Sobre o massacre de estado – Rio de Janeiro

Por Camila Jourdan | 29/10/2025

A política de morte não trata apenas de matar, mas sempre de produzir a própria possibilidade do extermínio. Por isso ela tem sempre uma dimensão discursiva. Que ameaça devem produzir corpos expostos em praça pública? Que ensinamento de terror sempre esteve expresso pelas execuções públicas? Ao lado disso: o que autoriza que o estado moderno mate? Como se produzir a morte e, ao mesmo tempo, se dizer que se faz isso para defesa do estado democrático de direito? Como exibir publicamente uma fileira de corpos e, ao mesmo tempo, se escrever a legenda: ‘cidade volta ao normal após operação’? Como colocar a chacina e o extermínio sob a égide da normalidade?

Desde do dia da operação a televisão insistia em dizer que todos os mortos eram ‘bandidos’, mesmo que não se soubesse quem eram. Tudo havia sido feito em função da manutenção da ordem e da paz social. Paz para quem, afinal? A implicação: ‘morreu, logo era traficante‘ é antiga neste contexto de produção de discursos da suposta ‘guerra às drogas’, e já fazem pelo menos quatro décadas. Sabemos que se diz ‘guerra assimétrica’ para não se chamar chacina, extermínio, massacre, perseguição aos pobres, gestão do crime e domínio dos territórios pelo medo. Quando finalmente a mídia passa a chamar de ‘suspeitos’, é sempre com uma acompanhada despersonificação. É importante tornar os alvos não-sujeitos, e isso se procede de muitas maneiras. Pela exibição de corpos em montanhas. Pelo número colocado como sujeito da frase. Pela tentativa de se evitar qualquer empatia. Foram mais de 100 pessoas assassinadas, mas isso deve ser tratado em bloco, apenas a família e amigos dos quatro policiais são exibidos chorando, sentindo, demonstrando comportamento de dor. As pessoas assassinadas não têm família, ou esta família é um sujeito oculto mencionado para se reconhecer a culpa do filho morto, não há quem se importe, são números: ‘128 mortos’, ‘128 corpos’, nenhuma subjetividade…daí o pano de fundo estar dado para fala do governador, repetida pelo secretário de segurança: “só tivemos 4 vítimas nesta operação, os policiais”, os demais foram contidos, eliminados, abatidos. Os demais não são pessoas. 

Tudo isso vem então acompanhado da impossibilidade de defesa, o outro animalizado é o lugar do inimigo social, e o inimigo social é aquele que pode ser eliminado sem que isso gere punição. Mais do que isso, cuja tentativa de autodefesa deve sempre deflagrar sua própria morte. Lugar ocupado por quem é colocado como não-humano é o que a designação de ‘terrorista’ deve produzir, o lugar que pessoas sem direitos devem ocupar. As entrevistas do governador e do secretário de segurança defendem de modo intransigente uma operação ilegal, amparados nesse estratagema discursivo: o lugar onde a defesa é impossível, é também o lugar da presa. Por isso é tão importante que eles digam que o que está em jogo não é mais o comércio de drogas, mas a defesa do estado, que tratam-se afinal de ‘narcoterroristas’ muito perigosos. O ‘narcoterrorista’ é matável por excelência, inimigo da civilização, fabricado no lugar de ameaça interna, capaz de incendiar a cidade, parar o mercado, interromper as vias, levar o caos. Contra ele qualquer violência apresenta-se como plenamente legítima.

Só assim é possível sustentar que sejam largados na mata pra que seus familiares busquem os corpos. Requinte de crueldade sem dúvida, mas que convenientemente impede a perícia. Pois se eles vão buscar, são acusados também de serem criminosos, de terem adulterado a cena do crime, de terem gerado qualquer marca no corpo que não corresponda à versão do auto de resistência. Mas, ora, se eles estavam todos em confronto por que não foram encontrados com seus fuzis? Não seria importante a polícia deixar a prova que sustenta sua narrativa no local, já que agiam pra se defender? Como corpos desarmados podem ser vistos como ameaças? Daí a importância que sejam recolhidos por seus próximos, aquelas pessoas que mesmo diante dessa estratégia sádica, insistem em ter empatia, e assim ocupam o lugar de Antígona, elas impedem que os corpos sejam largados sem ritos. Na praça, diante da comunidade, podem receber novos sentidos. Na praça, diante das câmeras, os corpos matáveis insistem em ser gente, e são aplaudidos. 

Mas quanto ao corpo de Polinice, infaustamente morto, Ordenou aos cidadãos, comenta-se, Que ninguém o guardasse em cova nem o pranteasse, Abandoando sem lágrimas, sem exéquias, doce tesouro De aves, que o espreitam famintas. As ordens – propalam – do nobre Creonte, que ferem a ti E a mim, a mim, repito, são estas, que vem para cá Com o propósito de anunciar as ordens aos que ainda não as conhecem Explicitamente. O assunto lhe é tão sério Que, se alguém transgredir o decreto, Receberá sentença de apedrejamento dentro da cidade (Antígona)

Antígona, um mito antigo, enfrenta o estado representado por Creonte, e confronta sua narrativa pela qual o cadáver do seu irmão não pode receber ritos fúnebres por ter ofendido as leis em vigor. Antígona impede que o corpo de seu irmão apodreça sem ritos fúnebres e que seja comido por animais. Que os próprios parentes recolham seus mortos atesta também: o estado mata, mas a comunidade cuida. Antígona também se torna igualmente criminosa por isso. Na necropolítica, cuidado é crime. Porém, dessa forma, não temendo mais, em seus próprios termos, nem a morte nem a loucura, parece apontar um princípio de uma ética para além do estado e da noção necessariamente excludente de humanidade.

Morrerei, sim. Se minha morte vier mais cedo, eu a receberei de bom grado. Minha vida tem sido apenas miséria. Se me punires, não farás mais do que acelerar minha chegada ao túmulo. Mas não honrar meu irmão, isso sim seria intolerável. (Antígona)

As analogias param por aí. Não devemos sustentar que o ocorrido foi uma tragédia, pois não foi, foi planejado e executado de acordo com o plano. Nisto, o governador não mentiu. Em todo caso, Claudio Castro disse que os policiais que morreram em confronto são heróis. Não quero disputar heroísmos. Mas se há uma ação que em meio a tudo isso possa ser saudada são daqueles e daquelas que passaram a madrugada buscando os corpos dos seus parentes, amigos ou apenas vizinhos em meio a mata. Estas pessoas nos permitem enfrentar o medo que nos é sistematicamente imposto como política de morte.

Fonte: https://lasintec.unifesp.br/produ%C3%A7%C3%B5es/colabora%C3%A7%C3%B5es-externas/camila-jourdan-sobre-o-massacre-de-estado-rio-de-janeiro-29102025

agência de notícias anarquistas-ana

travesso gato
com saudade do dono
mija no sapato

Carlos Seabra

[EUA] Libertem Mumia Abu-Jamal, já!

Ontem (19/10) visitei Mumia. Ele é uma das pessoas mais inteligentes que já conheci. Visito-o há mais de trinta anos e, a cada visita, fico mais claro para mim o motivo pelo qual querem silenciá-lo.

43 anos atrás das grades afetaram seu corpo e sua visão, mas seu espírito de denunciar injustiças continua forte.

Mumia não está na prisão porque um policial foi morto em 9 de dezembro de 1981. Mumia está na prisão porque sobreviveu.

Se o policial Faulkner tivesse sobrevivido e Mumia tivesse morrido, o policial Faulkner estaria na prisão?” — Mumia

Mumia é vítima da corrupção policial, do racismo, de Rizzo [ex-prefeito da Filadélfia]. Libertem Mumia!

Mike Africa Junior

agência de notícias anarquistas-ana

no vaso menor
um punhado de terra
violeta em flor

Ricardo Silvestrin

A “pacifista” Corina Machado, um disparate perigoso

A escolha da venezuelana María Corina Machado como ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2025 além de descredibilizar o comitê de Oslo, dando a ele um notório toque de bizarrice, realça também a não neutralidade de seus participantes na escolha da honraria, dado que o “condomínio político” ali representado, ao conceder esse prêmio, premia, acima de tudo, a atuação política de uma figura tão controversa quanto o bolsonarismo aqui no Brasil. Com um passado abraçado ao golpismo, essa senhora, ainda hoje, clama por uma escalada militar dos EUA contra seus compatriotas e tal sinalização, escancarada nas mídias digitais, pode servir de aterramento midiático aos interesses de ocupação que o imperialismo sempre teve pela região.

