Por Walter de Guadalupe
É sexta-feira, 17 de julho [de 2005], o relógio marca 16h30, e fortes raios de sol esquentam as ruas de Medallo. Entre o ruído, fumaça, prédios, carros, ruas, pessoas, shoppings, tombos, semáforos, caminhamos até a inauguração de um espaço cultural anarquista chamado “El Hormiguero” (O Formigueiro). Chegamos no bairro de Niquitao. Atravessamos o portal e vemos silhuetas andando apressadamente com objetos à mão: martelo, vassoura, panos, pratos. Saudações e uma pergunta nos traz à atmosfera do lugar. Camaradagem, nervosismo e alegria se confundem perante aqueles que vão de um lado para outro… “trouxemos bolos de legumes. Onde o colocamos? – na cozinha ao lado da salada”. Vou na cozinha e, antes de cruzar o limiar que me liga a este mundo de sabores e cheiros, li uma frase na parede que diz: “comida é seu alimento e alimento seu medicamento”, acho que foi escrito por um amigo grego de Sócrates. Passo o umbral pensando sobre a frase e nos tóxicos com que as multinacionais envenenam a nossa comida e a terra e vejo um monte de comida pronta. Cruzo o olhar com um camarada que vê em meu rosto o espanto antes tantas delícias, e imediatamente me lança o olhar e convida-me a provar um ceviche vegetariano, ainda o saboreio.
Já são 17h. Rapidamente, como formigas, trabalhando cooperativamente em um propósito comum, nos juntamos ao grupo que trata de mover um ou outro móvel pensando no conforto daqueles que se aproximam para a atividade de abertura. A casa se enche de pessoas pacientes que se acomodam ao ritmo da música de fundo. “18h30, chegou a hora.” Companheiros, companheiros sejam bem-vindos ao Formigueiro!
Esta é uma crônica sobre a abertura do espaço cultural anarquista O Formigueiro, localizado no Cr 44 N° 41 a 44 em Niquitao, bairro de Medellín. Isto não é uma história jornalística como gosta a grande mídia e amantes da neutralidade. Pelo contrário, é uma releitura de uma atividade, é crítica, nada neutra. Ela não poderia ser diferente, é escrito por um anarquista.
A festa da autonomia e da liberdade.
Toma-se confiança, levanta-se e se leva um papel à altura do ombro. Começa dizendo: “Hoje, esta casa não é só nossa, porque mais do que isto é um convite e uma desculpa para colocar juntos os passos para a liberdade e autonomia que cria os nossos caminhos, e que não pertencem a ninguém”. E termina: “…por isso como uma fissura no poder que pretende invadir todos os cantos do nosso ser coletivo e individual, nasce um espaço para construir mais ideias e gerar um encontro de faíscas que podem causar um incêndio.” É por isso que surge O Formigueiro, um território libertário, sem egoísmo ou especialistas, um espaço para colocar em prática os princípios que vão contra as frenéticas sociedades desenvolvidas”. Estas palavras ecoaram nos meus ouvidos como um convite para construir, a partir de minha prática libertária, novas formas e nuances contra qualquer mecanismo de opressão gerada pela autoridade. Os/as anarquistas frente às novas e sofisticadas formas de controle social, fazendo que renunciássemos as possibilidades de outros mundos onde construímos nós mesmos e que definimos nossos próprios horizontes em pensar e agir, colocamos a prática da liberdade, a ajuda mútua, a horizontalidade, a solidariedade e a autonomia. É por isso a abertura do Formigueiro é uma festa que nos convida para dançar, para expandir e criar bases sólidas contra o poder e a dominação. Entre outras características, isso determina e dá vida a um espaço cultural anarquista. Que siga a festa!
Depois destas palavras, de forma ruidosa e estridente, alguns camaradas malabaristas, que renunciaram a todas as formas de trabalho assalariado, nos deliciaram com um número de circo. Entre risos, aplausos e uma e outra expressão de espanto, a energia libertária se apoderava de todos os cantos da casa. Não satisfeitos com o que os esperava a noite, os camaradas que participam deste espaço nos convidaram para degustar um prato de comida requintada que havia se recuperado de um grande centro de coleta de comida da cidade. Neste momento, as pessoas se dispersam para comer, falar, estender as palavras de encorajamento e solidariedade para com aqueles que assumem a responsabilidade e o compromisso de levantar, ante o turbilhão de exploração e opressão, um pequeno espaço de anticultura autoritária. Neste ponto é necessário parar a nossa análise para mencionar que os anarquistas desta cidade estão construindo uma cultura política e identidade própria. Um rápido olhar para a atividade de inauguração e se percebe bastante dessa cultura em plena conformação. Ao contrário das correntes de esquerda em nossa cidade que tem uma infinidade de organizações com uma cultura política e de uma identidade forjada no calor de décadas de luta, os anarcos estão forjando essa cultura no calor da prática. Levantamos outras formas de organização: grupos de afinidade. Entendemos os grupos de afinidade como uma unidade política, primeiro que o indivíduo, que pode ser composto por mais de duas pessoas ou até aonde o coletivo possa chegar. É uma organização horizontal, não hierárquica, e é assim que seus membros se relacionam e que as decisões são tomadas. Por isso chama a atenção que durante o desenvolvimento da atividade não se observou a existência de um comitê organizador que predomina sobre os outros. Foi visível como as coisas foram coordenadas entre os vários: unx na cozinha, otrxs na musica – videos, unxs na oratória, otrxs adequação e asseio. Essa tem sido uma característica do anarquismo crioulo que, para estes momentos, se reclamava vivo. Onde estão aqueles que iniciaram o caminho?
Finalmente, se compartilhou um néctar de maracujá e se passou a fazer um brinde. Sim, um brinde. Levantamos os copos e, com palavras de encorajamento, comemoramos a abertura do Formigueiro. Esta história não termina, pelo contrário começa sua jornada ao longo dos caminhos tortuosos do poder.
Estas letras são dirigidas aos meus amigos/as do Formigueiro que seguem criando dúvida e olhares críticos e rebeldes contra a sociedade autoritária. Para aqueles que constroem utopias e acreditam em outros mundos desde a liberdade e a autonomia.
Nos vemos no Formigueiro.
casaelhormiguero.blogspot.com.br
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
Meu violão me intriga
Morre de tanto rir
quando lhe coço a barriga.
Alvaro Posselt
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!