A II Feira Libertária do Seridó, organizada pelo Coletivo Nenhures e o Laboratório Internacional de Movimentos Sociais e Educação Popular (LAMPEAR), começou a ser planejada desde fevereiro (2014), e ocorreu no período de 02 a 04 de maio, no município de Caicó (RN). O tema sugerido para feira foi “Anarquismo Hoje”. A escolha do tema se deu pela percepção da repetição do mesmo em algumas atividades anarquistas e libertárias ocorridas anteriormente em outras localidades. Porém nessas atividades aquele (tema) era o título de uma das rodas de conversas que constava nas programações e que em sua realização acabara focando mais intensamente no caráter anárquico das chamadas “Jornadas de Junho” (2013). Acreditando que este tema poderia ser ainda mais explorado, a organização resolveu utilizá-lo como tema geral da feira.
Apesar da antecedência com a qual se propôs a organização, a feira foi marcada – dentre outras coisas que serão comentadas no decorrer deste relato – por alguns aspectos falhos de organização e da necessidade de improvisação que amenizassem tais falhas, desde o planejamento até a sua realização.
Poucas semanas antes da feira um companheiro do Coletivo Nenhures comunicou seu afastamento do coletivo e da organização da feira justificando problemas pessoais, porém o companheiro já vinha ausentando-se de encontros e negligenciando tentativas de comunicação dos demais compas há algum tempo. Esse afastamento dificultou o fechamento e comprometeu a divulgação da programação, já que não foi dado retorno sobre o andamento das responsabilidades que havia assumido, deixando de repassar uma das atividades sugeridas para compor a programação da feira – o bate-papo “Conversa ao pé do ouvido”, sugerido pelo Coletivo Leila Diniz, de Natal. Após a publicação da programação, o Coletivo Leila Diniz reclamou a ausência de sua atividade no cartaz. Fora então publicada uma errata, e a atividade encaixada dentro da programação que já se encontrava extensa.
A programação havia sido construída inteiramente por sugestão dos coletivos e individualidades interessadas em contribuir com a realização da feira. Tal agenda se formou satisfatoriamente por refletir os desejos e necessidades dos mesmos. Porém ela demorou a ser fechada. Apesar do prazo estabelecido (07 de março) e prorrogado (15 de março) para recebermos as propostas de atividades, alguns coletivos somente enviaram-nas no mês de abril, ou confirmaram presença em cima da hora. Como tínhamos interesse em possibilitar o máximo de contribuições e participações na feira, com o objetivo de fortalecer as atividades e o próprio evento, nos mantivemos receptivos às propostas retardatárias. Quando já havíamos recebido um número bastante satisfatório de propostas nos dedicamos à construção da programação, e nos deparamos com as dificuldades de conciliar todas as atividades. Decidimos organizá-las de forma que elas se chocassem o mínimo possível para evitar a fragmentação do público, mas não pudemos evitar completamente o choque de horários, acontecendo de o encerramento de uma atividade estar passível de chocar com o início de outra.
Os espaços para realização da feira também mostrou-se de demorada confirmação até poucos dias antes. Tínhamos interesse de realizar a feira na Ilha de Santana, por ser um espaço público de intensa circulação de pessoas. O espaço seria dividido com a feira de artesanato que ocorre habitualmente no primeiro fim de semana de cada mês, porém quando nos encontramos com as pessoas responsáveis pela organização da feira de artesanato, estas ficaram surpresas pela estrutura que necessitaríamos. As conversas informais que ocorreram por telefone anteriormente levaram-nas a entender que precisaríamos apenas de dois estandes para expor nossos materiais (quando na verdade havíamos requisitado dois estandes para guardar os materiais – mesas e cadeiras, aparelhos eletrônicos, entre outros). De toda forma, conseguimos reservar há tempo o espaço do Anfiteatro da Ilha de Santana, que apesar de situar-se um pouco mais afastado dos ambientes de maior circulação de pessoas, se fazia ainda visível, acessível, e adequado aos nossos interesses e nossas necessidades estruturais. Também optamos por agendar atividades na Casa de Cultura de Caicó, pois precisaríamos de um ambiente mais reservado para a realização de uma das oficinas; e ainda o Centro de Ensino Superior (CERES/UFRN), pois que pretendíamos, durante a oficina sobre hortas urbanas, trabalhar com a revitalização de uma horta que há naquele campus. Realizar a feira em diferentes locais possibilitaria interagir mais com a cidade, mas trazia também outras dificuldades logísticas para a organização.