Para Pablo Uchôa, pesquisador e docente do Institute of the Americas, da Universidade de Londres, a premiação ignora o passado antidemocrático da líder e pode até servir como um atalho para a influência de Trump sobre a América Latina. Uchôa avalia que, ao destacar uma figura individual, o Nobel perdeu a chance de reconhecer a luta coletiva pela democracia, representada por algumas organizações da sociedade civil; e, diante da crescente sombra direitista pela América, o professor ainda nos lembra que: “No ano em que o espectro do fascismo começa a se alastrar pelos Estados Unidos, o comitê do Nobel resolve premiar a sua maior aliada na América Latina.”

Diante disso, como considerar uma defensora da paz alguém que apoia as ações do governo de Benjamin Netanyahu em Gaza e defende intervenções externas na Venezuela? Ora, essa mulher que apoiou o golpe contra Chaves em 2002 e a deposição de Nicolas Maduro, em 2019, ao lado do autonomeado presidente, Juan Guaidó, recentemente comemorou que o governo americano aportasse na costa caribenha três navios de guerra prontos para o terror; o que passa longe de alguém que comunga os preceitos pacifistas de respeito e diálogo. Muitas vezes vendida como esperança de democracia, María Corina, na verdade, não passa de uma fascista de longa data – que nunca hesitou em conclamar meios beligerantes para derrubar o governo de seu país natal.

Aqui no Brasil, até mesmo os defensores de tal figura tiveram imensa dificuldade para justificar na imprensa o prêmio concedido a ela, dado seu “histórico de luta” estar resumido apenas a conchavos esporádicos na coxia política. Não é pra menos: este talvez seja o prêmio mais bizarro dado na história da instituição do Nobel. E olha que o plantel de demônios laureados, sedentos pelo sangue de países periféricos, é extenso: vai de Henry Kissinger à Menachem Begin e Barack Obama, por exemplo.

É lamentável que esse prêmio contamine de infâmia aqueles que, de fato, o merecem e seja posto, hoje, como uma espécie de avalista para possíveis confrontos armados, pois, neste exato momento, o presidente Trump já fala abertamente em fazer uma incursão por terra na Venezuela, legitimando seu discurso com esses “confetes” recebidos. Ou seja, acabou a vergonha em falar em nome do sangue e do saque, pois todos sabemos que os EUA não está nem aí para a democracia. Quem fala alto aqui e agora é o perigo. Ao anunciar como vencedora uma atriz política, o comitê de Oslo premiou sua histórica atuação por submissão, intervenção e saque. Ora, dado o histórico macabro do próprio prêmio, e dado os devidos créditos de megalomania do presidente americano, a premiação de 2025 seria até menos absurda se tivesse sido concedida a Donald Trump.

Diego Fernandes Moreira

ULCM (Unificação das Lutas de Cortiços e Moradias)

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Noite fria.
Mundo em silêncio.
Tosse ao longe…

Gustavo Alberto Corrêa Pinto

Sejam pessoas bem vindas a COP30: Brasil, uma potência em destruição ambiental!

O Brasil longe de ser o paladino da preservação ambiental, já destruiu 71,3% das áreas de florestas tropicais nativas, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), devido aos diversos ciclos de exploração agrícola ocorridos desde a invasão europeia. 

Para fins ilustrativos, a cana-de-açúcar e o café tiveram um papel significativo na destruição da flora e fauna no Nordeste brasileiro. A exploração da cana-de-açúcar, em particular, levou ao desmatamento e à perda de habitats, impactando diretamente a biodiversidade da região em um período de tempo de quase 3 séculos. 

E esse perfil não mudou!

Os vários governos brasileiros com seus perfis variados (direita ou esquerda institucionais), não tiveram nenhum compromisso sério de mudança em suas políticas agrícolas e ambientais, embora gritem aos quatro ventos estejam engajados em programas ambientais e preocupados com as mudanças climáticas que estão nos devastando. 

Balela!!!

Ao mesmo tempo que buscam ter algum protagonismo nas questões climáticas e ambientais, mostra sinais contraditórios de apostar em exploração de mais fontes de energia suja, como petróleo e termelétricas, mantendo a política de uso de veneno nas lavouras e afrouxamento das regras para autorizações de empreendimentos extremamente destruíres com de mineradoras e construções de alto padrão em áreas de preservação ambiental, além de manterem a política de extermínio dos povos originários, uma vez que nada fazem para parar os avanços das fronteiras agrícolas. 

Recentemente, em outubro de 2025, foi autorizado pelo Ibama (órgão que deveria proteger o meio ambiente brasileiro) a sondagem exploratória da foz do Amazonas pela Petrobras. E o Brasil mantém subsídio para o uso de carvão para termelétricas, recentemente prorrogado até 2040, também em outubro de 2025!

Não se deixem enganar, o Brasil sempre caminhou como tantos outros países que destruíram seu meio ambiente, uma vez que o que a ganância e avidez por mais riquezas por parte dos grupos dominantes (empresariado em geral, banqueiros, agro-negociantes entre os principais) mantém a pressão para manterem operações nocivas ao meio ambiente. Não importa que isso cause impacto negativo, tendo lucros e mais lucros, o planeta que se dane!

A diferença é o tamanho continental que faz com que a percepção de que ainda temos muita área preservada, mas é ilusório, uma vez que a ganância e ambição dos grupos exploradores de todas as matizes não vão parar em quanto a terra não estiver seca de uma forma irreversível, assim como fizeram com grandes áreas no nordeste brasileiro.

Embora vastas áreas do Brasil permaneçam preservadas, as áreas já desmatadas são tão grandes que, quando comparadas a países menores, a magnitude do dano é assustadora. Por exemplo, o Brasil perdeu uma área de vegetação natural equivalente ao tamanho da Bolívia (mais de 111 milhões de hectares) em apenas 40 anos. Apenas em 3 anos, uma área maior que a Suíça foi devastada na Amazônia. Esses números, expressos em áreas comparáveis a países inteiros, demonstram a escala colossal da destruição, que pode ser subestimada quando vista apenas em termos de porcentagem de um território tão grande quanto o brasileiro.

Com uma vasta extensão territorial do país pode criar uma falsa percepção de que os recursos naturais são inesgotáveis e que sempre haverá mais áreas a serem exploradas ou preservadas. Isso pode levar a uma complacência em relação às taxas de desmatamento e degradação.

A destruição ambiental ocorre em diferentes biomas (Amazônia, Cerrado, Caatinga, etc.) e em locais distantes dos grandes centros urbanos. A distância física e a dispersão dos problemas podem fazer com que a população urbana e a mídia não tenham a real dimensão do que está acontecendo em regiões remotas.

Frequentemente, os dados de desmatamento são apresentados como porcentagens da área total do bioma ou do país, o que pode parecer pequeno em um território colossal. No entanto, em termos absolutos (quilômetros quadrados), a área destruída é enorme, e tem impactos globais significativos, como a emissão de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade. 

Reforçamos que a dimensão do Brasil mascara o fato de que a destruição, embora localizada em certas regiões, atinge proporções que, em qualquer outro país, seriam consideradas uma catástrofe nacional de proporções inquestionáveis.

Brazil: king of ambiental destruction!

anarkio.net

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Rebelião íntima:
quem doma o próprio medo
derruba impérios.

Liberto Herrera

[Macedônia do Norte] Coletivo Anarquista Smokva: “Rejeitamos as ilusões da democracia representativa e suas hierarquias”

O Coletivo Anarquista Smokva (lit. “Figo”) é um grupo de pessoas que se reuniram com uma forte vontade de criar um espaço social, político e amigável, bem como um modelo de vida mais humano.

Impulsionades pelo desejo de ajuda mútua, amizade horizontal e ação direta, nos reunimos, não para representar, mas para agir; não para falar em nome de outra pessoa, mas para conversar juntes; não para imitar o que existe, mas para experimentar e criar possibilidades.

