As seis militantes da CNT, conhecidas como “as 6 da Suíça”, condenadas por uma ação sindical em Gijón que remonta a 2017, acabam de ingressar em uma prisão nas Astúrias. Na última quarta-feira, 9 de julho, receberam a ordem de cumprimento da pena de três anos e meio.
Após um processo judicial que se estendeu por mais de oito anos e milhares de mobilizações em seu apoio, as “seis da Suíça” finalmente entraram na prisão para cumprir uma sentença de três anos e meio por crimes de coação grave e outro contra a administração da Justiça. O Juizado Penal 1 de Gijón decretou a prisão sem aguardar a resolução do pedido de indulto ou a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, onde foi apresentado um recurso para revisão do caso.
O sindicato CNT convocou uma nova mobilização nacional em apoio às sindicalistas, cujo único “crime” foi se mobilizar em defesa de uma trabalhadora em Gijón. A CNT de Burgos fez um chamado para participar do ato em apoio às “6 da Suíça”, que acontecerá na próxima terça-feira, 15 de julho, a partir das 20h, na Praça do Cid.
A Cúpula da OTAN de 2025 ocorreu no Fórum Mundial de Haia, Holanda, de 24 a 26 de junho. Enquanto a máquina de guerra reúne milhares de delegados de seus 32 estados-membros para orquestrar a próxima grande onda de expansão militar, não devemos enfrentá-la com silêncio. Devemos erguer uma bandeira de desafio e resistência.
A OTAN não existe para nos proteger. Serve aos interesses de Estados, corporações e alguns poucos oligarcas às custas da maioria. O Estado, a OTAN ou qualquer outra aliança militar multinacional não nos traz segurança – traz controle, buscando apenas nossa obediência, conformidade e capitulação. Seja na violência policial endêmica em nossas comunidades, nos campos de batalha ensanguentados da Ucrânia ou nos oceanos de escombros em Gaza, temos um único inimigo: o capitalismo e o Estado.
Desde sua criação em 1947, a OTAN só agiu como executora da violência imperialista, ferramenta de repressão e motor de guerra. Não é protetora da paz. É nosso inimigo de classe e uma ameaça direta à vida e ao bem-estar de cada umx de nós. Nossa luta não é entre nações – é entre a classe dominante e todxs xs que resistimos. Isso permanece verdadeiro mesmo diante das realidades brutais da guerra.
Sob o pretexto da segurança europeia e nacional, os governos da OTAN investem bilhões em orçamentos militares enquanto cortam serviços sociais vitais. Enquanto constroem exércitos, nos deixam lutar pela sobrevivência básica. Impõem austeridade enquanto acumulam recursos para a guerra. Constroem exércitos enquanto nós lutamos por saúde, moradia e dignidade básica.
Vemos diariamente como recrutam a próxima geração e a preparam para empunhar armas: desprovidx de oportunidades, elxs não veem outra opção além de alistar-se como carne de canhão em conflitos que não criaram, vendidx à ideia de aventura, fraternidade e patriotismo. Quando voltam, mutiladxs e destroçadxs, são descartadxs – úteis apenas como símbolos em desfiles vazios. Alguns poucos agrupadxs exibem propaganda interminável.
Convocamos xs anarquistas, antiautoritárixs e todxs xs que se opõem à guerra a reunirem-se, organizarem-se e resistirem ao militarismo. A OTAN e seus senhores da guerra se reunirão, mas nós também. Tomaremos as ruas. Interromperemos suas demonstrações de poder. Forjaremos redes de solidariedade e nos oporemos diretamente às suas guerras, sua polícia militarizada e à repressão de nossos movimentos.
Xs anarquistas lutamos por um mundo sem fronteiras, sem Estados e sem os exércitos que sustentam seu domínio. Chamamos à solidariedade internacional contra a OTAN e toda manifestação de opressão militarizada – seja a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), a Força Escudo Peninsular (FEP), a Aliança dos Estados do Sahel (AES), o Plano Rearmar Europa 2030 ou qualquer outro pacto ou exército da chamada “segurança coletiva”. Sob qualquer nome, servem ao mesmo propósito: manter a dominação pela força, perpetuando o sofrimento mundial.
As armas que hoje usam para assegurar recursos, amanhã se voltarão contra nós.
Convocamos todxs xs anarquistas, antiautoritárixs e antimilitaristas a agirem nestes dias em Haia e em todo o mundo em solidariedade internacional. Que os detalhes de nossos planos cresçam juntos. Vamos nos organizar e preparar nossas ações juntxs – e juntxs faremos saber: Rejeitamos as falsas escolhas do nacionalismo. Rejeitamos a ideia falsa de que a OTAN existe para proteger. Rejeitamos a brutalidade de seu militarismo e as doutrinas marciais de guerra. Rejeitamos suas propostas orçamentárias que esfomearão os cofres da classe trabalhadora. Apoiamos as vítimas e xs desertorxs de todas as guerras.
Nem guerra entre povos, nem paz entre classes. AGIR.
Comissão de Relações da Internacional de Federações Anarquistas (IFA) – Marselha, 22 e 23 de março de 2025
Ainda seguindo a ponderação enunciada no penúltimo parágrafo – de que o desenvolvimento de situações de autonomia absoluta em relação às forças dominantes seja, provavelmente, inviável -, dois temas associados emergem demandando elucidação a respeito de coerente posicionamento possível em relação a eles. São: a questão da relação entre as redes comunitaristas ácratas e as demandas ‘políticas’ (institucionalizadas ou não) das sociedades, e a questão da sua relação com os tipos de regimes e/ou sistemas políticos e/ou econômicos.
