Em meados do século passado configurou-se um cenário nos países centrais, em que, pela primeira vez na história, desenvolveram-se sistemas de proteção social de caráter universal, assim como uma incipiente mobilidade social que permitiu a alguns setores da classe trabalhadora “abandoná-la”, para passar a fazer parte das “classes médias”. Estes dois elementos funcionaram como um poderoso anestésico que estabilizou o conflito social e evitou o questionamento das bases do sistema capitalista.
Hoje, este cenário se transforma em drama: as “classes médias” intuem sua próxima proletarização, enquanto que cada vez é maior o espaço da exclusão, ocupado pelos setores trabalhadores, precários ou sem emprego, jovens e imigrantes. Ao mesmo tempo, os sistemas de proteção social se deterioram, privatizam e desmantelam, e se restringe seu acesso precisamente aos mais desfavorecidos, de forma que a assistência sanitária de qualidade já não está garantida, se questiona sua utilização pelos anciãos, se exclui aos imigrantes; o acesso a uma educação formal desvalorizada já não garante mobilidade social de nenhum tipo; no máximo, o acesso a um trabalho (=exploração) extremamente precário.
Paralelamente, a crise energética e ambiental, esquecida nos últimos anos ao colocarem no primeiro plano os cortes econômicos e suas repercussões, não fez mais que agudizar-se, sem esquecer que vem acompanhada do próximo esgotamento dos combustíveis fósseis, dos minerais estratégicos e de outros recursos básicos indispensáveis para a manutenção do perdulário modelo de produção e consumo imperante, anunciando o declive de uma sociedade da abundância que o capitalismo prometia ser infinita e que hoje sabemos que dará lugar, inevitavelmente, a espaços de incerteza, ainda que também de esperança.
É neste cenário que surgem movimentos e partidos que tratam de reproduzir a mensagem de que o problema reside na gestão, em um suposto ataque dos mecanismos da “democracia representativa”, e se oferecem para gestionar o desastre, ocultando que o problema é o próprio sistema. Mas, afortunadamente, todavia subsistem grupos antagônicos ao sistema capitalista em âmbitos como o sindicalismo, o antidesenvolvimentismo, o ecofeminismo, etc., cujo denominador comum é o rechaço ao modelo social imperante, as práticas de trabalho horizontal e a esperança de construir espaços de autogestão. No entanto, a maioria das vezes atuamos parcialmente e de costas uns aos outros.
Ante esta situação, ativistas de diferentes setores, conscientes da imperiosa necessidade e do crescente interesse existente por encontrar pontos de colaboração entre estes diversos grupos, coletivos e indivíduos que se movem à margem das propostas de colaboração institucional ou eleitoralistas (todas elas a curto prazo), fazemos um chamado para um encontro estatal onde debater as possibilidades de confluência e/ou coordenação.
Dado que partimos de realidades muito diferentes, e de que o capitalismo já impregna todos os espaços vitais, tornando praticamente impossível para a grande maioria das pessoas “desertar” dele, devemos recobrar a humildade, reconhecer que ninguém tem a verdade nem a resposta para tudo, separar as diferenças e propor-nos como obrigação o imenso mas gratificante trabalho de conseguir a confluência, para poder enfrentar, nas melhores condições possíveis, a situação de desastre, deterioração ecológica e falta de cobertura das necessidades básicas, e recuperar territórios e instrumentos que permitam gestionar horizontalmente os espaços mais próximos. E queremos construir este espaço de encontro e de trabalho partindo das experiências já existentes, com as colaborações de todas as pessoas que estão na luta diária. Estamos obrigadas a consegui-lo. Todas nós fazemos falta.
Correio eletrônico de contato: laapuestadirecta@gmail.com
Tradução > Sol de Abril
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