Vivemos em sistemas que se alimentam da guerra e da alienação, enquanto os políticos oferecem promessas vazias. Vivemos em meio a escombros empilhados, que ainda fingem constituir uma forma de ordem. Ao nosso redor, os antigos sistemas de poder, capitalistas, patriarcais e imperialistas, continuam se reproduzindo, incapazes de existir sem guerra, alienação, roubo e desespero.

Percebemos como cada avanço na igualdade de gênero está diminuindo, vemos nossos amigos da multidão de liberdades sexuais sendo empurrados para as margens, vemos o ar que respiramos sendo envenenado pela poluição, vemos como a mera sobrevivência ecoa como um futuro impossível, enquanto as ruas estão cobertas pelos excrementos do consumo infinito.

A isso, respondemos com uma ação experimental, criando novas formas de união.

Solidariedade e amizade não são apenas slogans para nós – são uma prática cotidiana: nas decisões que tomamos juntes, nas refeições que compartilhamos, no cuidado que temos uns com os outros e com as ruas que estamos recuperando. Acreditamos na amizade sem papéis e na igualdade sem mestres.

Rejeitamos as ilusões da democracia representativa e suas hierarquias. A liberdade não é delegada, e a igualdade vive na diversidade, não na semelhança.

Smokva é uma constelação de amizades e experiências, imperfeita, fluida e viva. Um símbolo da vida que cresce, ramificada e livre, uma tentativa de paz em um mundo sem paz, que cresce entre o que é e o que poderia ser.

Instagram: https://www.instagram.com/ak_smokva/

Tradução > transanark / acervo trans-anarquista

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Criança com sede
E a chuva de primavera
Na concha da mão.

Tânia D’Orfani

[Uruguai] XI Feira Anarquista de Montevidéu – 22 & 23 novembro

Desde a organização da FLA Montevidéu convocamos a propostas de oficinas, palestras e/ou mesas redondas.

Estendemos também o chamado a montar bancas para coletivos, grupos ou individualidades que desenvolvam propostas editoriais.

A feira tem como objetivo o encontro para a difusão de materiais, publicações, propaganda e outros afins à anarquia.

Para participar podes escrever-nos ao contacto:

feriadellibroanarquistamvdeo@riseup.net

22 e 23 de novembro

Desde as 14:00 horas

Espaço Tormenta (espaço queer autogestivo)

Saúde!

Os esperamos!

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a chuva me cai
como uma luva
me OH!rvalha

Joca Reiners Terron

Pela união e organização anarquista: da teoria à ação combativa!

Às companheiras, companheiros e companheires, àqueles que carregam no peito o fogo da liberdade e o ódio à opressão: saudações da Federação Anarquista Capixaba!

O atual momento histórico exige mais do que palavras indignadas; exige ação concertada e estratégia. Enquanto nos perdemos em discursos fragmentados e ações desconexas, o capital avança, internacional e articulado, pisoteando povos, ecossistemas e qualquer resquício de autonomia. Sua face é global, e nossa resposta, até agora, tem sido localista e insuficiente. É hora de entender que a luta contra o Leviatã Estatal e o vampiro do Capital não será vencida por atos de bravura isolados, mas pela construção de um movimento capaz de enfrentá-los em todas as frentes.

A dispersão é nosso maior inimigo interno. Enquanto nos contentamos com grupelhos fechados em suas próprias verdades ou ações simbólicas sem continuidade, o sistema ri e segue seu caminho de destruição. Romantizar a espontaneidade sem organização é um luxo que não podemos mais nos dar. Precisamos de uma união orgânica, fluida e combativa, que transcenda as afinidades pessoais e se estruture em torno de um programa e uma estratégia comum. Só uma organização específica anarquista, firmemente enraizada nas lutas populares, pode acumular forças, compartilhar experiências e projetar uma transformação social real e duradoura.

Não basta diagnosticar os males do mundo; é nossa obrigação mergulhar nas profundezas da conjuntura e dela extrair um plano de batalha realista. A análise não é um exercício acadêmico, mas a base para a ação eficaz. Devemos estudar minuciosamente as táticas do inimigo, identificar seus pontos fracos e, a partir daí, criar estratégias de ação que sejam ao mesmo tempo ousadas e exequíveis. Isso significa conectar nossa prática cotidiana – do apoio mútuo nas comunidades à greve no local de trabalho – com nosso horizonte estratégico de transformação social radical. É a ponte que nos tira do campo das ideias e nos lança ao combate direto.

O capital não conhece fronteiras, e nossa solidariedade também não pode conhecer. Nossa luta no Espírito Santo está intrinsecamente ligada à dos povos da Amazônia, dos trabalhadores da Europa, dos oprimidos do Sul global. A internacionalização da luta não é um slogan, mas uma necessidade de sobrevivência e vitória. Devemos construir canais de comunicação, apoio e ação direta com organizações irmãs em todo o mundo, compartilhando táticas, recursos e, acima de tudo, a convicção de que nenhum de nós é livre enquanto um de nós for escravo. Nossa rede deve ser tão global quanto a do capital, porém, fundada na liberdade e na cooperação, não na exploração.

Portanto, chamamos todas e todos que almejam um mundo verdadeiramente livre a superar a inércia e o sectarismo. Unamo-nos sob a bandeira negra e vermelha da Anarquia organizada! Vamos forjar na prática uma ferramenta de luta afiada, capaz de analisar, planejar e atacar. O inimigo é poderoso, mas nossa força reside no povo organizado. É hora de transformar nossa indignação em movimento, nossa teoria em ação combativa e nossa esperança em realidade. A luta é aqui, é agora e é até a vitória final!

PELA ANARQUIA!


FEDERAÇÃO ANARQUISTA CAPIXABA (FACA)

federacaocapixaba.noblogs.org

fedca@riseup.net

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Sobre o telhado
flores de castanheiro
ignoradas.

Matsuo Bashô

[Osasco-SP] LASInTec convida: “Pesquisa, militância e anarquia: formas insurgentes de produção do saber”

No dia 4 de novembro, a partir das 19h, receberemos na Eppen-Unifesp – Universidade Federal de São Paulo -, em Osasco, o autor norte-americano Peter Gelderloos, para debate sobre seu novo livro “As soluções já estão aqui: estratégias revolucionárias ecológicas vindas de baixo”, em lançamento no Brasil pela GLAC edições, pela Entremares e pela Teia Dos Povos.

A mesa “Pesquisa, militância e anarquia: formas insurgentes de produção do saber” contará com a participação do professor Acácio Augusto, coordenador do LASInTec. A conversa será em espanhol e não haverá transmissão ao vivo.

SOBRE O LIVRO

“As soluções já estão aqui: estratégias revolucionárias ecológicas vindas de baixo”, de Peter Gelderloos, são um chamado urgente que ecoa das margens para o centro de nosso tempo histórico. Publicado originalmente pela Pluto Press (2022) e agora no Brasil, com prefácio de Anne Xukuru, o livro desmascara a farsa dos governos, corporações e ONGs que vendem falsas saídas “verdes” enquanto aprofundam a devastação.

Acompanhando por décadas as lutas anticapitalistas, Peter Gelderloos recolheu experiências de territórios insurgentes: comunidades indígenas que replantam florestas, camponeses que defendem a soberania alimentar, coletivos urbanos que reinventam a vida comum.

Em diálogo com povos do Brasil, da Venezuela, da Indonésia, da Europa e de tantas fronteiras em disputa, o autor mostra que a verdadeira resposta à catástrofe climática já está em curso — enraizada na autonomia, na solidariedade e na prática cotidiana de quem resiste.

SOBRE O AUTOR

Peter Gelderloos — Ativista anarquista norte-americano, foi preso em 2001 durante protesto contra a School of the Americas, centro de treinamento militar americano que treina militares para a América Latina. Ele fez a própria representação no tribunal e foi condenado a seis meses de prisão. Em 2007, foi novamente detido na Espanha durante um protesto e absolvido em 2009, após alegar condenação injusta e perseguição política. É autor de Como a não violência protege o Estado (2005), referência em debates sobre resistência.

