Comunicado dos 17 estudantes expulsos do campus da UNESP de Araraquara (SP)
[“A repressão contra os estudantes da UNESP, neste momento, é parte da repressão que também atingiu os metroviários em 2014 (mais de 40 demissões), a mesma repressão que prende e mata pessoas nas periferias do país todos os dias, que reprime militantes em manifestações pelo transporte público e gratuito, em manifestações decorrentes da crise da água que assola São Paulo, entre outros exemplos.”]
Panorama geral
Na sexta-feira, dia 30 de janeiro, último dia de aulas na Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, 17 estudantes foram surpreendidos com a decisão da UNESP de “desliga-los” da instituição – conforme nota publicada no Diário Oficial no dia anterior (29/01/2015). Os estudantes vinham sendo reprimidos por meio de um processo de sindicância (processo institucional de caráter investigativo), que visava criminalizá-los pela tática de ocupação, deliberada tanto em Assembleia de moradia, quanto em Assembleia geral de estudantes.
Em 2014, o movimento dos estudantes se intensificou após o desalojamento de 38 alunos da moradia estudantil. Em 2013, houve uma significativa diminuição no número de bolsas de auxílio ao estudante (BAAE). No final de 2012, houve ainda a expulsão de 6 residentes da moradia estudantil, que foram intimados a se retirar das dependências em um curto espaço de tempo. Em resposta a estes ataques, as mobilizações estudantis têm se fortalecido, constituindo uma resistência permanente em prol do acesso e da permanência dos estudantes negros, índios e provenientes da classe trabalhadora no Ensino Superior – um Movimento em defesa de uma universidade pública, gratuita e a serviço do povo.
A alegação da Diretoria para as 38 expulsões da moradia, no ano passado, foi a de não cumprimento dos critérios utilizados no processo seletivo do Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE). Até 2013, os critérios para a distribuição de bolsas e concessão de vagas na moradia era estritamente socioeconômico. Se até então, o processo já contava com várias arbitrariedades e não contemplava a real demanda dos estudantes, houve um agravamento considerável com a inserção do critério meritocrático baseado no desempenho acadêmico.
Uma resposta necessária
Entendendo as expulsões como uma medida autoritária da Direção, os estudantes se organizaram de diversas formas: reunindo e protocolando documentos para entrar com recurso, participando de reuniões tanto com a Direção, quanto com as comissões responsáveis pela permanência (CPPE, CLM etc.), participando das reuniões departamentais através dos representantes discentes, atuando por meio dos centros acadêmicos, fazendo panfletos, realizando manifestações, grupos de discussão etc. Frente a todos estes esforços, a Direção se mostrou sempre intransigente e hostil, deslegitimando as reivindicações e se fechando ao diálogo, seja por dificultar a realização das reuniões, seja pelo uso do aparato burocrático da instituição, que desconsiderou inclusive os recursos. Assim, a medida de ocupação da Direção da Faculdade colocou-se como uma das últimas possibilidades para a concretização das pautas reivindicadas.
A ocupação só foi possível, contudo, devido a um contexto mais amplo, à própria conjuntura estadual. A suposta crise das Universidades do Estado de São Paulo, que gerou o maior movimento grevista da história das três grandes Estaduais (USP, UNESP e UNICAMP), manifestou-se localmente por um movimento iniciado com os funcionários da UNESP, em luta pelo reajuste salarial, seguido pela luta também dos docentes. Neste contexto, a ocupação aparece como deliberação nas duas Assembleias mencionadas, após muitos debates e discussões.
Crise orçamentária ou projeto político?