Com relação à primeira questão, parecendo evidente que as redes não poderão escapar sempre e/ou completamente das consequências de ‘políticas’ adotadas pela/os de cima sobre as sociedades em que se inserem – e mesmo que pudessem, sendo libertárias, não seria desejável eximir-se da atitude de empatia e solidariedade devidas em relação às possíveis consequências de tais ações políticas sobre a/os de baixo -, a conclusão para a qual se aponta é a de que as redes precisarão encontrar formas de intervir sobre estes processos. Tais formas de intervenção, porém, sendo an (não) anarquistas (governistas), para serem coerentes, não podem, obviamente, serem formas do tipo integração em – e/ou colaboração/apoio com/a – organizações e/ou grupos/indivíduos partidárias e/ou eleitorais. A história dos movimentos anarquistas está plena de lições sobre formas de intervenção sobre os rumos tomados pelas instituições econômicas/políticas formais, sem que para isto se faça concessões espúrias com relação aos princípios ácratas. Classicamente, p.ex., tem-se as manifestações, as greves e os boicotes vinculados à chamada ‘luta de classes’ – ou, pelos interesses da classe trabalhadora – e o lócus apropriado da luta libertária neste campo é o sindicalismo auto gestionário: porém, no contexto de uma arrastada e pouco profícua tentativa de reerguimento do sindicalismo auto gestionário em nível internacional, bem como da emergência do fenômeno da precarização universal do trabalho – como se caracteriza o cenário enfrentado pelo anarco sindicalismo neste momento histórico, pode-se vislumbrar possibilidades de que as redes, adicionalmente, contribuam para a geração de organizações de trabalhadora/es precarizada/os – visto que, como já foi desenvolvido anteriormente, esta/es seriam provavelmente os grupos mais atraídos pelas ‘saídas’ de sobrevivência possibilitadas pela tática (sugere-se aqui uma “Internacional da/os Deserdada/os” – I.D. -, que incluiria também populações de ‘vagabunda/os’) -, ao passo que, pontualmente, possam também promover informalmente intervenções e polemizações “ad hoc” (momentâneas) em eventos e discussões promovidos por organizações sindicais hierárquicas, centralistas e burocráticas (aqui, o cuidado para não serem atraídas pelo ‘campo gravitacional’ da/os autoritária/os, tornando-se assim ‘manobradas’ por esta/es ‘raposas’, deve ser investido de atenção redobrada: por isto a manutenção do distanciamento na relação, pela forma de intervenções ‘ad hoc’, rejeitando qualquer estabilização e/ou formalização das relações), com o fito de, desse modo, levar a/os trabalhadora/es ali arregimentada/os a tomarem conhecimento sobre as análises libertárias em relação aos temas que lhes mobilizam no momento.
Continuando nesta linha, por outro lado, ainda em relação à primeira das questões colocadas no parágrafo anterior a este acima (sobre a relação entre as redes comunitaristas ácratas e as demandas ‘políticas’ – institucionalizadas ou não – das sociedades), no que concerne a temas de lutas mais recentes historicamente, tais como, p.ex., as chamadas lutas de ‘minorias’ (negros, LGBT+, comunidades tradicionais etc.), as redes poderão criar fóruns próprios de discussões e intervenções sobre estes temas e lutas, obviamente, para tratá-los segundo uma perspectiva ácrata, ao passo que, pontualmente, possam também promover informalmente intervenções e polemizações “ad hoc” (momentâneas) em eventos e discussões promovidos por organizações de movimentos sociais hierárquicos, centralistas e burocráticos (mais uma vez, aqui, o cuidado para não serem atraídas pelo ‘campo gravitacional’ da/os autoritária/os, tornando-se assim ‘manobradas’ por esta/es ‘raposas’, deve ser investido de atenção redobrada: por isto a manutenção do distanciamento na relação, pela forma de intervenções ‘ad hoc’, rejeitando qualquer estabilização e/ou formalização das relações), com o fito de, desse modo, levar as ‘minorias’ ali arregimentada/os a tomarem conhecimento sobre as análises libertárias em relação aos temas que lhes mobilizam no momento. Assim como classicamente tem-se as manifestações, as greves e os boicotes vinculadas à chamada ‘luta de classes’ como formas de intervenções libertárias sobre os rumos tomados pelas instituições econômicas/políticas formais sem que para isto se faça concessões espúrias com relação aos princípios ácratas, no que concerne a estas temáticas de lutas mais recentes historicamente (as chamadas lutas de ‘minorias’), experiências de expressões libertárias contemporâneas – tais como a do Movimento Anarco Punk em nível internacional, p.ex. – têm demonstrado a perfeita viabilidade de modos de ação e objetivos fundamentalmente distintos em relação àqueles das organizações e movimentos de cariz hierárquico/autoritário associadas a estas temáticas de lutas: estas, normalmente, se pautam por lutas que visam, em última instância, a legitimação dos sistemas hierárquicos ditos ‘democráticos’, demandando uma maior abertura destes para a ‘inclusão’ das suas ‘minorias’ em suas estruturas formais e/ou informais, enquanto que, por outro lado, experiências como as de campanhas internacionais de lutas anti racismo, anti homofobia, anti machismo, anti fascismo etc., desenvolvidas pelo M.A.P. ao redor do mundo, têm se pautado, de forma diversa – e divergente -, não pela proposição de criação de dispositivos de ‘inclusões’, de ‘punições’ e/ou de estabelecimento de ‘programas governamentais’ (orientações ‘de luta’ estas que, ao fim e ao cabo, têm desempenhado o papel de retroalimentar e perenizar o sistema pela produção de ‘novas elites’ administrativas e/ou nichos de consumidores oriundos das poucas parcelas das ‘minorias’ que são ‘pinçadas’ como ‘vitrine’ para a promoção da sua imagem de ‘democrático’ e ‘includente’ – enquanto a grande maioria permanece subordinada aos mecanismos de dominação e exploração discriminatórias de sempre) mas, opostamente, (as campanhas do M.A.P. têm se pautado) pela promoção de processos de reflexões coletivas desconstrutoras de culturas de dominação/hierarquia entre a/os de baixo, assim como pela construção de redes de potencialização das capacidades dos ditos grupos ‘minoritários’ de se auto afirmarem em sentido autônomo. Eis aqui formas de intervenções an (não) arquistas (governistas) coerentes, no que se refere às modalidades de lutas sociais em pauta.
Trecho do “Manifesto Anarquista Ácrata”, de autoria de Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira.
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Em 10 de julho de 2025, Las 6 de La Suiza foram presas. Seis sindicalistas por fazer sindicalismo. Estão presas por defenderem os direitos trabalhistas. Por praticarem a solidariedade entre trabalhadores e trabalhadoras: em outras palavras, a atividade sindical está sendo condenada em seu aspecto mais essencial: a implementação da defesa de nossos interesses como classe trabalhadora.
Esse tremendo ataque à liberdade sindical não é um caso isolado. Faz parte de uma tendência repressiva contra o sindicalismo que incomoda, que não cede e se levanta, como aconteceu recentemente com as 23 pessoas presas na Greve metalúrgica de Cádiz.
