A natureza está morrendo?

É misterioso: desde os últimos dias do ano passado se registraram mortes quase simultâneas de peixes, aves e outras espécies em quatro continentes.

O primeiro destes fenômenos que se tornou público aconteceu em Maryland (EUA), no fim de dezembro: dois milhões de peixes apareceram mortos nas praias da baía de Chesapeake. Dias depois no Arkansas amanheceram 5.000 merlos mortos nas ruas e 200.000 peixes mortos no rio Arkansas. Notícias parecidas começaram a chegar de diferentes cantos do mundo.

Na praia inglesa de Thantet, condado de Kent, encontraram-se estrelas do mar, caranguejos, esponjas, lagostas, caracóis e anêmonas sem vida; na Nova Zelândia, centenas de peixes e dezenas de pingüins; no sul do Vietnã, 150 toneladas de peixes; polvos no porto de Vila Nova, Portugal, centenas cada manhã desde 3 de janeiro; 400 tórtolas caídas das árvores, mortas, em Faenza, ao norte da Itália, em 6 de janeiro; perdas similares na Argentina (100 toneladas de peixes no rio Paraná); Brasil (15 toneladas de sardinhas, corvinas e peixes gato); no Chile (mais de um milhão e meio de camarões na praia de Quenchi, Chiloé); no Canadá, Alemanha e outros países. São fatos que se registraram antes. Mas o que hoje chama a atenção é sua coincidência no tempo.

Abundam as explicações mais diversas desta suposta anomalia, ainda que seja certo que as investigações não produziram resultados firmes. Mas ao contrário: despertam novas perguntas. Uma sorte de envenenamento geral? Não encontraram até agora elementos que confirmem esta hipótese. O uso de pesticidas? Isto se poderia aplicar às aves, dificilmente aos peixes. Há interferências místicas: se aproxima o ano 2012, portador do Apocalipse. Outras são francamente disparatadas. Um veterinário sueco explicou assim as mortes de aproximadamente cem gralhas na Suécia: “Nossa teoria principal é que os fogos de artifício assustaram as aves e estas se colocaram na rota, mas o cansaço lhes impediu de levantar vôo e um carro as atropelou” (www.rawstory.com, 5-1-11). Devia ser um automóvel formidável.

Alguns experts propõem que a causa radica da brecha aberta no pólo norte do campo magnético da Terra, que a envolve e protege dos ventos solares e da caída de asteróides e outros objetos que vagam pelo espaço (earthfrenzyradio.com, 6-1-11). Para as aves, vai. E os peixes? O porta-voz da Comissão de Pesca do Arkansas, Keith Stephens, opina que os peixes tambor que terminaram no Chesapeake poderiam ter sido vítimas de uma enfermidade, dado que todos pertenciam a mesma espécie. Não deixa de ser uma especulação. Também menciona-se o aquecimento global e é bem provável que todos esses fatores influam. Mas o problema de base radica em outro lugar.

O Fundo Mundial para a Natureza (WWF, sua sigla em inglês) acaba de dar a conhecer uma lista das dez espécies que correm o maior perigo de extinção: o tigre, o urso polar, o gorila da montanha, o pingüim magalânico, o rinoceronte de Java, entre outras (www.telegraph.co.uk, 25-1-11). São vítimas faz anos, séculos, da degradação humana. A tartaruga laúde (tartaruga de couro), a maior de todas, que conseguiu sobreviver 100 milhões de anos sobre este planeta, está dizimada pela caça e seu habitat corre perigo pelo aumento do nível dos mares. Há peixes cujo destino é converter-se em sushi: “Um único exemplar de atum vermelho foi leiloado em Tóquio pelo preço recorde de 32,49 milhões de yens, aproximadamente 400.000 dólares por um só pescado” (www.treehugger.com, 15-1-10). Quanto tempo tem o atum vermelho antes de extinguir-se?

Umas 900 espécies de vegetais e animais extinguiram-se nos últimos 500 anos, segundo uma infografia do site Mother Nature Network, e mais de outras 10.000 correm o perigo de seguir sua sorte (www.mnn.com, 5-3-10). Mas é de um século para cá que este lance se acelera: a ação do homem é mais rápida que o ritmo de reprodução natural da flora e da fauna. A baleia cinza não está precisamente a salvo e tampouco ecossistemas como o maior recife de corais do mundo, a Grande Barreira de Coral, às vezes qualificada como o maior ser animal vivo do planeta. Localizado junto à costa nordeste australiana de Queensland, estende-se ao longo de 2.600 km e é visível desde o céu. A Unesco declarou-o Patrimônio da Humanidade em 1981, mas não faltam aqueles que a preferem como patrimônio próprio.

A morte súbita de aves e de peixes na antiguidade era um presságio certo de catástrofe que nem sempre se cumpria. No século XXI é uma realidade tangível. A natureza está morrendo ou a estão matando?

Juan Gelman