Quando eu falo em “democradura” e/ou do livro “1984” (de George Orwell) para tratar das “democracias” capitalistas na atualidade, muitos “democratas” vem me acusar de exagero e/ou de “atitude reacionária e não científica”.
Agora, cada vez mais, o que eu digo está se demonstrando claramente diante de todos. Não será mera coincidência que tanto no Brasil como na Europa militantes anarquistas sejam os principais alvos das políticas de exceção que estão cada vez mais se afirmando nos países “democráticos”, bem como não será coincidência também que o perfil dos grupos sociais colocados sob suspeita nas “democracias” venha sendo tão alargado que comporta praticamente qualquer um que, como define a lei do Estado de Urgência francês, ofereça “razões sérias para pensar que seu comportamento constitui uma ameaça para a segurança e a ordem públicas”.
E também não será mera coincidência que os métodos utilizados pelas forças da “ordem” sejam tão arbitrários, tanto no Brasil quanto na Europa, como aconteceu no Rio de Janeiro com o processo dos 23 (a maioria anarquistas) que foram enviados para penitenciárias por presunção de que pudessem vir a participar de protestos violentos durante a Copa e como está acontecendo agora na França, quando a polícia está prendendo pessoas simplesmente por participarem de sindicatos anarquistas.
A única surpresa para mim é o fato de que a polícia francesa cometa tantas “gafes” quanto a brasileira, quando por exemplo, aquela tenta cumprir mandatos de prisão em casas de pessoas que já não moram lá há um bom tempo (enquanto a brasileira, semelhantemente, arrolou um teórico anarquista do Século XIX – Mikhail Bakunin – no citado processo dos 23).
Mesmo aquilo que parece ser algo muito mais surpreendente, o fato de que, em nome da garantia da conferência pelo clima [COP21], a polícia francesa esteja prendendo praticantes da agricultura orgânica (justamente o tipo de agricultura ecologicamente correta!), não me surpreende porque, afinal, essa democradura cada vez mais escancarada visa somente uma coisa: proteger os interesses das grandes empresas capitalistas – e a agricultura orgânica é “concorrente” e crítica da agricultura industrial -, em detrimento dos interesses do conjunto da sociedade.
E assim, é preciso enviar para TODOS os cidadãos realmente críticos do sistema – anarquistas ou não -, esse “recado” de que a partir de agora, cada vez mais, as polícias podem inventar qualquer coisa, por mais incrível que pareça, para “tirar de circulação” aqueles que ousam enfrentar a “Matrix”. É sobre as estratégias que vem levando os cidadãos em geral a aceitarem este estado de coisas “de bom grado” – e até “pedirem mais” – que trata o vídeo “A Doutrina do Choque” (ver aqui: https://www.youtube.com/watch?v=_Q7X5pYKi00).
Não é à toa que temos visto tantos “choques” sociais ultimamente, como também não é à toa que temos visto tantos grandes “espetáculos” (como a COP, ops, a COPA).
E nenhum dos governantes “socialistas” que está participando desta COPA (ops, desta COP) questiona minimamente toda esta crescente onda autoritária – pelo contrário, estão todos lá, se regozijando na COP em Paris… Por que será…?
Trechos de matéria publicada na edição do Jornal “Le Monde” desta Sexta Feira 27 de Novembro, sob o título “Les militants de la COP21, cibles de l’état d’urgence” – “Os Militantes (ambientalistas) da COP 21, Alvos do Estado de Urgência”:
“Quelques jours avant l’ouverture de la COP21, dimanche 29 novembre, 24 militants écologistes ont été assignés à résidence dans toute la France. Selon nos informations, au moins six personnes ont été assignées à résidence à Rennes, ainsi qu’un membre de l’équipe juridique de la Coalition Climat21, qui rassemble 130 associations, organisations non-gouvernementales et syndicats. Les policiers ont également tenté de notifier cette mesure à plusieurs personnes à Rouen et à Lyon sans parvenir à les trouver. Des perquisitions ont eu lieu à Ivry-sur-Seine (Val-de-Marne) et… chez des maraîchers bios de Dordogne.”
“Alguns dias antes da abertura da COP 21, Domingo 29 de Novembro, 24 militantes ecologistas foram intimados em suas residências por toda a França. Segundo informações, ao menos seis pessoas foram intimadas em suas residências em Rennes, como também um membro da equipe de advogados da Coalizão Clima 21, que reúne 130 associações, organizações não governamentais e sindicatos. Os policiais intentaram notificar igualmente esta determinação a muitas pessoas em Roen e em Lyon sem chegarem a lhes encontrar. As buscas têm acontecido em Ivry-sur-Seine (Val-de-Marne) e… Entre os condutores de agricultura orgânica de Dordogne.”