William Gillis descreve Gelderloos como “um anarquista comprometido em tornar a teoria anarquista acessível” e “dentro de nosso movimento […] provavelmente o escritor anarquista menos controverso vivo”. Em 2024, ele coproduziu It’s Revolution or Death, uma série documental focada na crise climática global, em colaboração com o coletivo de mídia subMedia.Tv.

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mar sem ondas
a criança cai
levanta

Ricardo Portugal

Chacina no Rio de Janeiro: O ESTADO É O VERDADEIRO TERRORISTA!

Na terça-feira, dia 28 de outubro de 2025, presenciamos uma matança promovida pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, por meio de uma megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte da cidade. A Chacina, que já conta pelo menos 130 mortos e dezenas de desaparecidos, foi a ação policial mais letal de que já se teve registro na história do país, superando até mesmo o massacre do Carandiru. Este é mais um episódio sangrento de terrorismo de Estado e sua política genocida sistemática contra a população pobre, negra e periférica!

A atual megaoperação não é a primeira a prometer “retomar o controle do Estado” nas favelas cariocas, é continuidade da nefasta política de segurança pública implementada no estado do Rio de Janeiro nas últimas décadas. Em 2010, a falida política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) promovidas pelos governos Dilma-Lula-Cabral prometeu “acabar com o tráfico”, mas na prática fortaleceu o controle miliciano sobre os territórios. Em 2018, a Intervenção Federal de Michel Temer decretou a segurança pública do Estado do RJ sob o comando do exército brasileiro na figura de seu general Walter Braga Neto, prometendo solucionar a “crise” na segurança pública, e o que se sucedeu foram os assassinatos de moradores pelas forças militares e o descumprimento de direitos humanos mínimos, sob argumento de “guerra às drogas”.

Já o governador Cláudio Castro, tem em suas costas quatro das cinco operações mais letais da história do Rio de Janeiro: Jacarezinho (2021, 28 mortos), Complexo da Penha (2022, 23 mortos), Complexo do Alemão (2022, 16 mortos), Complexos da Penha e Alemão (2025, 120 mortos).

A política de segurança do governador Cláudio Castro (PL) é a mesma de seu antecessor no governo do RJ,  Wilson Witzel (PSC) que além de ser conhecido por ter sofrido impeachment por corrupção, cunhou a frase: “A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo”.  Portanto, o número superior a 120 mortes não é um “dano colateral”, é a materialização da doutrina que vê a população pobre como inimiga a ser eliminada.

DA FAIXA DE GAZA AO RIO DE JANEIRO, A MÁQUINA DE GUERRA COLONIAL

O orçamento da segurança pública do estado do Rio de Janeiro chega aos R$ 19 bilhões por ano (a segunda maior pasta de gastos) e 61% desse orçamento é destinado exclusivamente ao policiamento ostensivo. Esse financiamento sustenta a máquina de guerra que tem o Estado genocida de “Israel” como principal fornecedor, responsável por 17% das armas do Estado. O mesmo arsenal e as tecnologias de guerra colonial experimentadas em Gaza são importados e aplicados nas favelas cariocas:  Assistimos à chegada de drones e agora de helicópteros de guerra como o “Black Hawk”, aeronave armada com mísseis e metralhadoras com capacidade de disparar mil tiros por minuto. Na “Gaza brasileira”, o Estado replica a lógica de guerra colonial e extermínio em massa praticada por “Israel” contra o povo palestino.

Como forma de justificar o massacre, a extrema direita destaca a quantidade de armas apreendidas na operação que até o momento contabiliza 93 fuzis. É importante lembrar que há pouco tempo atrás, em 2019, 117 fuzis NOVOS foram apreendidos na Barra da Tijuca, no apartamento de Alexandre de Souza, amigo de infância do miliciano Ronnie Lessa, assassino de Marielle Franco e vizinho do ex-presidente Jair Bolsonaro. O mesmo aparato que assassina dezenas para apreender 93 fuzis na favela, age de forma “discreta” para apreender 117 fuzis novos num bairro de classe alta.

Entre as justificativas que embasam essa operação, é citado que o Comando Vermelho promovia uma “expansão violenta em áreas de milícia”. Tal preocupação ilustra que o Estado adota abordagens distintas para as diferentes facções criminosas, mudando a balança de suas disputas pelos pontos de varejo e beneficiando os setores mais alinhados com as forças policiais paramilitares.

O “NARCOTERRORISMO” COMO PLATAFORMA DE CAMPANHA: QUAIS CORPOS DANÇAM PARA QUE A FESTA DA DEMOCRACIA ACONTEÇA?

Alinhado aos ventos reacionários da política internacional, Cláudio Castro, ecoa a retórica imperialista de Donald Trump que autorizou o bombardeio a barcos na América Latina sob a acusação de “narcoterrorismo”, buscando legitimar a execução sumária de civis sem qualquer tipo de julgamento. O objetivo de Castro com essa ação é nitidamente promover o populismo penal, a fim de criar uma plataforma de campanha para 2026, utilizando as vidas ceifadas como combustível eleitoreiro e demonstrando novamente que aqui o genocídio é um projeto de poder. Os de cima chamam de democracia a matança de quem não dança na sua festa!

Faz parte do teatro eleitoreiro a retórica do “narcoterrorismo”, que pinta a imagem de um inimigo interno preto, pobre, favelado. Mas é importante dizer que a apreensão de alguns quilos de droga e uma matança contra supostos soldados de uma facção sequer arranham a estrutura do verdadeiro crime organizado, que é na verdade administrado pelo grande capital financeiro desde luxuosas coberturas. Pesquisas indicam que o crime organizado faturou R$ 350 bilhões nos últimos três anos no Brasil. Nos últimos meses, investigações escancararam bilhões de reais movimentados no mercado formal (postos de combustível, venda de bebidas, mercado imobiliário, fintechs, dentre outros). Não se trata de uma “infiltração” do crime na economia formal, mas de investimentos ativos do mercado financeiro, que busca lucrar com a economia bilionária dos mercados ilícitos sem sujar as mãos. Não acreditamos de forma alguma que o tráfico e as milícias atuariam da forma como atuam sem o agenciamento e financiamento do Estado e do mercado, que lucram política e financeiramente com a sua existência.

TERRORISTA É O ESTADO!

É ainda mais alarmante que o governador faça um discurso que tente classificar as facções criminosas como grupos terroristas, enquanto nós sabemos que TERRORISTA É O ESTADO! Longe de serem exceções, tais assassinatos exemplificam a regra das ações policiais contra a população negra e pobre do país. Não se trata de políticas de um ou outro governo, mas sim de uma característica intrínseca ao sistema capitalista-estatista na promoção do genocídio do povo negro. Não é possível falar do terrorismo de estado sem levar em conta seu caráter racial – os números demonstram que a grande maioria das pessoas assassinadas pelas polícias são negras – e a instituição policial surge no Brasil justamente como uma ferramenta de Estado para controle e extermínio do povo negro. Terrorista é o Estado que invade casas, executa civis, destrói o patrimônio público e oferece a morte como política pública. Terrorista é o mercado financeiro que lucra com o sangue derramado nas periferias!

A operação no Rio de Janeiro é resultado direto da ação do Estado na ADPF das Favelas. As favelas perderam, e o Estado ganhou. O STF tem responsabilidade nesse processo, assim como o governador. A própria gestão estadual chegou a publicar nas redes sociais que “a operação está sendo realizada cumprindo as exigências da ADPF 635″. O governador comemorou como se houvesse um grande êxito, diante de mais de 120 corpos de pessoas brutalmente assassinadas sem direito a julgamento, de moradores baleados, escolas sem aula, trânsito interrompido e famílias em pânico”. Isso é reflexo de uma política que abocanha o orçamento público e destina seus recursos para financiar o genocídio da população negra e periférica.

É certo que não existem soluções simples para a segurança pública, como vendem os políticos tanto da direita quanto da esquerda institucional. A “sensação de insegurança” das elites e dos setores médios nada mais é do que o medo de perder seus bens ou sua vida na barbárie produzida pelo próprio sistema capitalista. No entanto, as estatísticas não deixam dúvida sobre quem são as verdadeiras vítimas desse sistema: em 2024, 76% das 44 mil vítimas de homicídio no Brasil eram negras. Disfarçada de guerra às drogas, a política genocida é na verdade uma guerra aos pobres, que vitima a juventude negra e periférica, e mantém a população dessas comunidades sob constante ameaça.

Chacinas como a que vivenciamos no Rio de Janeiro demonstram a falência das instituições de Estado em garantir o mínimo que elas mesmas se propõem. Enquanto a população periférica seguir sem moradia digna, saúde, educação e lazer, o ciclo de violência seguirá se perpetuando. Enquanto não avançarmos a descriminalização das drogas, bilhões seguirão indo para o bolso de empresários e políticos ligados ao narcotráfico. É urgente que o debate nos movimentos populares sobre o fim da polícia militar avance para demandar o fim de todas as polícias, que são o braço armado dos poderosos para nos torturar, prender e matar. A verdadeira resposta não se resume a combater a violência, mas a construir um outro projeto de sociedade. Somente a construção de um povo forte é capaz de desmontar esta máquina de morte. A única resposta possível ao terror de Estado é a organização popular das comunidades em autodefesa!

Pelo fim do genocídio do povo negro!

Pelo fim das polícias!

Por vida digna e segura para as vilas e favelas!

cabanarquista.com.br

agência de notícias anarquistas-ana

Na cidade, a lua:
a jóia branca que bóia
na lama da rua.

Guilherme de Almeida

Crime organizado legal pelo Estado: monopólio da violência explícita!

Há tempos que as terras invadidas são palco para a violência desmedida, da repressão aos povos originários, as execuções de rebeldes nas diversas revoltas que tivemos, dos sumiços de corpos no período da ditadura, das incursões policiais nas periferias, onde executam supostas pessoas criminosas.

A manutenção da desigualdade social e econômica precisa de agentes que possam cumprir esse trabalho de repressão e tudo e todos que sejam classificados como criminoso será “neutralizado” ou seja, será preso ou assassinato, conforme o capricho do agente repressor e das ordens que tenha recebido.

Somamos a esse processo de violência, mais uma lamentável megaoperação policial no Rio de Janeiro, em outubro de 2025, resultando em mais de 120 mortes (ainda contando), já a mais letal da história do estado, maior que ao Massacre do Carandiru, onde 111 pessoas foram assassinadas pelo Estado de forma covarde e mais criminosa do que os processos daquelas pessoas apenadas. 

Essa é uma questão importante e inquietante: essas pessoas são pessoas, antes de serem classificadas ou taxadas de bandidas ou criminosas. Daí por serem entendidas como supostas criminosas (ainda estão averiguando se realmente eram todas envolvidas com organizações criminosas), isso dá carta branca para serem assassinadas? 

Sempre tratam as pessoas oprimidas e exploradas como “criminosas”, enquanto o sistema mantém os grupos empresariais, banqueiros, latifundiários e toda a sorte de bandido capitalista dito bem sucedido, “cidadão de bens” bem protegidos para roubarem mais e mais, de cometerem crimes com a anuência do Estado que o protege, o crime organizado legalizado, o que são de fato.

O Estado não falhou em proteger a vida dessas pessoas porque seus agentes não as enxergavam como pessoas, cidadãs brasileiras e sim, pessoas infratoras e por isso podiam ser executadas sem um processo prévio. Lembremos que o Brasil não tem pena de morte institucional, porque não precisa, as execuções são feitas pelas pessoas agentes de segurança pública, principalmente nas periferias e comunidades mais vulneráveis. 

No caso da megaoperação de extermínio, foi focada em reprimir o avanço da facção criminosa Comando Vermelho (CV) nos Complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte, gerou intensos confrontos e grande repercussão. Em muitos desses espaços, há que considerar as forças de milicianos (policiais e militares que se fazem de justiceiros, mas que de fato, são organizações criminosas associadas às forças de repressão). Dependendo da situação, é muito possível que essas milícias assumam os espaços deixados pela megaoperação.

O número de mortos durante a operação varia em diferentes relatos, mas a contagem mais alta chegou a 121 pessoas (entre supostos criminosos e militares). Moradores relataram ter retirado dezenas de corpos de uma área de mata nos complexos. Isso porque as forças repressivas violaram todas as regras sobre essa situação, de acionar a perícia técnica, o IML e todo o protocolo quando há pessoas mortas. A comunidade vítima das organizações criminosas (a legal e ilegal) fez o pape de trazer das matas, dezenas de corpos, muitos nus e com sinais de tiro na nuca e rosto, indicando terem sido executadas de pronto.

Houve prisões de dezenas de suspeitos, incluindo criminosos de outros estados. Também houve uma grande apreensão de armamento, principalmente fuzis. A operação visava prender líderes do Comando Vermelho e combater o avanço territorial da facção. No entanto, um dos chefes, conhecido como Doca, conseguiu fugir.

Essa chacina do crime organizado legal causou comoção e protestos entre moradores e ativistas de direitos humanos, que questionaram a letalidade da ação. O Ministério Público Federal (MPF) chegou a pedir acesso aos dados da perícia dos corpos para investigar possíveis irregularidades. Por outro lado, muitas pessoas tem elogiado esse massacre, por esquecerem de que atrás de uma criminosa, há uma pessoa. Nos dias seguintes, a população viveu momentos de medo de possíveis retaliações, com comércio e escolas vazias em algumas áreas. 

Os crimes do Estado para que possa se manter e sustentar o sistema continuará, esses episódios são necessários para o controle social, base para a manutenção das desigualdades sociais e econômicas às quais somos submetidas.

anarkio.net

Conteúdo relacionado:

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/10/29/gaza-e-o-rio-de-janeiro-gaza-e-o-mundo-inteiro/

agência de notícias anarquistas-ana

A raiz quebra o cimento
com a paciência feroz
dos oprimidos.

Liberto Herrera

[Itália] 4 de novembro: Desertamos todas as guerras

Falar sobre 4 de novembro hoje, sobre nossa oposição ao militarismo, à retórica e à propaganda que justificam as guerras, significa necessariamente confrontar também a forte oposição social à guerra que recentemente vimos crescer nas praças.

Nestes meses, milhões de pessoas se mobilizaram impulsionadas pela ação da Global Sumud Flotilla, pelas imagens do genocídio em Gaza, contra a guerra e o apoio que o governo italiano deu à agressão pelo Estado de Israel.

Trata-se de um movimento diverso, no qual se reuniram antimilitaristas com expoentes de movimentos pacifistas e não violentos e até mesmo de igrejas. Junto a eles, mobilizaram-se inúmeras pessoas que nunca são vistas em manifestações, um sintoma de um descontentamento e de uma oposição à guerra profundamente enraizados nas massas populares, juntamente com a desconfiança na ação do governo e das oposições parlamentares, e com a vontade de fazer algo concreto contra o horror que nos rodeia. E algo concreto foi feito, com os bloqueios que paralisaram grande parte do país e que tiveram repercussões também no exterior.

É, sem dúvida, um movimento heterogêneo, que escapa aos organismos sindicais e políticos que pretendem representá-lo e que, com suas narrativas, buscam dar uma visão distorcida, como se fosse um movimento motivado apenas pelo pedido de respeito ao direito internacional, pelo reconhecimento do Estado da Palestina, por uma guinada na política externa da Itália.

Na realidade, o ponto de partida deve ser a vontade de ir às ruas fora das siglas de partidos, sindicatos ou centros sociais, é a prática da ação direta e da auto-organização que frequentemente marginalizou os “chefinhos” dos sindicatos, das listas eleitorais e dos centros sociais que pretendiam dirigir o movimento.

Dentro deste percurso, o questionamento da produção e do tráfico de armas assumiu um papel central como objetivo de luta, para além das mediações institucionais habilmente executadas por alguns sindicatos, assim como um fator importante foi a solidariedade espontânea expressa na enorme quantidade de ajuda reunida pela Flotilla.

Impossível, portanto, reduzir este movimento a um movimento de apoio ao nacionalismo palestino e em particular às tendências islamistas em seu interior, elementos estes que, no entanto, estão presentes. É certamente mais interessante lê-lo também como um movimento que expressa um novo protagonismo da classe operária e do conjunto das trabalhadoras e dos trabalhadores, capaz de expressar a solidariedade internacionalista para além das fronteiras a uma população martirizada.

Saber captar os elementos positivos e trabalhar sobre eles para reduzir a influência dos aspectos negativos é a tarefa da componente francamente e conscientemente antimilitarista: por isso é importante estar presente dentro do movimento. A crítica antimilitarista deve se relacionar com os novos fenômenos, como este movimento, para se expandir a outras camadas sociais, com presença nas assembleias e coletivos, evitando que sejam dominados por forças que nada têm a ver com o antimilitarismo.

O 4 de novembro é uma oportunidade para uma intervenção desse tipo. O que o exército israelense faz hoje em Gaza, o exército italiano fez na Eslovênia e Croácia, na Líbia com o extermínio dos Senussi, na Etiópia, na Espanha com os bombardeios indiscriminados de Barcelona e outras cidades republicanas. O exército italiano de hoje é sempre aquele que em 1898 metralhou os famintos ou que, no dia seguinte a 25 de julho de 1943, atirou sobre os manifestantes que pediam o fim da guerra.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, não houve nenhuma solução de continuidade, a ponto de, ainda hoje, se celebrarem as batalhas da guerra imperialista fascista, assim como ruas, escolas e edifícios públicos recebem os nomes dos massacradores fardados.

O 4 de novembro é a festa de tudo isso, é um momento de propaganda institucional da ideologia da violência, do militarismo. A ideologia militarista da dissuasão e da competitividade é a que está por trás do genocídio de Gaza e dos mil genocídios espalhados pelo globo; a guerra nas cidades foi tema de uma doutrina específica elaborada pela OTAN nos últimos anos, da qual a operação “Strade Sicure” é apenas a primeira etapa. E a guerra nas cidades é, em primeiro lugar, guerra contra a classe operária, para submetê-la ao domínio dos governos e dos patrões.

Eis, portanto, que a contestação das cerimônias oficiais do 4 de novembro fornece ao movimento como um todo a ocasião para dar um passo adiante, sob o impulso da crítica antimilitarista, rumo à abertura de um processo de transformação social, sem enclausurar o movimento que recentemente se desenvolveu na perspectiva mesquinha de uma lista eleitoral para 2027.

Tiziano Antonelli

Fonte: https://umanitanova.org/4-novembre-disertiamo-tutte-le-guerre/

Tradução > Liberto

Nota:

No dia 4 de novembro, a Itália celebra o Dia da Unidade Nacional e das Forças Armadas. A data comemora o fim da Primeira Guerra Mundial. As celebrações incluem eventos cívicos e cerimônias militares, como a principal em Roma no Altar da Pátria, com a presença do presidente italiano e o depósito de uma coroa de flores no Túmulo do Soldado Desconhecido.

agência de notícias anarquistas-ana

A mesma paisagem
escuta o canto e assiste
a morte das cigarras

Matsuo Bashô

Palestina: Kyriakos Xymitiris, presente!

Um ano após a perda de nosso amigo e camarada, o guerrilheiro anarquista Kyriakos Xymitiris, queremos manter viva sua memória revolucionária e expressar nossa solidariedade com as companheiras anarquistas presas Marianna Manoura, Dimitra Zarafeta e os demais perseguidos no mesmo caso.

A ação revolucionária de Kyriakos esteve sempre ao lado das pessoas oprimidas e condenadas pelo estado e pelo capital, assim como daquelas que resistem à lógica do sistema patriarcal, do racismo e do colonialismo.

Com nossos pensamentos voltados a ele, pintamos estencils de seu rosto junto aos nomes de Marianna e Dimitra no muro do apartheid: um muro que mina e ameaça as vidas dos palestinos, e que, ao mesmo tempo, revela os sinais da resistência, os sinais do fogo e carrega os gritos por um mundo livre entre os rostos de tantos que deram suas vidas pela justiça. É ali que está o sorriso de Kyriakos, olhando para nós.

Chegará o momento em que todos os muros cairão! Todas as pessoas serão livres!

Solidariedade internacionalista com os perseguidos do caso Ampelokipi!

Kyriakos Xymitiris, presente!

Todos e todas à marcha pan-helênica de memória e luta: 31/10/25, às 18h30, nos Propileus de Atenas.

A n a r q u i s t a s

Fonte: https://athens.indymedia.org/post/1638192/

Tradução > Contrafatual

Conteúdo relacionado:

https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2025/10/30/grecia-tres-dias-de-memoria-e-luta-pelo-companheiro-kyriakos-xymitiris-e-pela-causa-de-ampelokipoi/

agência de notícias anarquistas-ana

Greve na fábrica:
as máquinas paradas
sonham com selvas.

Liberto Herrera

[Espanha] SAC Syndikalisterna: “A ideia generalizada é que a Suécia é um país com direitos sindicais consolidados. No entanto, a realidade é muito diferente, especialmente para as trabalhadoras migrantes”

Agnes, David e Pamela são companheiros da SAC Syndikalisterna, uma organização anarcossindicalista com sede em Estocolmo com a qual a CGT mantém uma relação muito importante há anos. Alguns dias atrás, eles viajaram até Barcelona por ocasião de um encontro sindical organizado pela Federação de Hotelaria e Comércio da CGT. Lá foi apresentado o livro “Algo Aconteceu. Cem histórias do novo mercado de trabalho”, uma coletânea de depoimentos reais de trabalhadores migrantes sobre suas experiências laborais nesse território escandinavo. Antes de retornar a Estocolmo, decidiram passar pela sede confederal em Madrid. Aproveitamos a oportunidade para fazer-lhes algumas perguntas sobre seu trabalho e sobre a situação da classe trabalhadora na Suécia, especialmente daqueles que migram para lá com a esperança de ter uma oportunidade de construir um futuro melhor.

Na Suécia, como nos diz Agnes, o idioma é uma barreira. Por isso, a SAC tem se preocupado muito em editar todas as informações relevantes sobre direitos trabalhistas em vários idiomas. “Por experiência, já que cheguei à Suécia há mais de quinze anos, sei o que isso significa. Se uma pessoa migrante começa a trabalhar e não conhece o marco legal do país, ela fica exposta a sofrer abusos desde o primeiro momento”, explica Paola. “Além disso”, acrescenta Agnes, “as políticas do Estado sueco não estão focadas nas pessoas migrantes que chegam para ganhar a vida. É habitual que ocorram situações de exploração extrema que, apesar de serem levadas ao conhecimento das autoridades, não têm solução e quem sai perdendo é o trabalhador ou a trabalhadora estrangeira”.

E a sociedade sueca, de um modo geral, tem um grande desconhecimento das situações que muitas pessoas trabalhadoras, especialmente as de origem estrangeira, vivem em seus locais de trabalho. A SAC, em concreto, considera que seria muito necessário abrir um debate sobre isso na sociedade, embora isso ainda não tenha acontecido ou as condições adequadas para que se realize com verdadeira intenção de analisar os problemas e buscar soluções para eles ainda não tenham sido dadas.

Por tudo isso é que o trabalho do grupo de trabalho da SAC, do qual Agnes, David e Pamela fazem parte, é necessário. “Realizamos um acompanhamento de verdade. Ajudamos a entender a situação em que uma pessoa trabalhadora pode se encontrar em um país que não é o seu, com outras leis e outros direitos, com uma burocracia em outro idioma”, diz Agnes. Parte desse trabalho é gerenciar os casos de abusos trabalhistas, que são mais comuns do que as pessoas imaginam. “Na maioria das vezes, são denúncias de não pagamento do salário por parte do empregador”, comenta David. “Nos reunimos e vamos até a porta da empresa e realizamos uma concentração para pressionar e conseguir que ela pague o salário ao trabalhador. Às vezes avisamos a mídia, embora eles só venham quando querem”.