Vimos no Caso La Suiza como o capital emprega seu poder em toda a sua extensão: abuso e atropelamento dos direitos de uma trabalhadora, assédio policial e perseguição judicial. Não somos mais enganados pelo ardil da “separação de poderes”. Aqui, a classe dominante concentra o poder em todas as suas esferas. Não nos esqueçamos de que o juiz Lino Rubio Mayo compra palavra por palavra a versão empresarial e ignora a dimensão trabalhista, social e de gênero que motivou o conflito. Da mesma forma, ele ignora o fato de que a confeitaria estava à venda antes do início do conflito. Um século atrás, eles teriam aplicado a Lei dos Fugitivos e nos jogado em uma vala.
Que eles não falem conosco sobre justiça. A prisão de Las 6 de La Suiza é uma punição exemplar para semear o medo entre aqueles que lutam. Eles estão tentando reduzir a ação sindical a uma mera reclamação. Mas não conseguirão. Hoje as 6 de La Suiza vão para a prisão, mas não estão sozinhas: elas têm o apoio de milhares de trabalhadores e trabalhadoras que saíram às ruas, que levantaram suas vozes, que entendem que esse caso pertence a todos e todas. Mas, acima de tudo, elas entendem que sindicalismo é dignidade, que praticar a solidariedade entre os trabalhadores e trabalhadoras é a única justiça que podemos esperar em um sistema que prende sindicalistas, infiltra-se em movimentos sociais e prende dezenas de grevistas.
A CNT esteve, está e estará ao lado de cada companheira perseguida por lutar. Desde o primeiro dia, o sindicato apoiou sua defesa legal e deu suporte político, emocional e econômico, porque nenhuma prisão ou sentença pode nos fazer abandonar nossas companheiras. Continuaremos a lutar pela liberdade das 6 de La Suiza, o que significa lutar pela liberdade sindical. E faremos isso até o fim, nos tribunais, nas ruas e na consciência deste país. E, acima de tudo, continuaremos a lutar em todos os locais de trabalho.
Porque somos mais do que seis. Somos milhares. Somos todas. LIBERDADE IMEDIATA PARA LAS 6 DE LA SUIZA!
Eis que se inicia o cumprimento da pena de reclusão das 6 de La Suiza. Essa condenação das sindicalistas não é um “erro judicial” ou excesso pontual. É a expressão nua da lógica do Estado-Capital: uma engrenagem projetada para esmagar quem ousa organizar-se contra a exploração. Quando trabalhadoras combativas são encarceradas por defenderem direitos básicos, enquanto fascistas desfilam impunes, revela-se o verdadeiro rosto da “justiça de classe”. O sistema não tolera ameaças à sua ordem — seja nas fábricas de Myanmar ou nas ruas de Xixón. A prisão é a resposta previsível de um regime que protege propriedade, não pessoas; lucro, não vida.
Esperar clemência do Estado — como o indulto em análise — é alimentar a mesma ilusão que sustenta o reformismo. O Capital jamais concede liberdade; apenas gerencia sua dosagem para evitar rebeliões. No contexto espanhol, a chamada “Lei da Mordaça”, mantida até por “governos progressistas”, comprova: o aparato estatal existe para criminalizar a dissidência e blindar as elites. Pedir gentileza aos carcereiros é negar que as cadeias foram construídas justamente para nos trancar. O anarquismo sabe: não há diálogo possível com quem lucra com nossas algemas.
A solução não está na súplica, mas na radicalização da luta. Se o Estado responde com prisões a greves e piquetes, nossa resposta deve ser multiplicar ações diretas, redes de apoio mútuo e greves selvagens. As vitórias, mesmo que pequenas, que vemos conquistadas por pressão externa e organização horizontal, mostram o caminho: só a combatividade fere o Capital. Paralisar produção, boicotar marcas, ocupar espaços e expor seus crimes são armas que ferem onde eles doem: no bolso e no controle.
Superar o Capital e o Estado exige construir outro mundo aqui e agora. Cada família apoiada após um terremoto, cada produto menstrual distribuído, cada manifestante protegido da repressão são atos de autogestão que corroem a necessidade do opressor. As 6 de La Suiza não precisam de piedade; precisam que transformemos sua cela em símbolo de insurreição global. Enquanto houver um preso político, nossa luta é por derrubar os muros das prisões — e os do sistema que as ergueu.
Sua visão revolucionária convincente e realista mostra as condições prévias para um mundo liberado
~ John P. Clark ~
Élisée Reclus (1830-1905) foi um dos geógrafos mais destacados de seu tempo, uma figura importante do pensamento político anarquista e um revolucionário por toda a vida que desempenhou um papel ativo na Comuna de Paris e na Primeira Internacional. Para um pensador político do século XIX, seu compromisso permanente não apenas com a revolução social, mas também com a ecologia radical, o antipatriarcado e a igualdade da mulher, o antirracismo e o anticolonialismo, o antiespecismo e o bem-estar animal era extraordinário.
Reclus é famoso principalmente por sua Nouvelle Géographie Universelle, uma obra colossal de vinte volumes e dezoito mil páginas, considerada o maior feito individual na história da geografia. Reclus é amplamente reconhecido como o fundador do campo da geografia social. Sua última obra, L’Homme et la Terre, é uma ampla síntese de geografia, história, antropologia, filosofia e teoria social com 35.000 páginas, e constitui sua contribuição mais duradoura ao pensamento moderno. Ela começa com a afirmação de que “a Humanidade é a Natureza tomando consciência de si mesma”, e é uma ampla narrativa de toda a história da humanidade e da Terra, e de um destino planetário comum que se revela através de uma profunda compreensão do grande curso da geohistória.
A história de Reclus sobre a humanidade e a Terra tem duas dimensões. Uma é sua descrição do processo de autorrealização humana em interação dialética com a natureza. Ele mostra como o ambiente natural molda o desenvolvimento humano, ao mesmo tempo que a humanidade contribui para o desdobramento e florescimento do mundo natural. Ele mostra o conteúdo da geohistória como uma dialética entre as forças criativas da liberdade e as forças restritivas da dominação. Sua ideia de que todos os fenômenos da história contêm aspectos progressivos e regressivos, e que cada tendência deve ser analisada cuidadosamente, é um de seus conceitos mais influentes.