“La loi du 20 novembre sur l’état d’urgence autorise l’assignation à résidence d’une personne s’il existe « des raisons sérieuses de penser que son comportement constitue une menace pour la sécurité et l’ordre publics ». La Coalition climat 21 a protesté samedi contre des « abus manifestes » et demandé aux autorités d’y mettre fin immédiatement. « Nous, organisations de la société civile, (…) sommes convaincues que nous ne parviendrons pas à endiguer le réchauffement climatique en renonçant à nos libertés et à nos droits fondamentaux », écrit la Coalition dans un communiqué.”
“A lei de 20 de Novembro sobre o Estado de Urgência autoriza a intimação na residência de uma pessoa se existe “razões sérias para pensar que seu comportamento constitui uma ameaça para a segurança e a ordem públicas”. A Coalizão Clima 21 protestou Sábado contra os “abusos manifestos” e solicitou às autoridades que coloquem um fim nisto imediatamente. “Nós, organizações da sociedade civil, (…) somos convencidos que não chegaremos a parar o aquecimento climático renunciando a nossas liberdades e direitos fundamentais”, escreveu a Coalizão em um comunicado.”
“…Mardi 24, plusieurs intellectuels ont ainsi lancé, dans Libération, un appel à « braver l’état d’urgence » et l’événement « Marche mondiale pour le climat (appel à la désobéissance) » créé sur Facebook réunissait, vendredi, 4 700 participants.”
“…Terça-Feira dia 24, muitos intelectuais lançaram assim, no Libération, um apelo a “enfrentar o Estado de Urgência” e eventualmente “marchar pelo clima (apelo à desobediência)”, criado no Facebook e que contava, na Quarta-Feira, com 4700 participantes.”
“Au squat du Massicot, à Ivry-sur-Seine, le réveil a été plus « mouvementé » que d’ordinaire. « Vers 8 heures, jeudi, un ami ouvre la porte, il se fait menotter. Puis deux flics braquent leur arme sur moi et me disent “à genoux !” » « Regroupés dans un coin de la pièce sur un canapé », les squatteurs assistent aux investigations. « Ils devaient être une trentaine de policiers. Ils ont fouillé partout, vidé les placards, soulevé les lits, cherché dans nos papiers. Mais ils n’ont rien trouvé. » L’un des dix habitants, Koné D., 35 ans, est le seul à être placé en garde à vue. « On m’a posé des questions sur la COP21. On m’a demandé si on allait recevoir des blacks blocs dans le squat, si j’allais à la manif de dimanche. » Il est relâché « vers midi ou 13 heures », un peu « traumatisé.””
“No Squat [1] de Massicot, em Ivry-sur-Seine, o acordar foi mais “movimentado” que normalmente. “Por volta das 8 horas, na Quinta-Feira, um amigo abre a porta, ele foi algemado. Depois dois tiras apontam suas armas sobre mim e me dizem ”de joelhos”! “Colocados em um canto da sala sobre uma poltrona”, os squatters assistem às investigações. “Eles deviam ser uns trinta policiais. Eles exploraram por todo lado, esvaziaram os armários, reviraram as camas, investigaram em nossos papéis. Mas não encontraram nada.” Um dos dez habitantes, Koné D., 35 anos, é o único a ser detido. “Me perguntaram sobre a COP 21. Se se iria receber black blocs no Squat, se eu iria à manifestação de Domingo.” Ele foi liberado “entre o meio-dia e às 13 horas”, um pouco “traumatizado.””
“COP21 toujours: en Dordogne, mercredi, à 7 heures, les forces de l’ordre ont perquisitionné la ferme d’un couple de maraîchers bios.”
“Ils nous ont parlé de la COP21, persuadés de viser dans le mille. L’un des gendarmes nous a demandé : “La COP21, les sommets européens, les manifestations pour l’environnement, ça ne vous dit rien ?”, raconte Elodie. Puis ils nous ont demandé si on avait des bombes ou des armes.En fait, ils ne savaient pas trop ce qu’ils disaient…”
Membre de la Confédération nationale du travail, un syndicat d’inspiration anarchiste, la cultivatrice fait partie des premières militantes à avoir occupé Notre-Dame-des-Landes pour protester contre le projet d’aéroport. « C’était il y a trois ans et c’était le seul truc tangible qu’ils avaient ! Depuis, nous avons ce maraîchage, j’ai un enfant de 2 ans… » Ordinateurs, téléphones portables, tout y passe : « Ils ont branché des machines sur mon téléphone, ils m’ont dit que c’était un logiciel pour détecter des mots-clés. Mais je ne sais pas ce qu’ils ont fait des données… » Ses carnets ont été compulsés. Une inscription « Bruxelles » attire l’attention des enquêteurs. « Mon mari a tout simplement habité là-bas. Je leur ai dit : “Sérieusement, on a été perquisitionnés parce qu’on fait partie l’extrême gauche et vous vous mettez maintenant à imaginer un lien avec l’islamisme radical ?”