O descaso e a negligência da burocracia universitária nestas ações demonstraram a antidemocracia que permeia este espaço. As universidades estaduais paulistas não estão passando por uma crise orçamentária, como alegam seus gestores. Na verdade, trata-se de uma crise programada, como defendido por Ricardo Consolo, no texto intitulado Sobre a crise programada nas três Universidades Estaduais de São Paulo e o projeto de privatização do Ensino Superior. A partir deste ponto de vista, entende-se que esta iniciativa capitalista pretende criar um campo fértil para a privatização, cujo sucateamento planejado é fator central. Este sucateamento se expressa de diferentes formas, sendo os citados ataques à permanência estudantil bons exemplos. Além disso, o aumento do número de vagas na graduação, que quase dobrou nos últimos anos, não foi acompanhado pela contratação de mais professores, nem pela adequação das estruturas dos campi. Outro exemplo é a criação de cursos e disciplinas de Ensino à Distância (EaD), também justificados pela dita “crise orçamentária”. Não podemos esquecer, ainda, do gravíssimo problema apresentado pela terceirização.
Capital e Trabalho no Campus
O setor dos funcionários sofre tanto em relação à contratação e ao salário, quanto em relação às condições de trabalho. Nos últimos anos, houve um decréscimo de cerca de 8% nas contratações de funcionários, cujos postos de trabalhos foram entregues para a iniciativa privada. Sem garantia de direitos, sob o risco de demissão, os terceirizados não podem reivindicar salários ou melhores condições de trabalho, o que ficou claro durante a greve dos três setores do ano passado, em que os funcionários efetivos se mobilizaram e conseguiram o reajuste salarial, enquanto os terceirizados não tiveram avanços em suas lutas, por impossibilidade de mobilização.
A precarização do Restaurante Universitário (RU) mostra-se primeiramente pelo quadro de funcionários, no qual constam apenas oito trabalhadores efetivos, sendo a grande maioria terceirizada. O próprio valor da refeição é diferenciado para estudantes e funcionários efetivos, estes pagando mais que aqueles, enquanto os terceirizados não possuem sequer este direito, comendo como visitantes, por um preço ainda mais alto. Além de tudo, as condições de infraestrutura da cozinha são insalubres, com temperaturas altas, pouco espaço de circulação, equipamentos precários e até irregulares.
As funcionárias da limpeza, cujo serviço é inteiramente terceirizado, enfrentam problemas desde o reduzido horário de almoço até o trabalho físico excessivo, além de desconfortos relacionados aos equipamentos de proteção individual, às roupas etc. O direito às vagas na creche também não as contempla, diferente de funcionários, discentes e docentes.
Assim como o serviço de limpeza, a segurança também é completamente terceirizada. Os trabalhadores correm diversos riscos, como, por exemplo, durante o período noturno, em que o campus se esvazia, tornando os bancos alvo de assaltos frequentes, cuja defesa não deveria ser parte de suas responsabilidades. Mais de 7 tentativas de assalto nos últimos anos mostraram a vulnerabilidade dos trabalhadores e o descaso da instituição em relação às rendições e agressões que sofreram durante tais tentativas. Recentemente, nas duas últimas ocasiões de assalto, após terem sido agredidos fisicamente, os funcionários foram obrigados a trabalhar no dia seguinte como se nada houvesse acontecido, tendo, inclusive, que comprar os seus próprios equipamentos de trabalho danificados durante o assalto. Frente a esses fatos, todas as medidas tomadas pela Direção mais uma vez se demonstraram ineficazes.
Diante de uma suposta crise orçamentária, é injustificável que a Direção tenha gasto dinheiro com a instalação de câmeras de altíssima qualidade (em alguns casos, substituindo câmeras já existentes) nos espaços de convivência do campus, além das salas de aulas. Pode parecer que essas câmeras tenham tido algum tipo de utilidade nos episódios de assalto mencionados, mas este não é o caso. As câmeras têm servido como mais uma forma de controle sobre os trabalhadores e os estudantes, especialmente os que se mobilizam. A escolha de privilegiar as câmeras em detrimento de reformas na Moradia Estudantil deixa claro quais são as prioridades da Direção.
Como a Diretoria lidou com a ocupação?