Reclus demonstra que o progresso histórico dependeu do crescimento da ajuda mútua (l’entr’aide) e da cooperação social, ideias que influenciaram enormemente seu colega mais jovem Kropotkin. Reclus argumenta que a plena autorrealização da humanidade-na-natureza dependerá de uma revolução social que incorpore as práticas mutualistas em uma sociedade livre, igualitária e anarco-comunista. Além disso, ele sustenta que o destino da Terra dependerá da capacidade da humanidade de estabelecer instituições e práticas sociais que expressem uma profunda preocupação com o mundo natural e com todos os seres vivos do planeta.
O outro lado da narrativa histórico-mundial de Reclus foca na longa história da dominação. Ele faz uma ampla crítica do Estado burocrático centralizado e do capitalismo industrial, mas não considera outras formas de dominação como esferas subordinadas. Ele foi um feminista radical e um veemente inimigo da dominação masculina, e um fervoroso opositor de todas as formas de racismo e da denigração eurocêntrica das culturas indígenas. Foi um dos primeiros críticos da devastação ecológica resultante da industrialização impiedosa e da racionalização tecnológica, e já na década de 1860 denunciou a destruição de florestas milenares. Além disso, foi um incansável defensor do vegetarianismo ético e do tratamento humano aos animais.
Reclus apresenta uma das visões revolucionárias mais convincentes, e possivelmente uma das mais realistas, das condições prévias para um mundo liberado de liberdade e solidariedade. Especificamente, ele analisa cinco níveis de prática social ecológica que devem ser abordados pelo movimento revolucionário.
1. O primeiro nível é a comunidade primária (talvez uma espécie de grupo de afinidade) que é o foco da transformação pessoal, moral e psicológica. Em uma carta de 1895, ele diz que os anarquistas devem “trabalhar para se libertar pessoalmente de todas as ideias preconcebidas ou impostas, e gradualmente reunir ao seu redor amigos que vivam e ajam da mesma maneira. É passo a passo, através de pequenas associações afetuosas e inteligentes, que se formará a grande sociedade fraternal.” Todas essas qualidades (pequena escala, um ethos de amor onipresente e o fomento de uma inteligência ativa e comprometida) são necessárias para que tais associações cumpram sua função transformadora básica. 2. O segundo nível de organização social, e o mais crucial politicamente para Reclus, era a comuna autônoma, que ele descreve em uma carta de 1871 como “ao mesmo tempo o triunfo da República Operária e a inauguração da Federação Comunal”. Ele estava convencido de que uma versão radicalizada das aspirações da Comuna de Paris (uma poderosa realidade no imaginário radical de sua época) deveria ser a principal forma de organização política. A comuna praticaria a democracia direta radical. O poder do povo poderia ser delegado, mas nunca meramente representado ou alienado da base. Para fins mais amplos, a comuna agiria em solidariedade com todas as outras comunas através da livre federação. 3. O terceiro nível chave de organização social para Reclus, inspirado em seus muitos anos de engajamento na luta operária mundial, é o da Internacional dos Trabalhadores, que agiria democraticamente através de suas seções locais. Reclus acreditava que, para triunfar, a revolução deveria reunir as pessoas não apenas como membros da comunidade local, mas também ao nível de toda a humanidade, unida e mobilizada como trabalhadores e produtores. A Internacional também era uma força poderosa no imaginário social radical da época. 4. O quarto nível de associação é a República Universal, que também será uma expressão global dos valores da comunidade humana e da solidariedade. Esta grande República (outra ideia que inspirou os revolucionários da época) deveria basear-se na livre federação de comunas autônomas em todo o planeta e em todos os níveis, do local ao regional, passando pelo mundial. 5. O quinto nível: Reclus reconheceu que nossa comunidade é mais do que humana. Assim, reconheceu um quinto nível de associação, no qual expressamos nossa unidade e solidariedade com a Terra, e nosso senso de responsabilidade por toda a vida na Terra. É o nível de toda a Comunidade da Terra. Neste nível, já existe implicitamente uma unidade global na diversidade, mas devemos ser educados para perceber como nos encaixamos na grande interconexão de todos os seres e agir de acordo.
Reclus foi um revolucionário dedicado e comprometido que trabalhou incansavelmente pela transformação social revolucionária, pelo que sofreu encarceramento em pelo menos catorze prisões diferentes e passou muitos anos no exílio forçado. Era uma pessoa de extraordinária humildade, grande generosidade e amor e compaixão, não apenas por seus semelhantes, mas também por outros seres sencientes. Ele merece o reconhecimento (que nunca teria buscado) como um dos pensadores mais destacados da história do anarquismo. Sua obra sobre geografia social e temas afins, com mais de 25.000 páginas publicadas, é de longe a maior realização na história do pensamento social ecológico.
Confirmaram-se os piores presságios: Lino Rubio Mayo, titular do Juizado Criminal nº 1 de Xixón (Gijón), emitiu ordem de prisão contra as seis sindicalistas de La Suiza para cumprir três anos de prisão. Age assim sabendo que há um pedido de indulto sobre a mesa do Governo, consciente ainda de que materializa uma injustiça manifesta e que lança um verdadeiro torpedo contra o direito da classe trabalhadora de se defender. Nunca acreditamos na justiça espanhola — suas sentenças sempre miram os mesmos. O naftalino de seus armários exala classismo. Enquanto pelas nossas ruas desfilam impunes ultradireitistas de todo tipo cantando bravatas fascistas ou incitando ódio, quem ousa discordar das injustiças acaba na prisão. Seja por cantar um rap crítico à monarquia, por reivindicar empregos em Cádiz, por protestar em Zaragoza contra a ultradireita ou por manifestar-se diante de um estabelecimento em defesa de uma trabalhadora assediada — mesmo com toda a documentação regular do protesto. As elites deste país não toleram qualquer contestação, e esta sentença é prova disso. Lembremos: a desproteção que vive a classe trabalhadora tem base numa infame Lei Mordaça que o “governo mais progressista do mundo” decidiu engolir sem questionar. Não vá uma chinelada no tornozelo da ordem estabelecida incomodar quem realmente governa: fundos abutres, empresários miseráveis, políticos racistas e machistas, juízes de toga carcomida e crucifixo na mesa… etc.
