www.tiempoar.com.ar/…/en-la-motosierra-de…/

agência de notícias anarquistas-ana

Virada do morro:
Ipê e seu grito amarelo
perpendicular.

Eolo Yberê Libera

Crime e Estado: amigos íntimos

A notícia divulgada pela mídia burguesa brasileira de que policiais estão sendo investigados por envolvimento com o PCC (Primeiro Comando da Capital) evidencia uma verdade frequentemente mascarada: o vínculo profundo e estrutural entre o Estado, o crime organizado e o capitalismo.

A polícia, que oficialmente deveria servir à “segurança pública”, na prática, atua como um braço armado de proteção aos interesses das elites, enquanto reproduz as dinâmicas de violência e corrupção que caracterizam o sistema capitalista. A relação promíscua entre agentes do Estado e organizações criminosas não é uma aberração ou exceção; é, sim, uma manifestação do funcionamento sistêmico de um modelo econômico e político que legitima e se alimenta do crime.

No capitalismo, a linha entre a “lei” e o “crime” é constantemente borrada. O mesmo sistema que criminaliza a pobreza e marginaliza trabalhadores precarizados, principalmente os pretos, sustenta estruturas que permitem a lavagem de dinheiro, a corrupção e a exploração violenta, seja por meio de organizações criminosas como o PCC, seja por corporações que exploram mão de obra de forma análoga à escravidão. A polícia, longe de ser uma entidade neutra, funciona como agente desse ciclo, seja pela repressão aos pobres, seja pela aliança com as máfias para lucrar com o controle territorial e econômico. Assim, o crime não é um desvio, mas um elemento intrínseco do próprio sistema que se organiza para concentrar poder e riquezas.

O Estado, enquanto sustentáculo do capitalismo, também é cúmplice nesse cenário. A legalidade estatal é utilizada para proteger privilégios e interesses corporativos, enquanto a ilegalidade, frequentemente atribuída ao crime organizado, opera como uma extensão das mesmas dinâmicas de exploração. Não é por acaso que esquemas de corrupção, como os relatados na operação contra policiais suspeitos de envolvimento com o PCC, envolvam diretamente aqueles que deveriam “combater” o crime. O Estado e as máfias são, de fato, duas faces de uma mesma moeda, promovendo e perpetuando a desigualdade e a violência de maneiras complementares.

A denúncia dessa ligação estrutural entre o Estado, o crime e o capitalismo é essencial para entender que a repressão e as operações policiais não têm como objetivo eliminar o crime, mas reorganizar suas hierarquias e fluxos de poder. Qualquer solução que busque superar essas contradições não virá do próprio aparato estatal, mas da construção de alternativas coletivas e anticapitalistas, baseadas na autogestão, na solidariedade e na luta contra todas as formas de opressão. Sem romper com o capitalismo e seu braço armado, o Estado, continuaremos reféns de um sistema que normaliza o crime como parte de sua lógica interna.

Liberto Herrera.

agência de notícias anarquistas-ana

A enorme formiga
Caminha sobre o tatame—
Ah, tanto calor!

Inoue Shirô

[Espanha] A vida como professor no bairro de Cuatro Caminos de Abelardo Saavedra, o anarquista errante

Abelardo Saavedra Toro dirigiu uma escola para filhos de obreiros no bairro de Cuatro Caminos em princípios do século XX. Ao longo de sua vida viveu em Cádiz, Sevilha, Madrid, Barcelona, Cuba ou França, entre outros lugares. Em todos os lugares fez da militância anarquista um instrumento de mudança social

Por Luis de la Cruz | 03/11/2024

Certamente, não lhes diz nada o nome Abelardo Saavedra Toro, mas tem uma vida que não cabe em um artigo. Nascido na localidade gaditana de Villamartín em 1860, logo se destacou como propagandista e militante anarquista em terras andaluzas. Quando morre – com as botas calçadas – em 1938 terá passado muitas décadas de ativismo, fundado vários jornais, pisado cárceres em diversos países e dirigido uma escola em Cuatro Caminos, que é o momento sobre o qual hoje faremos zoom.

Sua biografia era uma linha cheia de lacunas até que Aurelio Fernández Fuentes, bisneto do personagem, publicou em 2021 Saavedra. Um anarquismo, uma biografia em cuja leitura o leitor vai acompanhando o autor no processo de investigação ao longo de diversos países, durante muitos anos.

Saavedra chega a Madrid em 1904 procedente de Andaluzia  – depois de sair do cárcere – e permanecerá na capital até agosto de 1906, quando marchará a Barcelona. Assim que chega, tem já um círculo de afinidade libertária na cidade e um destino. Seus conhecidos são os anarquistas que, em Madrid, pululam ao redor da família Urales – Juan Monteny e Soledad Gustavo – que naquela época vivem na rua Donoso Cortés, desde onde levam a cabo sua atividade editorial. Naqueles contornos do subúrbio, mais identificados naquela época com o bairro arrabalesco dos Cuatro Caminos que com o Chamberí del ensanche, se moveram personagens ilustres da ideia como Fermín Salvoechea ou o médico Pedro Vallina, entre outros militantes que encontraram lugar nas publicações La Revista Blanca ou Tierra y Libertad.

A rua Hernani, onde estava a escolinha, foi uma das que primeiro se urbanizou no subúrbio norte e nela logo aflorou, também, a vida do bairro. No número 5 existia um pequeno teatro, que as crônicas descrevem como decadente, que servia de cenário para tudo no bairro. No mesmo se levavam a cabo reuniões para tratar assuntos de índole local que se montava um comício político ou, claro, se representava uma obra teatral.

E a praça madrilenha que ocupará é a escola para filhos de trabalhadores situada na rua Hernani, uma das que primeiro se urbanizou no subúrbio norte, onde logo aflorou, também, a vida do bairro. No número 5 havia um teatro que servia para fazer um comício político, que uma reunião de moradores ou, claro, ver uma representação teatral. No mesmo número se abre a escola racionalista com fundos arrecadados em Villa Constancia, o conhecido merendeiro da glorieta de Cuatro Caminos gerenciado por Canuto González, que além de taberneiro era um dos homens de mais peso na vizinhança e um proeminente republicano federal.

A escola contava com dois locais – um para cada sexo – onde davam aulas a menores e, já à noite, também a seus pais. Tinha praça na escola também uma professora chamada Concepción Martínez. Por seus próprios escritos em Tierra y Libertad sabemos da importância que Saavedra concedia à educação como ferramenta emancipatória da classe trabalhadora. Uma escola era, a sua maneira, também propaganda pelo fato. Como em outras escolas racionalistas, a aprendizagem ao ar livre era fundamental e se levava a cabo em uns terrenos emprestados junto à Moncloa.

A fundação do colégio se devia à La Educación de El Porvenir, uma sociedade nascida para a criação de escolas laicas fundada no Centro Obrero Societario do número um da Costanilla de los Ángeles. Este foi também o cenário no qual se moveu Saavedra e, os bairros populares do sul, outro dos cenários de sua etapa madrilenha, chegando a viver com sua família em um pátio de Lavapiés e dando comícios anarquistas no teatro Barbieri.

Coincidindo com sua estadia em Cuatro Caminos como diretor da escola aconteceu um fato trágico no qual morreram numerosos trabalhadores, a maioria da zona: o desmoronamento do terceiro depósito de água do Canal de Isabel II em 1905, que ocasionou a morte de ao menos 30 pessoas e deixou mais de 50 feridos. Algumas das pessoas que se destacaram na mobilização popular de protesto que se levou a cabo nesse mesmo dia nos Cuatro Caminos pertenciam ao entorno de republicanos federais e anarquistas que pululavam pelos locais de Hernani e a taberna de Canuto González. O próprio Abelardo Saavedra participou como orador em um comício sobre o fato no centro obreiro da Costanilla de los Ángeles.

