[Com mais de um mês e meio de atraso, devido à ordem de intervenção de correspondência que pesa sobre ela, recebemos a seguinte carta de Noelia Cotelo, uma espécie de manifesto dos motivos e reivindicações da greve de fome que manteve durante 37 dias, desde 23 de março até 30 de abril, quando a deixou sem haver conseguido satisfação a nenhuma de suas reivindicações, com a ideia de preservar suas forças físicas e mentais para enfrentar o duplo julgamento que a espera em 29 de maio próximo, no qual a promotoria pede até 7 anos de cárcere. A publicamos porque contém reflexões interessantes, porque Noelia e a pluralidade de gente a que vão dirigidas tem direito a que sejam transmitidas e porque as reivindicações que proclama e as situações que denuncia todavia estão em vigor, tanto em seu caso particular como nos de muita gente presa nos cárceres do Estado espanhol.]
Quarta-feira, 8 de abril de 2015
Saúdo a todxs xs compas que lutam contra esta sociedade repressiva carcerária e pela destruição de seu atual sistema de dominação capitalista.
Companheirxs, estava já algum tempo sem poder me comunicar diretamente com vocês, sobretudo com a rocha do Tokata, devido a que depois de mais de 7 anos presa e sempre classificada em primeiro grau (atualmente em 91.3) por minha ideologia anárquica e minha forte personalidade insubmissa e antiautoritária, os capangas da IIPP e do Ministério do Interior decidiram incluir-me no FIES-5 em dezembro do ano passado, porque jamais duvidei em amotinar-me, fazer planos, fazer greves de fome, “chinarme” ou tentar destroçar o máximo possível suas malditas “macro-jaulas de extermínio” cada vez que acreditei necessário reivindicar por algum motivo determinado ou em solidariedade com algum companheirx em luta, apesar de que isso me valeu um incremento de minha condenação inicial de 7 anos aos 14 anos que estou cumprindo atualmente e tendo todavia pendentes de acontecer dois julgamentos-farsa no próximo 29 de maio aqui em Ávila, onde querem dar-me a pequena cifra de 7 anos mais; não vou considerar se sou culpada ou inocente, porque só suas leis são meus delitos, só sua apodrecida (in) justiça burguesa é nossa prisão…
E mais, creio firmemente que quem se cala e se submete às aberrantes leis que pretendem impor-nos estes verdugos idólatras do fascismo sem atrever-se a questioná-las está se conformando e de um modo ou outro é cúmplice de tudo o que sucede nestes “centros de extermínio e experimentação humana” ao cair na derrota que supõe a submissão. O maior inimigo de umx presx é o abuso de poder com que se produzem todas as injustiças e estas continuarão existindo enquanto haja presxs que se calam ao temer alçar a voz e colocar-se ante as mesmas. Quantos companheirxs mais tem que pagar com suas vidas o preço de rebelar-se e lutar por todxs xs demais presxs? Quantos casos mais como os de Dopico, Gavioto ou Volvo, que apareceu morto em “estranhas mas evidentes circunstâncias” por atreverem-se a lutar e serem fieis a suas ideias libertárias, tem que suceder para que se ponha pedra nas pilhas e se leve a sério a luta anticarcerária? Quantos compas como Javi Guerrero Carvajal terão que jogar sua própria vida fazendo greves de fome, até hoje, 110 dias para não deixar-se pisotear pela Administração, conquistar seus direitos e gerar debate no Movimento Libertário e no povo em geral, para gerar consciência social e que todxs xs presxs sejamos capazes de contribuir com nosso grão de areia numa luta que nos beneficia a todxs xs que estamos presxs e a xs que no dia de amanhã também o estarão? A verdade é que não compreendo a atitude de muitos dos que anos atrás lançaram a campanha de C=T mas que hoje, quase 4 anos depois, esses bons propósitos se tornaram uma cortina de fumaça; assim como tiro o chapéu ante todxs aquelxs que continuam permanecendo fieis a nossa luta e a nosso belo ideal.
Eu pessoalmente sempre me defini e declaro abertamente anarquista, inimiga do poder, inimiga de toda figura de autoridade e portanto de toda a Oligarquia Governamental (Estado-Monarquia-Parlamento) e de seu putrefato sistema Capital de morte e dominação; motivos que também foram utilizados contra mim pela IIPP e o Ministério do Interior não só para incluir-me no FIES-5 senão também para interditar todas as minhas comunicações e limitar-me as cartas a duas semanais que posso enviar, por ter um forte apoio e uma grande afinidade com grupos anarquistas a nível internacional. Por isso não posso contactar com vocês tanto como desejaria nem expressar-me cem por cento, mas se algo me ensinou a vida, é que o caminho se faz caminhando, ser anarquista não se demonstra com palavras, se demonstra com atitudes! Ao levar à práxis e materializar nosso belo Ideal Libertário. Não obstante, farta de ver e padecer injustiças que desde o eixo central da maquinaria punitiva do Estado, “o cárcere”, estão sofrendo vários companheiros nas mãos de seus verdugos e de comprovar como voltam até mim as represálias por minha ideologia ácrata de advogar e promover a destruição total desta “Sociedade Repressivo-Carcerária” e de seus instrumentos punitivos de domínio em prol da libertação total dos indivíduos, decidi rebelar-me de novo e voltar a alçar a voz mediante uma Greve de Fome Indefinida que comecei em 23 de março passado, com base às seguintes Reivindicações, disposta a levá-la até o final:
Que me devolvam meus pertences sequestrados pelo cárcere, que me foram tirados da cela de forma arbitrária e sem nenhuma motivação aparte de haver regressado a 91.3: roupa, determinados produtos de asseio, livros de leitura e estudo, rádio.cd, televisor e demais pertences. Unicamente me permitem ter na masmorra: 6 mudas completas de roupa, 6 conjuntos de roupa íntima, 2 pares de tênis ou sapatos, toalha, gel, xampu, desodorante e pasta de dentes.
Que me permitam continuar com meus estudos na UNED e me facilitem o material necessário para isso; Direito ao estudo que antes tinha e desde que em 17 de fevereiro regressei a 91.3, me negam de forma consecutiva.
Basta já da manutenção de graus perpétuos e encobertos com tecnicismos legalistas de IIPP; que me progridam ao segundo grau ou no mínimo me voltem a classificar em primeiro grau, segunda fase, 91.2 e me leve de novo ao módulo verde com minhas companheiras.
Fim dos FIES: que me exclua do FIES-5 imposto em dezembro do ano passado.
Nós xs presxs somos pessoas e temos Direitos; direito a uma vida digna, Direito à Intimidade, Direito ao Segredo das Comunicações. Que nos anule a Intervenção de Comunicações e a limitação a duas cartas semanais a todos xs presxs que nos vemos privadxs desses Direitos por padecer uma Intervenção que nos vulnera.
Que devolvam a permissão de saída ao companheiro Javi Guerrero Carvajal, do qual tiraram de forma arbitrária após tê-lo aprovado simplesmente por ser um preso em luta e com a desculpa de escutar música em um discman emprestado. Recordemos que Javi está a mais de 110 dias em Greve de Fome Indefinida, intercalada com greves de sede, teve que ser operado dos rins por múltiplos problemas renais originados por sua Greve de Fome e padece flebites em uma perna que tem completamente inchada pelos problemas renais. Se à Administração e ao CP de A Lama não importa a vida de nosso companheiro, a nós sim! E queremos vê-lo são, vivo e livre o quanto antes possível.
Que se investigue a morte em “estranhas condições” de nosso companheiro Borja Martín Gómez (aliás, Volvo) no cárcere de A lama em 6 de março passado; cabe recordar que também em A Lama apareceu morto em estranhas circunstâncias nosso companheiro e colega Gavioto no ano passado e tampouco se investigou sua morte.
Fim das Torturas e dos Maus Tratos na prisão. Basta já de tanta impunidade e silêncio administrativo! Que se investiguem todas e cada uma das denúncias feitas por Maus Tratos na prisão.
Liberdade imediata para nosso querido e irredutível Txema Pirla e para José Antúnez. Os quais estão 32 e 40 anos na prisão respectivamente e já deveriam ter sido postos em liberdade faz vários anos, ao superar o limite máximo de 20 ou 25 anos fixados no Código Penal em seu artigo 76.
Que sejam postos em liberdade todos os enfermos crônicos ou incuráveis; o cárcere adianta o processo acelerando a enfermidade e provocando assim mortes que se poderiam evitar com um correto tratamento no exterior e rodeados do calor de sua família. Ao cárcere se vem para cumprir uma “condenação temporária”, mas no caso de uma pessoa enferma se está juntando uma Condenação à Morte. Não queremos mais mortes na prisão.
E já para despedir-me, compas, dizer que me parece uma ideia fenomenal a criação da CACT para gestar e coordenar melhor as ações dentro-fora, fortalecer os vínculos entre nós xs companheirxs que participamos na campanha tanto entre nós mesmxs como com xs que estão no exterior e sobretudo para que haja uma maior rapidez e eficácia na hora de atuar quando algum compa o necessite. Não obstante, também devo dizer que lamentavelmente a nós que somos FIES e/ou estamos interditadxs tarda muitíssimo mais em chegar-nos a informação e temos ainda maior dificuldade para contactar com vocês pelo que gostaria de propor que nos casos em que vocês advirtam a existência dessa maior dificuldade para contactar, longe de tirar a toalha pensando que vosso correio não nos chegará, insistam todavia mais! Antes ou depois o receberemos; aparte, atualmente na zona d Ávila não existe nenhum grupo de apoio próximo e uma estratégia efetiva para garantir a existência de uma comunicação fluída seria aumentar a criação de grupos de apoio para que existam em cada província ou comunidade e que voltem a passar-nos mensalmente ou trimestralmente a lista de em que cárcere se encontra cada compa para que não percamos o contato entre nós devido às difusões. Pessoalmente tenho cerca de seis meses ou mais a lista de participantes.
Venham, compas, com meus melhores desejos de saúde e liberdade envio um fraternal e combativo abraço desde Ávila.
Tradução > Sol de Abril
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