Da CGT, enviamos toda nossa solidariedade a essas seis trabalhadoras que suportam há anos a tortura insuportável imposta pelo juiz Lino Rubio Mayo desde o início deste processo delirante. E um abraço fraterno à CNT e aos grupos de apoio que realizaram um trabalho solidário colossal desde o começo. O Secretariado Permanente da CGT convoca todos nossos sindicatos e militantes a dar visibilidade à campanha pela Liberdade das 6 de La Suiza. Esta reivindicação precisa ecoar, pois o que está em jogo é a liberdade de expressão e a ação sindical. É preciso tornar a solidariedade ainda mais visível, diante da maior agressão ao sindicalismo dos últimos 30 anos.
Mas, mesmo após este golpe, que juízes, empresários e políticos não duvidem nem por um segundo: nos terão pela frente. Querem dividir a classe trabalhadora e atacar os humildes para encher seus bolsos. É o jogo de cartas marcadas do fascismo: dividir a sociedade, punir quem atrapalha sua ganância por um capitalismo predatório e desumano. Para eles, ser da classe trabalhadora, migrante, racializado, diverso, trans, solidário, inquilino, antifascista ou sindicalista é crime. Para nós, motivo de orgulho.
Viva a classe trabalhadora! Um abraço, companheiras de Xixón! Fazer sindicalismo não é crime! Liberdade para as 6 de La Suiza!
Nos últimos meses, conseguimos arrecadar 20.000 euros nesta iniciativa, uma parte significativa dos quais foi contribuída pela Confederação Internacional do Trabalho (CIT). Após receber os primeiros 10.000 euros, a FGWM comprou produtos menstruais e começou a distribuí-los nas fábricas: 5 pacotes para cada uma das 5.000 trabalhadoras. Foi a FGWM que nos apresentou essa ideia inicialmente e pediu à FAU/ICL que a apoiasse.
Quando a arrecadação de fundos já estava em andamento, um forte terremoto atingiu Myanmar. Muitas casas e infraestruturas urbanas foram destruídas. Como resultado, decidimos ampliar a campanha para apoiar adicionalmente 200 famílias afetadas pelo terremoto. O objetivo era atender às suas necessidades imediatas, com baterias externas, lonas e mosquiteiros. Mais uma vez, foi a FGWM que nos disse o que era necessário e para que o dinheiro deveria ser arrecadado.
Estamos cientes da complexidade de enviar dinheiro para companheiros e companheiras no sudeste asiático, pois esse tipo de projeto sempre envolve hierarquias. Ao mesmo tempo, reconhecemos que grande parte da riqueza é acumulada no “Ocidente” graças à exploração de regiões empobrecidas e com salários muito baixos. Portanto, consideramos que temos a clara responsabilidade de organizar essa redistribuição. Mesmo que seja apenas uma pequena parte, tentamos dar um passo na direção certa.
Não fazemos caridade. Apoiamos a luta de nossas companheiras por dignidade. Também organizamos protestos em frente a lojas de marcas cujos produtos são fabricados em Myanmar, como Only, H&M, Zara, Hunkemöller, NewYorker, Lululemon e Adidas. Em casos de conflitos trabalhistas, entramos em contato com a direção das marcas e das fábricas em diferentes níveis. E, ocasionalmente, arrecadamos dinheiro.
Nossas companheiras precisam de apoio para continuar suas lutas. Juntas, já arrecadamos dinheiro para financiar casas seguras, ajudar famílias de quem perdeu o emprego por participar de protestos, pagar tratamentos médicos ou organizar workshops de capacitação para trabalhadores e trabalhadoras. Com nossa última arrecadação, fornecemos produtos menstruais, já que as trabalhadoras não podiam comprá-los e corriam o risco de contrair infecções ao usar retalhos de tecido das fábricas.
Ao mesmo tempo, os companheiros e companheiras da FAU e da FGWM se mobilizaram para garantir a disponibilidade gratuita de produtos menstruais nas fábricas, instalações sanitárias limpas e licenças menstruais. A fábrica Hang Kei, que produz para a Hunkemöller, reagiu e, desde maio de 2025, os banheiros são limpos regularmente, há absorventes na clínica da fábrica para todas que precisam, foram instalados aparelhos de ar-condicionado e há uma sala para mães que estão amamentando. É apenas uma das muitas fábricas que abordamos, mas é um começo!
Precisamos de mais companheiras que apoiem nossas ações conjuntas para exercer mais pressão sobre as marcas e os donos de fábricas em todo o mundo. Vale a pena.
Agradecemos a todas pelo apoio! A solidariedade é nossa arma! Ouse lutar, ouse vencer!
A crise ambiental no Brasil e no mundo não é de responsabilidade da maior parte da humanidade. Soluções ou slogans como “faça sua parte para um mundo melhor” escondem os verdadeiros responsáveis pelos eventos climáticos extremos e pela desigualdade e pobreza: O CAPITALISMO.
Nós, enquanto anarquistas, entendemos que a 30ª Conferência do Clima (COP-30), que ocorrerá em Belém em novembro, é uma farsa feita por quem causa a crise ambiental e social. Qualquer “solução” a ser apresentada na COP jamais será uma solução verdadeira.
Capitalismo “verde”, mercado de créditos de carbono, bioeconomia… tudo isso é uma cilada pois não toca na raiz do problema: o capitalismo é um sistema que depende da superexploração da natureza e dos corpos humanos para obter lucro para alguns.
Alternativas de mundo? Temos! Os povos das águas, das várzeas, das florestas, dos campos e das periferias urbanas se levantam e apontam caminhos para a superação da crise.
Caminhos esses baseados no senso de comunidade, na horizontalidade e na autogestão, princípios historicamente ligados ao anarquismo.
Ia JORNADA INTERNACIONAL ANARQUISTA DA AMAZÔNIA/BRASIL “Jornadas ANTI-COP30” Data: 10 a 21 de novembro de 2025 Local: Belém / PA / Brasil << Mais infos >>
Centro de Cultura Libertária da Amazônia – CCLA Rua Bruno de Menezes (antiga General Gurjão) 301 – Bairro Campina – Belém do Pará. cclamazonia@gmail.com cclamazonia.noblogs.org
No Sudão, a guerra continua na indiferença da maior parte dos movimentos contra guerras e rearmamento em escala global. Em nosso país, salvo pequenas exceções, parece que ninguém se importa com o pior genocídio deste século.
