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Morre nos EUA Judith Malina: Ela sonhava com um teatro revolução e fez esse teatro até ao fim

By A.N.A. on 13 de Abril de 2015

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Por Gonçalo Frota

Em Fevereiro de 2013, pondo fim à mais longa permanência do Living Theatre num mesmo espaço nova-iorquino, o grupo era “despejado” de Clinton Street. Mais de seis décadas depois de Judith Malina e Julian Beck terem fundado a sua companhia de teatro, a essência continuava tão marginal quanto sempre havia sido. Aos 88 anos, Malina era ainda movida pelo mesmo “sonho de uma bela revolução anarquista não-violenta”, apresentando na noite de despedida desse espaço Here We Are, uma peça que afirmava a ineficácia de um sistema político montado sobre a ideia da democracia representativa. Judith Malina morreu aos 88 anos na passada sexta-feira [10 de abril – em Englewood, Nova Jérsei, nos Estados Unidos]. O seu sonho não – continua vivo, depositado nas mãos do seu filho Garrick Beck e dos restantes sucessores na direção do Living Theatre.

Mesmo com um estado de saúde tão fragilizado quanto as finanças do grupo, Malina encontraria ainda forças para estrear, em 2014, a sua derradeira criação, Nowhere to Hide. Prova de uma vontade férrea em fazer vingar a sua visão utópica de um teatro implicado política e socialmente, Malina carregaria a missão do Living Theatre depois de perder os seus dois companheiros – Beck morreu em 1985, Hanon Reznikov, seu segundo marido, desapareceu em 2008.

A notícia da morte de Malina na Lillian Booth Actor Home, devido a uma doença pulmonar, foi divulgada pelo jornal The New York Times. Embora seja naturalmente tentador recordar a marca de atriz de Malina na série Os Sopranos ou nos filmes Os Dias da Rádio, de Woody Allen, ou Um Dia de Cão, de Sidney Lumet, a grande obra da sua vida seria o trabalho constante com o Living Theatre, fundado em 1947.

A experiência de Ouro Preto

Animado por uma postura de contra-cultura e de revolução da linguagem teatral, propondo-se libertá-la do palco, levando-a para as ruas, o Living Theatre pautou-se desde o início por uma relação de confrontação com todo o tipo de convenções, nomeadamente quebrar o mais possível a fronteira entre atores e público, entre ficção e realidade, entre arte e política. Exemplo máximo dessa visão teatral terá sido Paradise Now, espetáculo que causou um sério impacto em Sérgio Godinho quando o viu em Genebra em 1969, onde então estudava. “Fiquei impressionado com aquela experiência de teatro bastante inovadora, feita de fragmentos, porque não era uma peça no sentido convencional”, lembra o músico.

Pouco depois, na sequência de vários encontros em Paris quando Godinho integrava o elenco do musical Hair, o Living Theatre convidá-lo-ia a juntar-se-lhe em Ouro Preto, no Brasil, onde se iriam apresentar num festival de teatro. “Nessa altura já tinham feito uma ruptura com o teatro de salas, queriam fazer um teatro de rua e assumidamente anarquista e de agitação”, diz o músico português, justificando o porquê de não ter hesitado em embarcar com a sua companheira, Sheila Charlesworth, a caminho do Brasil. A companhia preparava nesses dias de 1971, em pleno período de ditadura militar no país, um espetáculo em apoio aos trabalhadores da multinacional canadense de alumínios Alcan. O teatro fazia-se, afinal, onde eles estivessem. Era vivo nesse sentido – não se desligava depois da saída do palco. Aliás, o palco tinha sido eliminado para que o teatro existisse sempre.

No entanto, acabariam todos presos em Belo Horizonte devido a uma ação de extrema-direita no primeiro dia do festival. “Primeiro, fomos acusados de subversão e de posse de maconha. Estivemos presos dois meses e acabamos por ser expulsos do Brasil depois de uma grande contestação internacional [liderada por nomes como Susan Sontag e Jean-Paul Sartre], embora tenhamos sido absolvidos”, recorda Godinho.

A garra de Judith

“É impossível falar da Judith sem falar do Julian”, argumenta Sérgio Godinho. “Mas a Judith era fantástica e tinha mais afinidade com ela do que com o Julian, porque era uma judia nova-iorquina com sentido de mordacidade e extremamente culta, sempre ligada às teorias mais avançadas do teatro, sobretudo do Piscator.” Nascida na Alemanha, em 1926, Malina mudou-se com a família para Nova Iorque e foi precisamente com Erwin Piscator que se formou como atriz e encenadora. A sua vida ficaria marcada pelo encontro com o pintor expressionista Julian Beck. A estreia da companhia deu-se em 1951, com Dr. Faustus Lights the Lights, de Gertrude Stein, tendo seguido depois para autores como T. S. Eliot. Jean Cocteau ou William Carlos Williams.

Em 1977, o crítico de arte e programador Ernesto de Sousa chamou a companhia para a histórica exposição Alternativa 0, na Galeria de Arte Moderna, em Belém, tendo apresentado três performances em Lisboa e seguido depois em digressão para Coimbra e Porto, onde montaram o espetáculo Sete Meditações sobre Sado-Masoquismo Político.

Em cada momento, de profunda convicção na revolução social pelo teatro, “a garra da Judith Malina determinou todo aquele nervo que o Living Theatre teve”, acredita Sérgio Godinho.

Fonte: publico.pt

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Quietos, no jardim,
mãos serenadas. Na tarde,
o som das cigarras.

Yberê Líbera

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