Conseguimos reservar alojamentos para os participantes no campus do CERES, onde também improvisamos uma cozinha para preparo de refeições. A cozinha ficara pronta no dia 1º de maio, data em que já chegava à cidade um bom número de pessoas que vinha para participar da feira, a maioria vinha de Natal, mas também haviam pessoas de Recife (PE) e Salvador (BA). Já no dia 1º aconteceria no LAMPEAR – que localiza-se instalado no CERES – a transmissão do programa da rádio web Cordel Libertário, com entrevista ao professor Fernando Bonfim Mariana, coordenador do LAMPEAR, sobre o “1º de Maio Anarquista”. Esta atividade conciliava-se também com a programação da IV Jornada do Trabalhador, organizada pelo LAMPEAR, e realizada concomitantemente à feira libertária. Por ocorrerem concomitantemente esses eventos possibilitariam a interação entre os públicos e temas em discussão, apesar de dividir a atenção do Laboratório com ambos eventos. A IV Jornada do Trabalhador realizaria programação nos dias 01 e 02 de maio, pausaria para dar espaço à feira libertária, e retomaria a partir do dia 05. Durante esses dias contaria com a participação de pessoas e coletivos que também estariam participando da feira libertária – como a rádio Cordel Libertário, a Biblioteca Terra Livre (SP), e o coletivo Ativismo ABC (SP).
Na sexta-feira, 02 de maio, tivemos no período da manhã, como parte da programação da IV Jornada do Trabalhador, uma roda de apresentação entre pessoas e coletivos presentes naquele momento que participariam de pelo menos um dos eventos. A atividade ocorreu em local aberto, no pátio do CERES, com o objetivo de fazer-se conhecer os trabalhos e atividades às quais as pessoas ali presentes estavam envolvidas. E no período da noite aconteceria a abertura da II Feira Libertária do Seridó, com um bate-papo sobre “Espaços Autônomos”, que seria puxado inicialmente pelo coletivo Ativismo ABC e a Biblioteca Terra Livre, para apresentarem mais detalhadamente as atividades de ambos e ao mesmo tempo possibilitar a troca de experiências com as demais pessoas. A abertura programada para as 17h somente teve início às 21h. A dificuldade em se fazer cumprir o horário programado se deu inicialmente pelos problemas com o deslocamento e organização da estrutura necessária para realização da programação. Nessa oportunidade a companheira do Ativismo ABC apresentou o zine “Gestão de Espaços Autônomos”, construído pelo coletivo. A discussão se fez bastante proveitosa, pois possibilitou a exposição de formas de organização de espaços em realidades diferentes e de naturezas diversificadas, além de aprofundar discussões sobre pontos que se apresentaram em perspectivas conflitantes.
A discussão seria seguida pela atividade proposta pelo Coletivo Leila Diniz, que acabou por não ocorrer e fora adiada, pois uma das integrantes do coletivo não pôde se fazer presente naquele momento. A atividade ocuparia então o momento da oficina “Direito ao aborto e parto humanizado”, que fora cancelada dias antes, pelo agravamento do estado de saúde da companheira da Rede de Apoio à Maternidade Ativa, marcada para a manhã do dia 03, no CERES. A noite de abertura encerrou-se com uma instigante apresentação anarcopunk do C.U.S.P.E. (Condenados Unidos São Potência Extrema).
No sábado pela manhã as atividades começaram com reunião dos alojados e pessoas da organização para planejar o almoço, tirando-se comissões para ir ao mercado, ratear despesas, pessoal responsável por preparar o rango, e outra comissão para realizar um freegan quando batesse o horário de encerramento da feira de frutas, legumes e verduras da cidade. Aquelas pessoas que ficaram responsáveis por preparar o almoço tiveram de abrir mão da programação da manhã, que contou inicialmente com uma oficina sobre hortas urbanas, puxada pelo Ativismo ABC. Diferente do que pensávamos a oficina foi mais teórica, mas bastante proveitosa; no discurso da companheira do Ativismo ABC podemos identificar erros na tentativa de criação de uma horta orgânica aqui no CERES/UFRN, além de termos aprendido várias técnicas de plantio, manejo e cuidados com o solo. A atividade a seguir seria orientada pelo Coletivo Leila Diniz, e concomitantemente aconteceria uma oficina de percussão, que teve uma ótima participação. O Coletivo Leila Diniz chamou timidamente sua atividade, mas não conseguiu agregar o público e acabou por se desmotivar em realizá-la, tendo mesmo algumas integrantes do coletivo se dirigido à oficina de percussão. Após esta oficina fora puxado um bate-papo sobre o corpo e(m) anarquia, que problematizou, de uma perspectiva libertária, as indústrias farmacêuticas, alimentícias e do entretenimento e gerou diversas intervenções.
