Miriela Fernández
[Em 2014 Polikarpa y sus Viciosas voltou ao Rock al Parque. O festival, que nos anos noventa abriu as portas à primeira banda punk da Colômbia formada somente por mulheres, as recebeu outra vez, apesar de nesta ocasião “las Polas” completarem duas décadas de sua entrada na cena mais subterrânea do país. Entrevista com Sandra Rojas, baixista da banda.]
“Nós começamos em 94”, me diz Sandra. “Até esse momento a mulher era como um enfeite quando ia ao show, a namorada, a noiva. Mas nós queríamos romper com isso e fazer música. Por isso nos unimos em três garotas. Queríamos que no nome tivesse “sus viciosas” porque refletia um pouco de como éramos… mas precisávamos de algo mais. Começamos a buscar nomes e encontramos “Policarpa” [Salavarrieta], que muita gente conhecia e é um símbolo da luta das mulheres”.
Em fins dos anos setenta, a onda do punk penetrava rótulos e mídia. Alguns consideraram que os preceitos que tinham motivado seu surgimento se esvaiam. Daí que Crass, um grupo inglês com uma proposta muito politizada, afirmou com toda estridência que o punk tinha morrido. Contudo, como naquele momento e até hoje, não são poucas as bandas que nascem da filosofia libertária, anarquista, contra a comercialização midiática, a moda, o mercado e a discriminação, que fazem parte dos pressupostos primários e mais autênticos desta subcultura.
Para quem não conheceu Polikarpa y sus viciosas e não escutou “La heroína”, “Libertad”, “No al servicio militar”, “Machos” e outras músicas da banda, bastaria um breve passeio pela sala aonde transcorreu esta conversa para ter algum indício do que significa a música e a arte de Polikarpa… As fotos que remetem a festivais alternativos, lutas das mujeres, lutas ecologistas, não deixam dúvidas sobre a corrente do punk a que pertencem. Tampouco é por acaso que as primeiras palavras trocadas entre Sandra e eu tenham acontecido uns dias antes, a caminho da apresentação do livro Memorias sin mordaza, em Bogotá.
“Na Colômbia (me explica) o punk tem duas tendências: uma em que se faz música só por fazer e muitos encontram neste ritmo uma saída, uma forma de escape e só. E há outra tendência que é o anarcopunk, que se tornou muito mais política, mas construindo a partir da música também”. Sandra abre um parênteses. Parece necessário a ela ir às origens do punk colombiano porque marcou uma saída para as drogas e a violência. Porque desde o começo ajudou a mudar muitas coisas:
“O punk chega à Colômbia por Medellín em fins dos anos setenta, princípios dos oitenta, e o que estava imperando era o narcotráfico. Havia uma cultura de “sicariato” muito grande e o punk nesse momento salvou muitos garotos de virarem “sicários”. Muitos começaram através de sua música a dizer não queremos ser “sicários”, queremos outro tipo de proposta. E essa foi a intenção de Polikarpa…, que a música fosse um veículo político para poder transformar a partir do discurso e fazer também coisas diferentes… Estivemos trabalhando muito focadas em tudo o que acontece com esta violência tão dura, de tantos anos. Nossas letras tem a ver com toda esta realidade, e com o que acontece com as mulheres”.
– Você falou da busca pelo nome da banda, da lutadora independentista Policarpa Salavarrieta. O que encontraram nessa mulher?
Sandra Rojas: Policarpa é uma das primeiras mulheres realmente guerreiras neste país, que também estava como nós em um mundo muito masculino, no meio de uma luta muito masculina. Foi uma das poucas que tomou partido e começou a lutar por seus sonhos. E nos deixou esse discurso tão divino que fala de liberdade, que diz ao povo indolente, seu destino seria diferente se conhecesse o preço da liberdade. A partir daí decidimos começar a banda.
– Como dialogam com o amplo movimento de mulheres e feministas que existe hoje na Colômbia e com a diversidade de lutas que elas estão assumindo?
S. R.: Neste momento, sim, há um movimento muito grande. Muitas mulheres estão fazendo coisas impressionantes e nós com Polikarpa… temos nos aproximado muito delas. Sempre foi uma de nossas bandeiras. Musicalmente temos buscado resgatar um pouco da história desse movimento de mulheres que não quiseram nos contar.