“COP 21 ainda: em Dordogne, Quarta-Feira, às 7 horas, as forças da ordem procuraram a mulher de um casal de condutores de agricultura orgânica.”
“Eles nos falaram sobre a COP 21, persuadiram a olhar nos milha (faróis?). Um dos policiais nos perguntou: “A COP 21, a cúpula europeia, as manifestações pelo meio ambiente, isto não lhes diz nada?”, conta Elodie. Depois, eles nos perguntaram se tínhamos bombas ou armas. De fato, eles não sabiam muito o que diziam…”
“Membro da Confederação Nacional do Trabalho (a CNT), um sindicato de inspiração anarquista, a cultivadora faz parte das primeiras militantes a ter ocupado “Notre-Dame-des-Landes [2] para protestar contra o projeto do aeroporto. “Foi a três anos e era a única coisa concreta que eles tinham! Depois, nós temos esta agricultura orgânica, eu tenho um filho de dois anos…” Computadores, celulares, tudo isso: “Eles ligaram máquinas em meu telefone, eles me disseram que era um programa para detectar palavras-chaves. Mas eu não sei o que eles fizeram com as informações…” Suas agendas foram olhadas. Uma inscrição “Bruxelas” chama a atenção dos investigadores. “Meu marido simplesmente morou lá. Eu lhes disse: “Sinceramente, somos procurados porque fazemos parte da extrema-esquerda e vocês se põem agora a imaginar uma ligação com o islamismo radical?!””
“Le texte des arrêtés réserve des surprises. Pour l’un des militants, il est ainsi évoqué une « participation aux manifestations violentes anti-NDDL [aéroport de Notre-Dame-des-Landes] du 22 février 2014 à Nantes », alors qu’il n’a jamais été inquiété par la police ou la justice à ce sujet, et une « participation active aux manifestations violentes à l’encontre de la police à Pont-de-Buis (Finistère), les 23, 24, 25 octobre 2015 », alors qu’il peut établir qu’il n’y était pas. Des recours devant le tribunal administratif devaient être déposés, vendredi 27 novembre.”
“O texto das prisões reserva surpresas. Para um dos militantes, ele evoca uma “participação nas manifestações violentas anti NDDL [aeroporto Notre-Dame-des-Landes], em 22 de Fevereiro de 2014 em Nantes”, mesmo que ele não tenha jamais sido perturbado pela polícia ou a justiça a respeito deste assunto, e uma “participação ativa nas manifestações violentas contra a polícia de Pont-de-Buis (Finistére), nos dias 23, 24, 25 de Outubro de 2015”, mesmo que ele pôde demonstrar que ele não estava lá. Recursos ante o tribunal administrativo devem ser colocados, Sexta-Feira 27 de Novembro .”
“L’improvisation est encore plus flagrante dans d’autres villes de France. A Rouen, la police s’est présentée dans un appartement que les personnes assignées n’occupaient plus depuis plusieurs mois. A Lyon, plusieurs policiers en civil ont débarqué vers 18 heures dans une maison en colocation pour délivrer une assignation à résidence à un homme qui n’habitait plus là depuis près d’un an. La situation s’est tendue lorsque les forces de l’ordre ont souhaité inspecter la maison.”
“Le petit jeu a duré vingt minutes, explique l’un des habitants du logement. Ils nous disaient : “On sait pas si c’est pas vous, il y a des gens en haut, on veut aller vérifier. On fait juste notre travail.” On leur a répondu que s’ils voulaient faire leur travail, ils pouvaient tout simplement appeler la caisse d’allocations pour vérifier les adresses.”
“Des renforts ont été appelés, puis, après un coup de fil reçu par l’un des policiers, les fonctionnaires ont battu en retraite. Sans plus d’explications.”
“O improviso é ainda mais flagrante em outras cidades da França. Em Rouen, a polícia se apresentou em um apartamento onde as pessoas intimadas já não o ocupavam há muitos meses. Em Lyon, muitos policiais em trajes civis desembarcaram às 18 horas em uma casa de uma colocação [3] para entregar uma intimação na residência de um homem que não morava mais lá há quase um ano. A situação se estendeu quando as forças da ordem quiseram inspecionar a casa:”
“O joguinho durou vinte minutos, explica um dos habitantes do alojamento. Eles nos diziam: “não se sabe se são vocês, há pessoas em cima, se vai verificar. Fazemos apenas nosso trabalho”. