Agência de Notícias Anarquistas - ANA
Browse: Home / 2015 / Abril / 01 / [Grécia] O primeiro mês do Syriza

[Grécia] O primeiro mês do Syriza

By A.N.A. on 1 de Abril de 2015

grecia-o-primeiro-mes-do-syriza-1

Há pouco mais de um mês que o Syriza ganhou as eleições e formou um governo. Um mês pode ser um período muito longo na crise grega, e o entusiasmo e a esperança que a vitória da coligação esquerdista trouxe parecem que tiveram lugar num passado já longínquo. As primeiras semanas do novo governo foram uma mistura de ação, inação, retirada e rendição, à medida que, tanto a Grécia como a Europa, foram habituando-se à nova situação.

A notícia da vitória do Syriza foi recebida com alegria por toda a esquerda europeia. Um partido anti-austeridade de esquerda tinha ganho as eleições com grandes propostas para mudar a Europa. Este entusiasmo foi moderado até certo modo pela coligação do Syriza com o partido de direita Gregos Independentes (ANEL, daqui para a frente). Esta coligação não foi uma surpresa, uma vez que os dois partidos, firmemente opostos às medidas de austeridade, já tinham mantido uma aliança informal durante algum tempo. Ainda que o ANEL tenha ficado com a importante pasta da Defesa, para já se mantém em segundo plano.

A formação de uma coligação com o ANEL foi um sinal de que o principal objetivo do novo governo era criar uma frente anti-austeridade para levar a cabo as negociações com a troika (FMI, UE, BCE). O Syriza foi eleito com a promessa de terminar com os memorandos, os infames acordos de resgate pelos quais o Estado grego foi obrigado a reger-se nos últimos cinco anos. O discurso do Syriza começava por proclamar o fim dos resgates e a morte da troika.

Partindo deste nível retórico, o discurso do Syriza foi perdendo força gradualmente nas semanas seguintes. A declaração de que a dívida grega seria cancelada foi rapidamente retirada. O carismático ministro das Finanças Yanis Varoufakis disse que 70% dos acordos de resgate eram bons e que só queria mudar os 30% restantes. Ainda que o Syriza tenha demonstrado a sua vontade de se retirar rapidamente das negociações com os líderes da UE, estes continuaram como se nada fosse. Em parte foi um movimento deliberado por parte da UE com o objetivo de pressionarem o Syriza a fazer maiores concessões e desta forma castigar o governo de esquerda do mesmo modo que um professor castiga um aluno indisciplinado.

Um momento de ligeiro pânico bancário na Grécia ajudou a que ambas as partes chegassem a um acordo. A troika não morreu, morreu apenas de nome. O Syriza acordou uma extensão do anterior resgate por quatro meses, momento em que se chegará a um novo acordo. O Syriza conseguiu algumas poucas concessões menores como a redução no objetivo do superavit primário e a possibilidade de redigir algumas das suas próprias reformas. As palavras do acordo também mudaram, como por exemplo, a troika não é nomeada, mas à parte disso o articulado do acordo implica o mesmo que ia ser implementado pelo governo anterior. Apenas em poucas semanas o Syriza passou da posição de ir acabar com os resgates a estendê-los.

A principal diferença significativa entre o Syriza e os anteriores governos quanto aos acordos de resgate é que o Syriza poderá implementar as medidas acordadas tendo a popularidade a seu favor. A guerra de palavras entre o governo e os líderes da UE durante as negociações avivou o orgulho nacional num país acostumado a que os seus políticos se submetam docilmente às exigências da troika. Ainda que haja dúvidas quanto à dimensão desse apoio, o governo do Syriza é, neste momento, um governo popular e foi inclusive capaz de convocar uma manifestação a favor do governo, um fato quase inaudito na Grécia. No entanto, o mal estar nunca está muito longe; a rendição frente à troika está a provocar disputas dentro do Syriza e não está ainda claro que o acordo venha a ser sujeito a aprovação no Parlamento.

Umas das razões que explicam a popularidade do Syriza é o seu uso perfeito do simbolismo. Os primeiros dias do novo governo viram muitos gestos simbólicos destinados a criar a impressão de um novo começo. Pela primeira vez um primeiro-ministro fazia um juramento civil em vez de um religioso. Foram retiradas as cancelas que rodeavam o parlamento durante os últimos anos. A polícia também foi contida. Durante uma manifestação antifascista foi dito aos anti-distúrbios para que se sentassem e observassem, enquanto se permitia aos manifestantes inclusive pintar as viaturas policiais (aparentemente os polícias ficaram “confusos e indecisos”). Na mesma manifestação, há um ano, a polícia reprimiu e perseguiu os manifestantes até no interior do metrô.