Eu fui viver na Espanha faz 4 anos. Fui com meu companheiro Emilio e meu filho. Quando estava lá organizamos uma tour pela Europa. Foi muito interessante como durante os shows nós falávamos sobre a Colômbia, sobre o corpo das mulheres em meio à guerra. O lema da tour era sobre o que acontece com o corpo das mulheres, como se torna ganho de guerra. Sempre tentávamos fazer uma palestra, com um tradutor. Com isto muitas das pessoas que estiveram naquelas conversas nos acompanhando vieram para a Colômbia, se interessaram por esta realidade”.
Ninguém me disse explicitamente. Sandra tampouco o disse desta forma. Talvez porque não foi uma de minhas perguntas. Embora sem dúvida Polikarpa y sus viciosas seja parte da resistência das mulheres colombianas. Pelo tributo a Policarpa Salavarrieta, por suas temáticas, por ter vozes de outras em suas apresentações, mas também pela própria história da banda e como levaram para a prática a frase das feministas dos anos sessenta: “o pessoal é político”.
Polikarpa y sus viciosas abriu caminho em uma cena principalmente masculina. “Havia muitos que só iam nos ver porque éramos mulheres, mas para ver como estávamos vestidas, olhar nossas pernas e nos dizer coisas horrorosas. Nos manter foi duro. Muitos diziam: ´um grupo de mulheres, isso é uma bomba”, conta a baixista. Mas continuaram. Sandra, no baixo; Paola Loaiza, na bateria, fundadora também da formação; e Andrea Restrepo, na guitarra. “Teve outra garota antes da Andrea que depois saiu, comenta minha entrevistada. Com Andrea ficamos 17 anos. Nós três crescemos juntas. E embora haja momentos na vida que dedicamos a outras coisas, sempre foi maior a vontade de estar no grupo”.
Durante estes 20 anos, Polikarpa…também transcendeu os cenários próprios do punk: “Digamos que muito mais gente conhece Polikarpa, não são só punks. Porque como te dizia, temos trabalhado com diversos movimentos sociais, com o movimento de mulheres, mas também com sindicatos, com ex-combatentes do M-19”.
Os registros ficaram em um primeiro cassete bem no surgimento da banda, alguns singles, entre eles um com Defuse, “umas japonesas que tocam poderosamente”, diz admirada Sandra, um EP, um LP muito mais recente editado na Europa; tudo de forma independente: “Sim, fazemos de forma autogerida. Não nos interessa viver de Polikarpa.., nem ganhar dinheiro com isto. Tudo que gravamos disponibilizamos grátis. A banda é nosso espaço mais político e pronto”.
– Por essa condição circular da vida, 20 anos depois, as três integrantes de Polikarpa… voltam a estar juntas na Colômbia. O que vai acontecer agora?
“Queremos fazer um projeto muito mais amplo, mais coletivo, e trazer mais mulheres para que façam parte de Polikarpa… No “Rock al Parque” fizemos uma audiência pública. Nos juntamos a muitas mulheres, camponesas, mulheres do M-19, jovens, da Marcha (Patriótica), do Congreso de los Pueblos e criamos um palco para todas. Em outra apresentação usamos o tema do corpo como ganho de guerra e chamamos amigas, que foram fazendo grafites. Faltam muitos espaços na Colômbia para que as mulheres possam falar. Somos mulheres que querem se comprometer com a música que fazemos e que nossos shows sejam um espaço de expressão das mulheres”.
Os sentidos políticos do punk estão vivos. Polikarpa y sus viciosas segue com essa tradição, reivindicando para as mulheres, a si mesmas. Quando uma mulher escuta a banda, quando vê as fotos destas mulheres lutadoras e punks, quando analisa as convicções que emergem nesta conversa com Sandra, caem muitos mitos e mesmo se desvanecem as estreitas regras sociais por onde transita a vida de muitxs.
“Eu não poderia viver sem Polikarpa…, sem a música”, me comenta a baixista. E rápido me mostra um vídeo com seu filho Dante, que a acompanha em uma música. Antes tinha me falado de Paola e de sua experiência como integrante do grupo e mãe: “Nossa baterista tem um filho da mesma idade que a banda. Ela teve que guerrear sozinha, porque não tinha um companheiro. Então sempre íamos com um menino nas costas”.
O tempo passou, te digo, e entretanto a música de Polikarpa y sus viciosas me parece agora mais forte, mais radical. Sandra faz um breve silêncio, aperta os lábios, afirma com a cabeça olhando para frente. Logo vira sorridente e me responde: “No princípio era muito mais punk rock, com a prática e os anos vem a vontade de fazer mais coisas, mesmo que seguindo com o punk. Por isso estamos mais radicais, como diz. Agora temos muita vontade de fazer. Há muito por dizer, queremos fazer uma música com muito sentimento”.
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Tradução > Anarcopunk.org
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