Saavedra se envolveu também em outras lutas ativas como as do inquilinato e teve atrito com os frades do bairro, que ostentavam o quase monopólio do ensino no subúrbio. No entanto, a vida errante do propagandista fazia com que não pudesse estar demasiado tempo quieto, e com frequência saía de Madrid – para onde chegasse o trem – para fazer turnês de propaganda. Nestes trabalhos o acompanhavam Francisco González Sola, Antonio Ojeda ou José Sánchez Rosa, com quem formou a Agrupação 4 de Mayo, que se encarregou da edição do Tierra y Libertad.

As causas pendentes por delito de imprensa se amontoavam umas encima das outras e as entradas e saídas na prisão foram moeda corrente ao longo de toda sua vida. Conta Fernández Fuentes em sua biografia que chegou a escutar várias versões familiares de uma anedota sobre como veio desde Tánger para conhecer a sua primeira neta, Amor Fernández Saavedra, em 23 de maio de 1906. Saavedra se apresentou em Madrid disfarçado com um gorro marroquino e um macaquinho.

O jornal Tierra y Libertad deixou de aparecer coincidindo com o atentado de Mateo Morral contra Alfonso XIII e Victoria Eugenia. Saavedra havia conhecido Morral em uma de suas viagens a Sabadell e na escola de Ferrer i Guardia, da qual o quase regente era bibliotecário. Cabe recordar, por certo, que Morral fez parada em sua fuga na taberna do já mencionado Canuto González, a poucos metros da escola da rua Hernani, e é possível que passara pela redação de Tierra y Libertad na turnê que fez por toda a cidade antes de jogar a bomba.

O atentado, como costumava ser habitual, supôs a detenção indiscriminada de anarquistas madrilenhos, entre eles Saavedra e seu filho de somente dezesseis anos. Transladaram então o Tierra y Libertad a Barcelona, o que não seria nada mais que uma nova parada em uma vida em constante exílio para França, Argélia ou Cuba, onde viveu de novo andanças que dariam para um artigo como este em um diário da ilha caribenha.

Expulso de Cuba em 1911, voltou de novo a Madrid brevemente, para logo chegar nas Canarias, Sevilha, Barcelona ou Melilla. Apesar de sua idade, em 1936 se translada desde Barcelona, onde vivia então, à frente aragonesa, antes de morrer em 7 de novembro de 1938. Para então, havia acumulado em suas costas décadas de militância em prol da revolução, fundado diversos jornais, falado em centenas de estrados, entrado no cárcere em diversos países e deixado uma biografia tão densa como desconhecida para a maioria de nós até pouco tempo. Uma vida com muitas vidas entre as quais está também a de professor no incipiente bairro dos Cuatro Caminos.

Fonte: https://www.eldiario.es/madrid/somos/tetuan/vida-maestro-cuatro-caminos-abelardo-saavedra-anarquista-errante_1_11775370.html

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Escorre o sol
Salgando meus lábios
Passo a passo

Rodrigo Vieira Ribeiro

Festival Cultive Resistência 2025.

18, 19 e 20/04 de 2025.

Espaço cultural Semente Negra – Peruíbe/SP.

O Festival Cultive Resistência é um encontro multicultural, libertário, que ocorre na Semente Negra, um espaço político cultural situado em meio a mata atlântica, em Peruibe/SP.

O Festival acontecerá nos dias 18, 19 e 20 de abril de 2025. Serão três dias de diálogos, palestras, oficinas, debates, shows, distribuidoras, momentos de compartilhamento, aprendizado, ensinamentos, reflexão e ação.

Qual o motivo deste festival?

Queremos propor um encontro onde possamos pensar um mundo livre! Onde possamos expressar nossa indignação, nossa arte, nossa política, nossa cultura, nossos corpos, de forma livre, desengonçada, risonha, brincante e revoltosa.

Queremos nos juntar nestes momentos, construir redes de apoio, solidariedade, grupos rebeldes, criar conexões e construir novas perspectivas e realidades. Entendendo que existe uma guerra em curso e que o campo de batalha é constante, com um alvo bem determinado.

Venha fazer parte destes 03 dias inspiradores!

>> Mais infos: cultiveresistencia.org | festival@cultiveresistencia.org

agência de notícias anarquistas-ana

No frescor da sombra
Caldo pelos cotovelos —
Manga madura

Neiva Pavesi