Este simbolismo precoce teve como objetivo mostrar uma ruptura com o passado, mas as medidas que se seguiram mostraram uma continuidade com as práticas anteriores. O Syriza propôs e elegeu Prokopis Pavlopoulos como presidente da República. Pavlopoulos representa a velha ordem da política grega: foi um alto dirigente da Nova Democracia e ministro do Interior durante as revoltas de Dezembro de 2008. A sua escolha representa mais uma reconciliação do que uma ruptura com a velha ordem.

A parte do simbolismo e as negociações sobre a troika, outra das ações do Syriza teve também um grande impacto positivo. Depois de mais um suicídio no campo de detenção de imigrantes em Amygdaleza um ministro do Syriza visitou o centro e ordenou a libertação dos detidos. Até agora muita gente já foi libertada da rede de campos de detenção de imigrantes que há por toda a Grécia e espera-se que mais sejam libertados. Outras medidas poderiam acabar com os piores abusos que o estado grego comete com os imigrantes.

Outras promessas pré-eleitorais ou caíram ou não se concretizaram. O destino da controversa mina de ouro em Skouries é incerto, já que o Syriza parece avesso a atuar com determinação contra um dos poucos grandes investimentos estrangeiros na Grécia. Como compensação pela extensão do resgate prevê-se que sejam feitas muitas privatizações, em vez de serem suspensas. A promessa da restauração do salário mínimo tem que esperar por 2016 para acontecer.

O Syriza enfrenta agora o mesmo problema que enfrentaram os anteriores governos gregos: como implementar as medidas de austeridade que decorrem dos impopulares resgates. Sua popularidade atual, impulsionada por vários gestos simbólicos, ajudará neste processo. Mas depois de tanto se ter esperado que o Syriza acabasse com a austeridade, este retrocesso vai decepcionar muitos. Na última quinta-feira algumas centenas de manifestantes desfilaram em Atenas e enfrentaram a polícia nos primeiros distúrbios de pequena escala sob o governo do Syriza. Ainda que insignificantes, estes distúrbios mostram que nem todos querem seguir o caminho do Syriza.

Fonte: editorialklinamen.net/el-primer-mes-de-syriza

agência de notícias anarquistas-ana

Silêncio de outono.
Nem o grito do carteiro…
cochicho de folhas.

Anibal Beça

Compartilhe:

Posted in Mundo, Opinião | Tagged Grécia, Syriza

« Previous Next »

Sobre

Este espaço tem como objetivo divulgar informações do universo anarquista. Notícias, textos, chamadas, agendas…

Assine

Leia a A.N.A. através do feed RSS ou solicite as notícias por correio eletrônico através do endereço a_n_a[arroba]riseup.net.

O blog também possui sua versão Mastodon.

Participe

Envie notícias, textos, convocatórias, fotos, ilustrações… e colabore conosco traduzindo notícias para o português. a_n_a[arroba]riseup.net

Categorias

  • América Latina
  • Arte, Cultura e Literatura
  • Brasil
  • Discriminação
  • Economia
  • Educação
  • Espaços Autônomos
  • Espanha
  • Esportes
  • Geral
  • Grécia
  • Guerra e Militarismo
  • Meio Ambiente
  • Mídia
  • Mobilidade Urbana
  • Movimentos Políticos & Sociais
  • Mundo
  • Opinião
  • Portugal
  • Postagens Recentes
  • Religião
  • Repressão
  • Sexualidades
  • Tecnologia

Comentários recentes

  1. Raiano em [Espanha] Encontro do Livro Anarquista de Salamanca, 8 e 9 de agosto de 202526 de Junho de 2025

    Obrigado pela traduçao

  2. moésio R. em Mais de 60 caciques do Oiapoque repudiam exploração de petróleo na Foz do Amazonas9 de Junho de 2025

    Oiapoque/AP, 28 de maio de 2025. De Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque – CCPIO CARTA DE REPÚDIO…

  3. Álvaro em Mais de 60 caciques do Oiapoque repudiam exploração de petróleo na Foz do Amazonas7 de Junho de 2025

    A carta não ta disponível

  4. Lila em “Para os anarquistas, é a prática que organiza a teoria.”4 de Junho de 2025

    UM ÓTIMO TEXTO!

  5. Lila em [Espanha] IX Aniversário do Ateneu Llibertari de Gràcia4 de Junho de 2025

    COMO FAZ FALTA ESSE TIPO DE ESPAÇO NO BRASIL. O MAIS PRÓXIMO É O CCS DE SP!

Copyleft © 2025 Agência de Notícias Anarquistas - ANA. RSS: Notícias, Comentários