O que David nos explica é um exemplo de “ação direta”, embora na Suécia não seja necessário avisar as autoridades para realizar uma concentração espontânea dessas características. Este é um dos princípios da SAC, recolhidos em uma declaração aprovada em 2022 em seu 33º Congresso. Para a SAC, as pessoas têm que se envolver diretamente nos problemas que as afetam e tomar decisões por si mesmas na busca de soluções. É o que na CGT resumiríamos em “Se ninguém trabalha por você, que ninguém decida por você”. E apesar da pouca repercussão que na maioria dos casos essas ações têm na mídia, eles consideram que são fundamentais como método de pressão. Nesse sentido, perguntamos sobre o papel que a imprensa desempenha quando se trata de dar a conhecer situações de abusos trabalhistas. Agnes explica que a mídia, em geral, “evoluiu — para o bem — na Suécia, no que diz respeito a dar cobertura a essas histórias”. E ela cita o exemplo, recolhido no livro que apresentam, de uma trabalhadora migrante chamada Idania. A moça havia começado a trabalhar como faxineira na casa de um ministro, através de uma empresa de serviços de limpeza doméstica. Um dia, um alarme da casa fez com que a polícia chegasse à residência. Lá encontraram Idania, que foi detida e transferida para um centro para migrantes. Tanto o ministro quanto a empresa para a qual Idania trabalhava divulgaram na mídia que a mulher havia sido contratada por um subcontratado, para não assumir a realidade de que todos conheciam a situação da mulher. A SAC consegue, através dos tribunais, que Idania receba o salário que lhe era devido. No entanto, ela é expulsa do país.

“A classe política sabe perfeitamente em que condições estão muitas pessoas indocumentadas na Suécia, e também a classe empresarial. É um sistema que os beneficia, mesmo sabendo da dor, da insegurança, da precariedade e da exploração sobre as quais se sustenta”, explicam Agnes e David. “Por isso sempre enfatizamos, para as pessoas que se unem a nós e chegam novas, e para as que já militam há tempo, que a única maneira de reverter ou, pelo menos, de enfrentar esses abusos é nos organizando como trabalhadores e trabalhadoras”, acrescenta Pamela. Além disso, nossos companheiros estão convencidos de que a militância, uma vez que a pessoa em questão foi protagonista de um caso de abuso trabalhista, é o que motiva, por sua vez, mais gente. É, sem dúvida, uma maneira de se integrar na sociedade em um país onde o idioma, como nos explicaram no início, é uma barreira a ser considerada.

Queremos saber mais sobre a burocracia administrativa na Suécia em relação às pessoas trabalhadoras migrantes. Agnes nos diz que os primeiros dois anos desde que uma pessoa chega à Suécia ela pode trabalhar em um emprego específico, que é precário e sem garantias de quase absolutamente nada. Cria estresse, cansaço físico — como no caso de Idania, que trabalhava o dobro de horas e recebia um salário pela metade delas. “Isso afunda moralmente um ser humano, faz com que ele se sinta totalmente sozinho e perdido”. E existe “asilo político”? As companheiras da SAC explicam que é muito complicado, para não dizer impossível, conseguir ser aceito com essa consideração na Suécia. Na prática, não existe como tal. “Há algum tempo não era tão complicado, nem as condições eram tão estritas, e uma pessoa migrante podia passar de ter asilo político a uma permissão de trabalho com condições laborais mais dignas. Agora não é assim, e de fato o governo até pretende retirar a permissão de residência permanente, chegando a retirar a nacionalidade”. Atualmente, o primeiro-ministro da Suécia — que como Estado é uma monarquia parlamentar — é Ulf Kristersson (1963), que pertence ao Partido Moderado (Os Moderados), de tendência neoliberal e conservadora.

A realidade das pessoas migrantes na Suécia, como podemos comprovar enquanto escutamos as companheiras da SAC, é quase a mesma que enfrentam todos os migrantes em muitos outros Estados do chamado “primeiro mundo”. As pessoas que chegam aos nossos territórios, algo que no Estado espanhol conhecemos muito bem através da Fronteira Sul, o fazem com o objetivo de poder ter uma oportunidade de uma vida mais digna. Sobreviver não é um crime, explorar e se aproveitar da vulnerabilidade desses seres humanos, sim. No entanto, é raro o dia em que não tomamos conhecimento de algum caso de exploração laboral ou da morte de algum trabalhador que, em condições de total desamparo, sofreu um acidente enquanto ganhava a vida. Na Suécia, nos explica David, “os empresários, aproveitando as regras do jogo do sistema, são inclusive os primeiros que chamam os ‘serviços’ de imigração quando querem se livrar de uma pessoa trabalhadora de origem migrante. Eles fazem isso porque conhecem desde o primeiro momento as circunstâncias desse trabalhador. As pessoas migrantes temem ser expulsas e, diante dessas situações, muitas vezes, demoram mais tempo para se atrever a denunciar ou contar o que lhes acontece”.

Gabinete de Imprensa do Comitê Confederal da CGT / Secretaria de Relações Internacionais da CGT.

Fonte: https://cgt.es/sac-syndikalisterna-la-idea-generalizada-es-que-suecia-es-un-pais-con-derechos-sindicales-consolidados-sin-embargo-la-realidad-es-muy-diferente-especialmente-para-las-trabajadoras-migrant/ 

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Quase escondida
entre a casca e o tronco
teia de aranha.

Rodrigo de Almeida Siqueira

No Equador, o neoliberalismo se impõe pela força

Reportagem • Ana Sofía Armand e Lisbeth Moya González • 23 de outubro, 2025

“Não somos terroristas. Somos milenares”. Assim versa um logo do Aya Huma que circula desde algumas semanas no entorno digital equatoriano.

O Aya Huma é uma figura ancestral que na cosmovisão andina representa guia, sabedoria e fortaleza. No contexto do paro nacional que começou na quinta-feira, 18 de setembro de 2025, toma novos significados.

Aparece com a cara coberta como o fazem os manifestantes para proteger sua identidade e seu rosto das bombas de gás lacrimogêneo. O lema que o acompanha é uma resposta popular à tentativa do governo de Daniel Noboa de criminalizar o protesto e a resistência.

Também denuncia a persistência do racismo estrutural e a exclusão histórica dos povos indígenas, muito mais quando se trata de contextos como este.

“Em cada paro se abre esta caixa de Pandora de ressentimentos, de racismo que existe dentro de diferentes pessoas, assim como também aflora todo o descuido que como governo tem tido com os setores sociais”, descreve Lisbeth Aguilar, advogada kichwa otavalo durante uma entrevista virtual com Ojalá.

O Equador não é um país que tolere ditadores: presidentes como Abdalá Bucaram, Jamil Mahuad ou Lucio Gutiérrez foram derrubados em 1997, 2000 e 2005 respectivamente. E o protesto tem sido fundamental para a derrubada de governos.

Desde a chegada ao poder de Lenin Moreno, ocorreram três paros nacionais: o primeiro em outubro de 2019 durou quase duas semanas e deixou um saldo de ao menos 12 mortos. Conseguiu a revogação do Decreto 883 que eliminava o subsídio aos combustíveis. O segundo aconteceu em junho de 2022 e deixou ao menos sete vítimas letais. Buscava também revogar aumentos de preços nos combustíveis, assim como a revisão de políticas econômicas e de segurança.

O terceiro paro nacional neste ciclo de mobilização foi convocado pela Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) e começou em 22 de setembro de 2025 em rechaço às políticas do governo de Daniel Noboa, particularmente pela eliminação do subsídio ao diesel, entre outras.

O paro nacional no Equador acaba de ser suspenso em 22 de outubro, um mês depois de que começou.

“Ante a brutal repressão ordenada pelo Governo de #DanielNoboa, com três falecidos e dezenas de feridos, tomamos uma decisão difícil, mas necessária: a suspensão do #ParoNacional2025, a desobstrução das vias e a retirada para os territórios para proteger a vida de nosso povo”, afirmou a CONAIE em comunicado oficial.

Não obstante, algumas organizações indígenas, entre elas a União de Organizações Indígenas e Camponesas de Cotacachi (UNORCAC) desconhecem essa decisão e continuam em resistência.

A crise no Equador não cessou desde a posse presidencial de Daniel Noboa, que começou com uma escalada de violência do crime organizado em que declarou conflito interno armado e foi marcada pela crise energética. 

Os protestos do paro nacional se desenvolveram em todo o país, com epicentros, sobretudo em Imbabura, Cotopaxi, Pichincha e Cuenca, onde se registraram bloqueios, marchas e enfrentamentos com as forças da ordem.

Como foi o mês de paro no Equador?