À tarde, após o almoço, seguimos para a Ilha de Santa, onde prosseguiria a programação. Nesse momento se fez importante uma rápida articulação entre as pessoas presentes para discutir como dar sequência à programação, pois os atrasos para realização das atividades estavam sendo recorrentes e dificultando o andamento da programação. Fora então decidido não realizarmos atividades na Casa de Cultura de Caicó (onde estavam programadas atividades no período da noite), pois a necessidade de um novo deslocamento de pessoas e estrutura e da organização do espaço iria intensificar o retardamento da programação. As atividades da noite seriam realizadas no CERES, mesmo local onde estávamos alojados, assim otimizaríamos nosso tempo. Também ficara decidido adiar o debate proposto pelo Movimento Passe Livre (de Natal) para a manhã do domingo.
O espaço para exposições fora organizado e imediatamente iniciado o debate sobre “Violência afeminada & como a não-violência protege os homens”. Essa discussão já vinha sendo levantada e problematizada em outros espaços/momentos de encontros libertários, porém sentia-se a necessidade de se produzir algum material que pudesse circular mais facilmente entre as pessoas interessadas. Por esse motivo a discussão teve o áudio gravado e será disponibilizado na web. Pretende-se também, a partir dessa gravação, elaborar-se em breve uma publicação bibliográfica. Na sequência fora realizada oficina de estêncil, oficina de palhaçaria e um debate sobre mídias autônomas, ocorrendo todas ao mesmo tempo em ambientes diferentes do Anfiteatro da Ilha de Santana. Devido o atraso a oficina de palhaçaria teve de ser sintetizada para que pudesse ocorrer com o mínimo de prejuízos. Na discussão sobre mídias autônomas fora apresentados os trabalhos realizados pela rádio web Cordel Libertário, pelo Laboratório de Mídias Autônomas (LA.M.A.), e pela Biblioteca Terra Livre, enfatizando a necessidade do fortalecimento da imprensa anarquista. Após essa discussão o VEDDAS puxou uma roda de conversa sobre a necessidade do veganismo no meio libertário. Durante o debate foi exposto pelos integrantes do coletivo um breve relato do que seria o Veganismo e qual sua participação no meio libertário. Fora mencionado alguns autores anarquistas que tratam da questão do especismo, e feito um paralelo entre as questões de exploração animal com as questões de sexismo e violência contra a mulher. O coletivo ressalta que para eles os animais não existem para serem explorados pelos humanos, assim como a mulher não existe para ser explorada pelo homem e tão pouco os negros pelos brancos. Propondo com isso uma analogia entre o especismo e as diversas outras formas de preconceito. Durante o debate fora exposta a insatisfação do coletivo com alguns eventos libertários, onde os mesmos sentem um distanciamento de algumas pessoas do meio libertário por acreditarem que o veganismo é apenas uma opção individual/comportamental, e não uma forma de luta organizada contra opressões.
Novamente o horário programado fora extrapolado por período significante, o que comprometeria o horário marcado para iniciar as atividades do último turno do sábado, mas como o público que habitualmente frequenta o espaço da Ilha de Santana estava circulando pelas ambientações da feira, conversamos com todas as pessoas que estavam expondo materiais e decidimos ficarmos ainda por um período de aproximadamente uma hora para que pudéssemos aproveitar mais a interação com esse público potencial, já que esta oportunidade é uma das mais significantes motivações da feira. Depois disso desmontamos a estrutura e seguimos de volta para o CERES onde nos organizaríamos para nos alimentar, descansar um pouco e seguir com a programação.