Perante todo este quadro, o ímpeto repressivo da Direção esteve claro desde o início, culminando em uma violenta reintegração de posse por parte da Polícia Militar e da Tropa de Choque na madrugada do dia 20 de Junho de 2014, às 4h30. Desde o dia da ocupação (29 de Maio), os esforços dos estudantes em conseguir reuniões com a Direção foram ignorados pelo diretor Arnaldo Cortina e pelo vice-diretor Cláudio Paiva e as pautas, negadas. A ação da Polícia Militar e da Tropa de choque foi extremamente violenta, constrangendo moral e fisicamente homens e mulheres, impedindo direitos como o de fazer ligações, comer e beber água. Os 15 estudantes foram acordados por um desproporcional contingente de homens armados (cerca de 150 policiais), e levados para a Delegacia de Polícia em um ônibus da companhia de transporte da cidade, CTA.
Além destes estudantes que foram presos, outros estudantes escolhidos a dedo pela direção da unidade foram somados ao grupo, totalizando 17 expulsos em processo administrativo interno da universidade. Esse processo teve embasamento no Estatuto em vigor na instituição, advindo da Ditadura Militar. O fato de as punições terem sido comunicadas aos estudantes no último dia de aula trouxe dificuldades para a mobilização de resposta, o que reforça o ímpeto repressivo.
Qual é o futuro da Universidade?
Não é por acaso que as punições se aplicam neste momento: o projeto já anunciado de privatização da universidade necessita do medo para ter caminho livre de implantação. Também neste ano, em Araraquara, o RU ficará fechado por no mínimo um ano para reforma, sem alternativa para a alimentação da comunidade acadêmica, obrigando as pessoas que estudam e trabalham na universidade a pagar por uma comida de 22 reais por quilo nas cantinas, ou a não comer.
Além disso, este ano a UNESP receberá também 25% de alunos cotistas, o que irá superlotar a Moradia Estudantil que não teve melhorias nem ampliação. A implantação das cotas é uma conquista das lutas dentro e fora da universidade por diversos Movimentos Sociais, como o Movimento Estudantil e o Movimento Negro. O governo do Estado e a burocracia universitária, contudo, tentam utilizar as vitórias populares contra o próprio povo. Se por um lado as cotas permitiram o ingresso de estudantes socioeconomicamente carentes na universidade, por outro, porém, não houve aumento das políticas de bolsa, moradia e permanência estudantil. Para poder acolher os ingressantes, o contrapeso da balança foi a exclusão de outros estudantes que também necessitam destas políticas.
A população excluída da Universidade não é, por acaso, a de origem pobre, negra e indígena – a exclusão é necessária para a reprodução do capitalismo. O ataque às políticas de permanência estudantil reflete as desigualdades estruturais de nossa sociedade, inerentes ao nosso sistema econômico. Durante um momento de crise econômica, como a que estamos vivenciando, empresas demitem seus trabalhadores, o serviço público é precário e a educação básica não tem investimentos, deixando professores sem trabalho e aumentando a precarização da educação.
A repressão contra os estudantes da UNESP, neste momento, é parte da repressão que também atingiu os metroviários em 2014 (mais de 40 demissões), a mesma repressão que prende e mata pessoas nas periferias do país todos os dias, que reprime militantes em manifestações pelo transporte público e gratuito, em manifestações decorrentes da crise da água que assola São Paulo, entre outros exemplos.
Sabemos que não somos os primeiros expulsos, visto a exclusão e marginalização histórica de todos os setores oprimidos deste espaço, como a própria classe trabalhadora e seus filhos no ensino público, os negros, indígenas e a comunidade LGBTT, das quais o acesso já é restrito, e mesmo que superado o filtro do vestibular, ainda sofrem com a precariedade das políticas de permanência estudantil, confirmando o caráter elitista da universidade pública. Vemos que neste momento necessitamos unir as lutas dos amplos setores da sociedade para que os patrões paguem pela crise e a repressão recue diante de nossas lutas!
Hoje, nós expulsos chamamos os setores em luta a se unirem contra estas expulsões arbitrárias e por um movimento que defenda as demandas da população pobre e trabalhadora deste país.
LUTAR NÃO É CRIME! PELA REVOGAÇÃO DAS 17 EXPULSÕES!
agência de notícias anarquistas-ana
ao seu voo rápido
borboletinha amarela
o mais é cenário!
Gustavo Terra
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!