A guerra pelo poder e pelo controle dos recursos, iniciada entre as facções de Al-Burhan e Hemetti, já causou mais de 150 mil mortes e forçou o deslocamento ou exílio de mais de 14 milhões de pessoas.
É provável que o país caminhe para uma balcanização substancial. Limpeza étnica, estupros e massacres são práticas de ambas as facções, que disputam o controle do território.
Hoje, o Sudão vive a pior crise humanitária do planeta. A morte por fome e sede é uma realidade explicitamente declarada pela ONU, que não tem recursos para impedir que milhões de pessoas — principalmente crianças e idosos — morram de inanição.
Em 9 de julho, Lino Rubio Mayo, juiz chefe do Tribunal Penal nº 1 de Xixón, emitiu uma ordem de prisão imediata para as seis sindicalistas (cinco mulheres e um homem) da CNT que participaram do conflito trabalhista com a confeitaria La Suiza, pela qual foram condenadas a três anos e meio de prisão, além de pagar multas pesadas e uma responsabilidade civil muito alta.
Diante da ordem de prisão emitida pelo juiz, as sindicalistas se apresentaram voluntariamente na prisão de Villabona (Centro Penitenciário de Astúrias) e tramitaram sua admissão. Elas têm anos de sentença pela frente, a menos que o governo decida indultá-las.
O caso começou quando uma trabalhadora, que agora é uma das condenadas, foi até o sindicato CNT Xixon para denunciar os abusos que estava sofrendo no trabalho. Diante da recusa do empregador, a CNT organizou protestos de rua que levaram a uma onda de repressão contra os participantes e terminaram com uma sentença que soma 21 anos de prisão.
A condenação é uma afronta aos direitos fundamentais da classe trabalhadora e criminaliza ações tão comuns quanto desfraldar uma faixa e distribuir panfletos.
O grande geógrafo e teórico do comunismo anarquista fez parte de um círculo radical que abordou uma ampla gama de questões sociais, desde capitalismo e colonialismo até amor livre e direitos animais
~ Spencer Beswick ~
Em seu clássico ensaio “Sobre o Vegetarianismo” (1901), Élisée Reclus escreveu uma defesa comovente desta prática como uma necessidade ética e estética, com potencial para acabar com a violência colonial ao transformar a relação da humanidade com o mundo.
O anarquismo de Reclus buscava “fazer de nossa existência a mais bela possível e em harmonia, na medida do possível, com as condições estéticas de nosso entorno”. Isso inclui nossa relação com os animais. Reclus condenou matadouros, assim como a exibição e consumo de animais mortos, por considerá-los feios e violentos. Essas exibições perturbadoras entrelaçam-se à vida cotidiana de modo que só pode anestesiar nossos sentidos e diminuir a beleza de nossas vidas. Como a cicatriz antiestética de uma barragem de concreto que bloqueia um rio, o abate e consumo de animais obstruem o potencial de uma vida bem vivida. Reclus clamou pelo fim da violência contra animais e, em seu lugar, propôs reconhecê-los como “companheiros de trabalho respeitados, ou simplesmente como companheiros na alegria da vida e na amizade”.
A violência contra animais estava intimamente ligada à violência do colonialismo. O massacre de povos colonizados era justificado por sua redução desumanizadora ao nível de animais. Reclus argumentava que o tratamento brutal de animais no próprio país permitia a violência colonial global através de uma “relação direta de causa e efeito”, pois “o abate do primeiro facilita o assassinato do segundo” e “fazer cães despedaçarem uma raposa ensina um cavalheiro a fazer seus homens perseguirem chineses fugitivos”. Se os europeus aprendessem a se relacionar eticamente com animais em casa, sustentava ele, a prática da violência colonial no exterior seria desestabilizada. O vegetarianismo transformaria a relação da humanidade com o mundo de modo a excluir toda violência e exploração direcionada tanto a humanos quanto a não humanos.
Embora o argumento possa ser atraente, hoje soa um tanto vazio aos nossos ouvidos. O exército israelense, por exemplo, usa sua autoproclamada fama de “exército mais vegano do mundo” como prova de sua suposta dedicação à paz, brandindo o veganismo como escudo para justificar sua violência contra palestinos considerados “atrasados” (em parte porque não são veganos). Alguns ativistas acrescentam assim o veganwashing ao greenwashing e pinkwashing como justificativas “progressistas” do colonialismo. Do nosso ponto de vista no século XXI, parece claro que Reclus foi excessivamente otimista ao acreditar que o fim da exploração animal acabaria com a violência colonial.
Contudo, o apelo de Reclus por uma vida ética e bela, livre da exploração de humanos e não humanos, mantém sua força. Ele nos lembra a importância do que alguns veganarquistas chamam de libertação total: desmantelar todas as formas interconectadas de opressão e dominação que degradam humanos, animais e o mundo natural. Para terminar com as palavras de Reclus: “A feiura nas pessoas, nos atos, na vida, na Natureza que nos rodeia, é nosso pior inimigo. Voltemo-nos belos nós mesmos e deixemos que nossa vida seja bela”.
Desde Memória Libertária a CGT, em reconhecimento de nosso querido mestre e fundador da Escola Moderna Francesc Ferrer i Guardia, chamamos à adesão da campanha pela anulação de seu conselho de guerra e posterior execução:
Ferrer i Guardia sempre em nossa Memória, seu legado educativo, pedagógico e racionalista, perdura no tempo e em nossos corações.
1909
Francisco Ferrer Guardia, pedagogo e livre pensador comprometido com a renovação social e educativa, foi vítima de uma das grandes injustiças da história contemporânea da Catalunha e do Estado espanhol.
“Em 1909, no contexto da Semana Trágica, foi acusado sem provas consistentes e julgado em um processo cheio de irregularidades. Apesar da falta absoluta de garantias judiciais, Ferrer i Guardia foi condenado à morte e fuzilado no castelo de Montjuic“.
Sua execução provocou uma onda de indignação internacional e pôs em evidência a repressão contra as ideias progressistas e a liberdade de pensamento. Hoje, mais de um século depois, persiste a necessidade moral e política de reconhecer a injustiça cometida e restituir o bom nome de um homem que lutou por uma educação laica, livre e igualitária.
“É preciso saber experimentar a liberdade para sermos livres, é preciso libertar-se para poder fazer a experiência da liberdade…” (Ai ferri corti)
Já se passaram quinze anos —julho de 2010— fui capturado pela Interpol na cidade de Buenos Aires. Usando informações fornecidas pelas existências mais servis, cruzaram fronteiras e fizeram de nossas vidas um espetáculo produtivo para sustentar as instituições de repressão aguda. São especialistas em formar milícias, em subjugar e sequestrar; buscam conhecer o limite do corpo e da convicção. São especialistas em negociar com personalidades destruídas por sua própria traição, são treinados em práticas ditatoriais, repressivas e imperiais que se estendem por tempos históricos e espaços geográficos.
Isso não é uma história pessoal, nem sobre personagens de uma história; não há aqui pretensão de ser referência ou arrogante, de forma alguma. Porque não se trata de nós, mas sim deles, do poder e dos poderosos, e de como há alguns e algumas de nós que não encarnamos a derrota e perseveramos em ações porque não caímos na dicotomia de que o militar e o civil —ou a ditadura e a democracia— são coisas distintas.
São, certamente, a continuidade da ordem: uma torna possível a outra e a outra a consolida, estabilizando a conquista obtida. Também não nos acomodamos na derrota moral, vivemos a partir da ideia obstinada de desobediência, não nos permitimos a derrota, a rebeldia está aí latente, não nos convenceram. Seguimos tentando e pensando, com um pequeno traço de impotência e tristeza, que não se limita nem por um segundo a ruminar sobre o que foi feito e não deveria ter sido feito ou o que está errado nas ações que persistem. Não nos despojaram da possibilidade de pensar a realidade e o presente, nem da pretensão de agir sobre ele.
É assim que dou conta da pulsação das minhas convicções, desta pequena caminhada consequente como subversivo, sempre a partir do antagonismo e em confronto permanente com um inimigo que transcende conjunturas.
É um percurso que começa com a decisão da luta militante contra a ditadura, contra cada um dos poderosos de plantão, suas diferentes administrações de poder, e desde a “transição” até sua democracia policialesca e hipócrita. Sempre, sempre, inimigo do Estado! Na militância ou na autonomia, na organização ou nas afinidades, na palavra e na ação.
A intenção não é apresentar-me como exemplo de uma experiência extraordinária e irrealizável; pelo contrário, se esta leitura permitir aprender que sempre se pode combater os poderosos, não de um pódio ou lugar inatingível, nunca de um passado arrogante. Falo e escrevo de um caminho ininterrupto que pertence a todxs que, donos de nossas vidas, nos sentimos livres e dispostos a seguir confrontando o poder e seus sustentadores de misérias.
Confirmo meu pequeno traço de impotência e tristeza, não é justo silenciá-lo nem inoportuno declará-lo. Neste caminho de luta, quase 28 anos da minha vida transcorreram na prisão; fui testemunha de seus diferentes formatos, mudanças, e também da “categorização” de plantão. Fui tachado de delinquente “comum”, prisioneiro político e terrorista, entre outros epítetos que, com maior ou menor acerto, falam a linguagem do poder. Transitei por diferentes prisões em território dominado pelo estado chileno e argentino. Resisti a regimes disciplinares de alta ou máxima segurança, isolamento, incomunicabilidade; resisti a situações complexas e vivi dor.
Uma vida de batalha contra o dia a dia, contra os absurdos do planeta prisão. Um caminho difícil, às vezes lento e outras vertiginoso; distante do mito e da moda passageira da rebeldia.
Não foi uma decisão passageira, foi com convicção, uma decisão de vida, real. Porque procurei, contra a corrente, traçar um rumo a partir da consequência, oferecer pequenos grãos de areia à convicção inquebrantável de luta, à minha e à de outrxs.
Sobre a passagem pela tortura, não pretendo falar nem escrever… só devo sintetizar que foi-se um pedaço da minha vida, e não ter entregado nada ao inimigo segue como tesouro que acompanha cada passo. Não delatei ante os agentes da democracia treinados na ditadura; nem na primeira, nem na segunda, nem na terceira vez. Reivindico, ainda, as/os muitxs que resistiram dentro de si mesmxs e não sucumbiram à delação, em contexto de tortura ou não. A história precisou dissolver estas histórias em justificativas absurdas como parte da retórica da paz.
Compor a figura de super-homens e heroínas que resistem aos embates é um delírio conformista. A delação, em qualquer contexto, significa hoje e significou antes lançar companheirxs à tortura, à morte ou à prisão; minar os projetos, e viver para sempre consigo mesmx.
Esta cumplicidade abracei, esta paz entre nós e guerra contra aqueles, a solidariedade e o desencanto, o punho cerrado, o sorriso contagiante dos acertos e as lágrimas tatuadas da dor e da morte. Mas sempre a tranquilidade.
Os anos mais intensos desta caminhada sem volta eu viveria novamente por inteiro nesta ou em qualquer outra vida.
Nada disso ignora a autocrítica, como um espelho de si mesmo, sem deixar de aprender-contribuindo, não abandonar ao esquecimento cômodo as razões por uma forma de vida que reconhece como motor de sua ação a miséria, o capitalismo, a predação e o caminhar alienante do consumo. Pequenas razões que num mundo de poderosos são mais que válidas, não só para resistir, mas são urgência de passos diretos ao confronto.
Não são ideias em disputa, é saber-se conscientemente livre e defender o oxigênio da liberdade, é ser donx real de nossas vidas e pulsos… Não só a partir de questionar, odiar ou criticar, menos ainda quando o leque do poder oferece uma variedade de atalhos conscientes ou inconscientes para nos manter oprimidos, institucionaliza a resistência e fixa válvulas de escape que conservam intocável o bem-estar do opressor.
Nesta realidade constante em que a memória se armazena num computador e a tecnologia torna tudo mais surreal e inatingível. Simulação de um cenário onde tudo se deu por perdido, já que supostamente não resta nada por escrever, nada por viver nem criar. Impera a obsessão de nutrir esta nova forma de dominação, com uma inteligência artificial que subjuga o corpo e o rosto da revolução a peças de uma história antiga, relegadas ao museu. Quando basta apenas um segundo para abrir os olhos e ver a tristeza nos rostos, ver meninas e meninos que já não o são, ver droga como alimento, ver essa violência econômica na qual uns poucos têm recursos para toda sua casta, geração após geração, às custas de muitxs outrxs.