De volta ao CERES e com o horário já bastante atrasado em relação ao programado ficara decidido adiar mais uma atividade para o domingo, a oficina de “Segurança digital para ativistas”. Na noite do sábado fora realizada a exibição e discussão do curta-metragem sobre a II Feira Anarquista de São Paulo – outros títulos estavam previstos para exibição e discussão, porém problemas técnicos e o esgotamento de energia de algumas pessoas presente desmotivaram a continuação dessa agenda, mesmo assim o curta-metragem apresentado gerou uma troca de experiência e ideias muito significativas entre os coletivos presentes (Biblioteca Terra Livre, Ativismo ABC e Coletivo Nenhures) e que possibilitou uma análise parcial da própria feira em andamento –; e concomitantemente a oficina “Microguerrilha infecciosa”, onde foram experimentadas algumas dinâmicas buscando “instigar a efervescência de microrrevoluções e potencializar ações virais cujo poder de infecção possa desdobrar processos generalizados”. Esta oficina fora encerrada com um momento festivo com “discotecagem de músicas de protesto, estimulando formas libertárias de interação e intensificando os encontros afetivo-políticos”.
No domingo pela manhã o VEDDAS realizou uma oficina de rango vegan. Nessa oficina foram produzidas algumas receitas que foram distribuídas para degustação do público alojado no CERES. Após a oficina um grupo de pessoas articulou-se para preparar o almoço. Diversas pessoas criticaram que durante toda a feira as tarefas de cozinha foram predominantemente realizadas por mulheres, tendo se percebido a indisposição dos homens para cumprir voluntariamente com estes afazeres, ou somente a disposição de uns poucos para compartilhar essas responsabilidades. Enquanto o almoço era preparado o MPL puxou o bate-papo sobre “Direito à cidade”. Nesse bate-papo ficou evidente que a mercantilização do transporte público impede a população de ter acesso aos níveis básicos de sobrevivência e mesmo a segrega em guetos, muitas vezes restringindo o espaço de (con)vivência das pessoas apenas ao bairro onde elas residem. O passe livre foi posto como uma das estratégias para mudança dessa situação, lembrando que a luta não é apenas pelo passe livre e pelo direito à cidade, mas também pelo direito de refazermos a cidade, pois não foi apenas o transporte público que foi mercantilizado, mas toda a cidade. Ao final dessa conversa todas as pessoas que participavam da feira e encontravam-se presentes no CERES naquele momento foram convidadas para discutir uma situação problemática que fora criada na madrugada da noite anterior. Algumas paredes do “Bloco A” do setor de aulas haviam sido pichadas, e apesar do posicionamento e das perspectivas políticas sobre esta prática por parte das pessoas que se encontravam na feira, havia sido sugerido pela organização do evento que se evitassem os pichos nas localidades onde ocorreriam atividades da feira para que não se intensificasse – de forma não-estratégica – o desgaste das relações entre as pessoas e coletividades responsáveis pela organização da feira e as instituições envolvidas, pois que já era de natureza habitual o conflito entre estes, e que naqueles contexto e situação específica, as pichações naquele ambiente não possibilitaria grandes avanços políticos. Dessa conversa foi consensual o encaminhamento de se pintar os pichos. Para a manhã do domingo ainda estavam previsto intervenções urbanas (muralismos e jogos de palhaçaria pela cidade) e a oficina sobre segurança digital para ativistas, que pelo avanço do horário e congestionamento da programação, e ainda pelos desconfortos da alta temperatura do clima local, acabaram não acontecendo. A oficina sobre segurança digital acabou sendo encaixada na programação do Rupturas Libertárias, a ocorrer em Natal nos dias 8, 9 e 10 daquela mesma semana.
As atividades, vivências e contatos realizados na II Feira Libertária do Seridó trazem contribuições de grande importância para o fortalecimento das práticas e ideias libertárias e anarquistas em toda a região nordeste. E apesar das adversidades que surgiram no decorrer do planejamento e realização do evento, faz-se de grande relevância o caráter que foi tomando a construção da feira, possibilitando a experimentação – apesar das limitações – de uma forma de organização que tende a descentralizar as responsabilidades de um núcleo organizativo, caminhando em direção à uma espécie de zona autônoma onde todo indivíduo possa de fato participar da realização e autogestão da Feira Libertária do Seridó.
A rádio web Cordel Libertário realizou entrevistas com pessoas de diversos coletivos presentes na feira e em breve estará disponibilizando o resultado desses registros em seu blog – na seção “Áudio dos programas anteriores”. Portanto, caso interesse, as pessoas poderão fazer o download do arquivo de áudio e escutar outros comentários sobre a feira. O link:
http://radiocordel-libertario.blogspot.com.br/p/programas-anteriores.html
Coletivo Nenhures
agência de notícias anarquistas-ana
O dia todo usando
um chapéu que não estava
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