Estamos sendo atacados, Bonnie Devine pensou enquanto um tijolo quebrava a janela da sala, alguns centímetros além do sofá onde dormia.
Eram pouco mais de 5h do dia 29 de setembro, e, por sorte, não quebraram a segunda de duas vidraças, o que teria lançado mortalmente uma cascata de vidro sobre ela.
A mãe de quatro crianças checou então calmamente seus quatro garotos antes de verificar o dano. Um tijolo estava quebrado ao meio no gramado do lado de fora. Três dos pneus de seu carro foram cortados. No próximo dia, o quarto pneu furou enquanto ela dirigia com seus filhos.
O ataque se soma a seis anos de violência da supremacia branca contra sua família, que eles relacionam ao líder de 26 anos Kyle McKee.
“Desta vez foi um tijolo”, ela reflete. “Mas quem sabe o que será da próxima vez?”.
Em meio a uma crescente onda de atividades de ódio no Canadá, o casal tornou-se alvo de novo por seu ativismo com a Ação Anti-Racista Calgary.
Após seis anos, enfrentaram ameaças de morte, invasões e espancamentos horríveis – o pior dos quais quando um grupo invadiu sua casa em 2010, pulou sobre seu marido Jason e em um amigo – e bateram neles tão fortemente com martelos e porretes que havia sangue espalhado pelas paredes.
“Eles tentaram me matar batendo minha cabeça e em meu corpo”, ele relembra.
O grupo supremacista branco local, Blood & Honour – parte de uma rede global originada na Inglaterra – está ligada aos ataques. No mesmo dia durante a Marcha do Orgulho Branco de 2012, também conhecida como a mais terrível parada de todos os tempos, McKee foi preso após um ataque racista em uma loja, e acusado de quebrar uma garrafa na cabeça de uma vítima, cortando-a com o vidro e espancando-a.
Neste outono, a violência voltou – apenas alguns meses após McKee ser solto.
“Já estávamos esperando que um ataque acontecesse cedo ou tarde”, admite Jason. “Desde que ele foi preso, o movimento decaiu. Agora ele está de volta”.
“A questão é que em algum nível você pode desenvolver uma mentalidade de cerco. E de certa forma estamos em um cerco”.
Enquanto McKee e a Blood & Honour estiverem se organizando, sua família continuará sofrendo violência. “E não apenas nós, mas negros, LGBTQ, qualquer pessoa diferente, que discorde deles, que não pareça como eles, ou apenas pessoas que eles não gostem”.
Jason e Bonnie se tornaram um alvo para estes grupos racistas por suas falas contra crimes de ódio e o recrutamento neonazista. De início, as autoridades falaram para que eles simplesmente afastassem os racistas, como “palhaços”. Bonnie relembra: “Apenas ignore eles que irão embora”.
No protesto do Dia do Orgulho Branco, a polícia de Calgary inclusive formou um cordão de proteção em torno da Aryan Guard [Guarda Ariana], formada por McKee, enquanto prendia membros da Ação Anti-Racista. Evidentemente, a polícia está tentando manter os ativistas antirracistas longe dos neonazistas para minimizar o conflito; neonazistas em Vancouver estão enfrentando acusações de assassinato após incendiar um homem filipino, e depois atacar um homem negro que tentou ajudar. No passado, muçulmanos locais, cidadãos identificados como LGBTQ e judeus também foram alvos de vários crimes de ódio.
Os crimes de ódio no Canadá, pelo menos aqueles denunciados a polícia, estão crescendo. Em junho, um membro conservador do parlamento conseguiu remover o discurso de ódio da Lei dos Direitos Humanos. Após liderar a lista de maior quantidade de crimes de ódio per capita no país em 2006, Calgary conseguiu reduzir estas denúncias abaixo das cidades mais ao sul de Ontário, e mesmo eleger o primeiro prefeito muçulmano do país.
Na última vez que Jason viu McKee foi logo após o espancamento de 2010, antes de sua breve passagem pela prisão. Devine estava colando cartazes antirracistas quando McKee e outra pessoa passaram de carro usando máscaras de esqui.
“Kyle estava com seu taco de basebol do lado de fora da janela, e me ameaçou”, relembra Devine, “perguntando se eu precisava de outra visita a minha casa”.
“Desde que ele foi solto, a última coisa que vi foi que ele postou algumas coisas no Facebook algum tempo atrás… Ele disse que a única razão por que fiz isso no inverno passado era porque ele estava na cadeia… “Talvez eu deva chutar a cabeça do senhor Devine”.
Os Devines acreditam que McKee está ligado ao ataque recente, mas Bonnie pensa que o ultimo incidente deve ter partido de novos recrutas sendo iniciados para atacar os inimigos da Blood & Honour.
“Os níveis de violência que estão atingindo nossa família estão chegando a um nível próximo da morte”, diz Bonnie. “Então ter algo menor como uma janela quebrada ou pneus furados me leva a acreditar que estes são os membros nazis menos maduros, ou novos membros que estão apenas ganhando coragem”.
“Com certeza, pra mim o próximo estágio serão bombas caseiras ou fogo. Já tivemos coquetéis molotov, mas estou pensando mais em bombas caseiras com pregos”.
Jason está certo de que estes grupos racistas não são apenas “boneheads” [cabeças vazias] espalhando “ideias ignorantes”, como alguns argumentam. Eles estocam armas, facas e bombas, ele disse, e praticam ataques viciosos.
“Eles atualmente adoram e se engajam pela violência”, ele adverte. “Estão por aí levando sua ideologia de supremacia branca”.
Como resultado da invasão de 2010, o casal quase perdeu suas quatro crianças após enviá-las temporariamente para ficar com a mãe de Jason. “Não queríamos que eles vissem todo aquele sangue espalhado pelas paredes e outras coisas”, conta.
Um dia, um oficial de polícia e uma assistente social bateram na porta: “Nós apreciamos e compreendemos o que vocês estão tentando fazer aqui”, Jason os recorda dizendo, “mas vocês são em essência como traficantes ou membros de gangue, e suas atividades estão colocando suas crianças em risco… Nesse momento suas crianças não podem voltar para casa”.
Frente aos ocorrentes ataques a negros, homossexuais, muçulmanos e outras minorias, tudo o que Jason e Bonnie fizeram foi colar cartazes, distribuir panfletos e organizar protestos.
“Nós não quebramos a lei de nenhuma forma”, disse Jason.
“A violência que existe em minha comunidade e atinge minha família é algo da responsabilidade de todos”, acrescenta Bonnie. “Acontece todos os dias”.
“É definitivamente assustador… E me faz seguir lutando ainda mais”.
Por David P. Ball, um jornalista freelancer em Vancouver
Tradução > Anarcopunk.org
agência de notícias anarquistas-ana
O luar no mar.
Um peixe salta, enlevado,
banhado de prata.
Jacy Pacheco
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!