Basta um segundo para ver que a forma de vida promovida, incrustada, vendida, elogiada e defendida pelos poderosos, apresenta-se como única maneira de viver. É uma merda!
Não há receitas ou atalhos no confronto direto, só temos as ferramentas do combate subversivo, antagônico e permanente contra o Estado. Temos a autocrítica constante a partir da aprendizagem e da prática.
Temos a humildade de saber-nos matéria disposta na luta, considerando cada um/a, com suas capacidades e vontades, em igualdade de condições, nenhum ato em detrimento de outro, nenhuma ação invalida outra, nenhum indivíduo idealizado acima de si mesmo. Unidos desde o instante em que tomamos posição, nesta caminhada sem volta de emancipação.
Nesta nova soma de 15 anos de prisão até hoje, despojo-me de toda arrogância e agradeço aos meus amados porque também é e tem sido a prisão deles. Olho para elxs com admiração, passou-se tempo, a todxs nos foi-se um pedaço da vida. Fomos capazes de estar juntxs nas fases ruins e piores, nunca faltou um sorriso nem um carinho, faltou de tudo, menos amor e certeza: somos amor em guerra!
Com meus próximos e afins reafirmo-me, companheirxs, são aqueles que me conhecem e que sem dúvida saberão dar conta de meus atos de forma muito melhor. Obrigado pela consequência misturada com ternura…
Cumplicidade incondicional com aquelxs que persistem no confronto direto, com xs fugitivos e os corações negros da fértil subversão. Um piscar de olhos revolucionário nesta cumplicidade que espero seguir sustentando, assim como quando me couber de qualquer outro lado/lugar, mesmo que seja um centímetro fora do muro, não me trema a mão nem a convicção para continuar sendo uma contribuição, sendo o que sou nesta caminhada maravilhosa da subversão…
Estas letras buscam ser um pouco mais que uma saudação de cortesia. Vamos juntos em cumplicidade de luta contra o Estado e em posição de luta dentro da prisão.
Reivindico o método e a organização horizontal, um fazer em contexto de confronto, que aglutina a vivência de luta, a atualiza e a divulga (sem propósitos acadêmicos nem de palestras em algum bar).
Aposto para que flua a experiência junto ao entusiasmo, que isso permita cada vez mais certeza e precisão na mira contra os poderosos, aspiro a que os métodos sejam compartilhados, abrindo a possibilidade de ação, que os meios e capacidades sejam postos em prática, deixar para trás o “artesanal”, considerar os erros neste aprender fazendo.
Recolho a acumulação transversal da caminhada de quem, anteriormente, percorreu um caminho de luta e desenrolou uma ação revolucionária contra o poder, contra quem o sustenta e contra suas instituições. Assimilo acontecimentos de diferentes territórios, desde o Wallmapu e sua resistência ancestral, passando pelas expressões de guerrilha urbana e sua ação contra os poderosos.
O para quê, ou os objetivos, serão parte do impulso de quem tomar posição e decisão de luta neste presente e suas realidades.
A exigência dentro de uma realidade dinâmica e suas particularidades requer criatividade e inventividade, uma aprendizagem constante e em movimento, dedicação, persistência, convicção e mais convicção, requer de nós: amor entre os nossos e ódio para aqueles.
Matéria e objetivos há por todos os cantos desta sociedade capitalista podre e cada ação está logo ali na esquina.
Aos quinze anos da minha detenção quis derramar estas palavras. Uma crítica à autocrítica como simplificação política que invalida a tentativa revolucionária. Nossa realidade tem sido tremenda, e também o tem sido nossa resistência.
Em tempos de crise, pobreza, exploração de classe extrema e empobrecimento, não podemos esquecer e estender a mão da solidariedade a um dos grupos sociais mais vulneráveis na sociedade, os sem-teto.
Pessoas que, por diversas razões, se encontram marginalizadas e vivem nas ruas das grandes cidades, constantemente expostas e desprotegidas. Pessoas que estão fora do radar da assistência social e dos orçamentos estatais. Pessoas invisíveis que devemos tornar visíveis, não em termos de caridade, mas de solidariedade real que vise cobrir suas necessidades básicas, como alimentação e moradia.
Nós, com nossos pequenos esforços e recursos próprios, distribuiremos alimentos cozidos para moradores de rua na área do Pireu toda semana durante o próximo período.
Uma vez escutei que a vida íntima não teria que se misturar com a política, ou seja, que dentro do ideal o que fizermos de forma individual e/ou coletiva para destruir a hegemonia do poder teria que ficar separado de nossas relações com os seres que amamos, como poderia ser, nossos pais, amantes, filhos, etc. À medida que passam os anos, este tipo de afirmação cada vez me parece mais distante da minha realidade e da forma na qual entendo e pretendo levar a política.
Não vejo outra forma de construir e entender o que fazer político se não é com a necessária e nutritiva mistura de todas as arestas que confluem o desenvolvimento de cada indivíduo.
Neste sentido, misturando a vida íntima com “a política”, o que poderia ser mais íntimo que a dor ante a perda de alguém que saiu de tuas entranhas? Poderia existir uma dor maior que essa? Essa dor, talvez indescritível para os que não a viveram, Luisa Toledo a sofreu em cada um dos assassinatos de seus três filhos, e levou em seu coração até seu último pulsar.
Nessa imensa dor se transformou o amor que conseguiu forjar algumas das fundações para que muitos se levantassem contra os que enriquecem às custas da perpetuação do domínio.
Por isto, entre muitas outras coisas, Luisa Toledo é a mãe resiliente de Rafael, Pablo e Eduardo, e também é a companheira de dezenas de manifestações, é a voz firme e apaixonada capaz de entregar uma clara mensagem contra os poderosos, é quem se levantava solidarizando-se com os presos… Luisa Toledo foi, e sempre será parte da construção de toda uma ou várias gerações de jovens combatentes.
Com estas palavras aproveito para enviar uma afetuosa saudação à família Vergara Toledo.
Um resgate importante e preciso. Ainda não havia pensado dessa forma. Gratidão, compas.
Um grande camarada! Xs lutadores da liberdade irão lhe esquecer. Que a terra lhe seja leve!
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