A plataforma de monitoramento de violências durante o paro nacional Persecución Ecuador reporta que, até 18 de outubro de 2025, o dia 27 do paro, tinham se registrado 117 casos de repressão, entre eles três supostas execuções extrajudiciais, 38 lesões e 57 eventos de detenções.

A repressão estatal adotou múltiplas formas, entre elas: o assédio financeiro mediante o bloqueio de contas de líderes sociais, os ataques a jornalistas durante coberturas informativas, o bloqueio de sinal de Internet durante episódios de violência estatal e a deportação de um jornalista estrangeiro.

Aconteceram também detenções arbitrárias e diversas formas de uso excessivo da força, como disparos de bala e emprego de gás lacrimogêneo em grandes quantidades causando a morte de uma pessoa da terceira idade por sua inalação e afetando cidadãos não envolvidos no paro.

Outras das formas em que se manifesta a criminalização é a intimidação e fechamento de meios de comunicação, a entrada em centros médicos para impedir o atendimento dos feridos, e a militarização da Universidade Central do Equador (UCE).

O mapeamento da resistência informa que até 15 de outubro de 2025, contabilizou 547 ações coletivas, entre elas se contam vigílias, ações simbólicas, marchas, fechamento de vias, plantões, assembleias e panelaços.

Neste contexto, a violência dos corpos do Estado foi inegável. Circula no entorno digital, por exemplo, o vídeo do assassinato do comuneiro de Cotacachi, Efraín Fuérez, no qual os militares armados o golpeiam já ferido de morte no chão a ele e a um companheiro que foi socorrê-lo.

Resistências diversas

O paro teve a particularidade de se manter principalmente em territórios indígenas. Quito, a capital, se manteve parcialmente periférica, como expressa Jess Caiza, estudante da UCE.

“A resistência em território demonstrou que Quito não tem poder de convocatória, e o mais importante é que evidenciaram o racismo ainda muito presente, pelo que não pudemos manter o paro desde nosso lugar: a cidade”, explica Caiza na proximidade da UCE pouco antes de acompanhar seus companheiros no protesto.

Na noite de 15 de outubro, a UCE foi tomada por militares, violando a autonomia universitária. Ainda assim, os estudantes continuaram sua jornada de manifestações no dia seguinte.

O frio é constante em Quito. Chove e o gás lacrimogêneo afeta mais. Durante o último mês, nas esquinas se viam rapazes muito jovens assoprando tabaco na cara do compa gaseado para aguentar a dor. Não se distinguia entre a neblina e o gás, mas a ação estudantil persistiu.

“Realizamos vários plantões na Plaza Indoamérica, em frente à Universidade; esses plantões nos permitiram fechar as ruas e manter as vias bloqueadas durante horas, sempre desde a música e as expressões artísticas”, diz Caiza. “Também organizamos ações culturais, panelas comunitárias e espaços infantis”.

“El que no salta es de cartón” (Quem não pula é de papelão), o verso da banda equatoriana Mugre Sur que esteve presente nos protestos do paro nacional. A canção é uma crítica frontal à gestão de Daniel Noboa e uma piada ao uso de figuras de papelão em tamanho real durante sua campanha presidencial.

Os artistas teceram redes de manutenção do protesto mediante o uso da arte na rua como ferramenta de denuncia e sensibilização. Mas esta luta é anterior a setembro de 2025.

“Quando Daniel Noboa uniu os ministérios de Educação, Cultura e Patrimônio e Esporte, com o decreto Número 60, nós artistas atuamos em nosso papel de sair às ruas e realizar diversas ações para expressar nosso rechaço a uma medida que precariza ainda mais nossos meios de vida”, explica a Ojalá, sob o pseudônimo de Minotauro, uma artista que pela perseguição estatal decidiu permanecer no anonimato.

Nossa fonte explicou que diferentes artistas se articularam com as comunidades e em especial com a UNORCAC. Acolhem também as lutas dos que defendem seus territórios de projetos mineradores auspiciados pelo governo em Imbabura, Las Naves, Palo Quemado, Quimsacocha e Fierro Urco.

Assembleias transfeministas de cara ao estado

As redes de apoio desde a sociedade civil abarcaram setores em luta permanente, incluindo a Assembleia Transfeminista. Ojalá conversou com diversos membros de dita organização, que manteve a coleta e a entrega de doações em aliança com lideranças de várias comunas de Imbabura e em coordenação com centros culturais, organizações e cidadãos que colaboraram com provisões e transporte.

“Esta coleta busca romper as lógicas assistencialistas e reativar a solidariedade de classe, compreendendo o cuidado como um princípio na construção ampla da luta”, explicam companheiras da Assembleia Transfeminista. Estiveram pondo o corpo nas ruas, pelo que puderam falar de forma anônima e coletiva.

O papel da Assembleia Transfeminista vai mais além do apoio logístico, o protesto e a contenção. Gerou alianças em Quito para manter assembleias a cada quinta-feira junto a outras organizações, no contexto da dissolução de ministérios e os retrocessos do governo.

Nestes espaços é livre o uso da palavra, buscam-se soluções coletivas a tensões sociais e articula-se o protesto para manter processos coletivos em longo prazo.

Enquanto o governo de Noboa se fecha ao diálogo, criminaliza e reprime com bala diversos setores — indígenas, feministas, estudantes, artistas e sociedade civil em geral —, estes continuam articulando ações coletivas que buscam visibilizar suas demandas e manter os espaços de ação em todo o país.

O clima político dos próximos meses permitirá observar se estas formas de coordenação e resistência, além do paro nacional, conseguem incidir na agenda política nacional ou abrir novos caminhos de diálogo entre a sociedade civil e o Estado.

Em meio de tanta dor também emerge a beleza: mulheres indígenas enfrentando o militar armado, estudantes cuidando do companheiro do gás, pessoas entregando alimentos cultivados com suas mãos na chácara, curando os feridos com medicinas ancestrais, comuneiros que cantam e sapateiam em círculo em meio da manifestação como se do Inti Raymi — a festa mais importante da cosmovisão andina — se tratasse. Isso foi o paro, um canto coletivo de resistência à dor.

Fonte: https://www.ojala.mx/es/ojala-es/en-Ecuador-el-neoliberalismo-se-impone-por-la-força

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

folia na sala
no vaso com flores
três borboletas

Alonso Alvarez

[Grécia] Adeus, Christaras

Todas as noites passam como um filme, onde tudo o que vivemos é projetado no pano de fundo da praça. Todas as noites que passo aqui, sempre vou embora antes de ficarmos a sós, nunca assisto ao final.

Terça-feira, 7 de outubro. Mais uma notícia triste, mais um dia que nos deixa congelados. Nosso camarada, nosso Christaras, nosso XR, nosso eterno combatente das ruas, partiu para sempre.

O camarada Christos Spilios, figura nascida da juventude metropolitana e do movimento anarquista em ascensão, esteve desde 1990 do lado justo das barricadas. Participou continuamente e com todo o seu ser em todas as formas de luta: da solidariedade com os presos políticos, quase sempre era Christaras quem “dava o pontapé inicial na paixão”, e em tantas fotos de camaradas acorrentados lembramos de seu punho erguido acompanhando seus sorrisos, do antifascismo militante e de rua, das lutas por sua amada Exarchia, até as mobilizações contra a guerra. Nos últimos dois anos, o keffiyeh palestino havia se tornado parte inseparável de seu corpo.

Christos sempre esteve aqui, com sua loucura, com seu sorriso, e até com seus demônios, que ele sempre driblava.

Christos sempre esteve aqui para bater no ombro de cada camarada quando era preciso.

Nosso Christaras, que a cada novembro iniciava a evocação de nossos camaradas mortos e gritava “Presente!”

Então, nosso Christaras, neste novembro, na sua esquina favorita, entre Stournaris e Bouboulinas, gritaremos com paixão:

CHRISTOS SPILIOS SEMPRE PRESENTE!

Fundo de Solidariedade aos Lutadores Presos e Perseguidos

Fonte: https://athens.indymedia.org/post/1637928/

Tradução > Contrafatual

agência de notícias anarquistas-ana

No clube burguês,
o champanhe tem gosto
de suor alheio.

Liberto Herrera

O Santo do Pau Oco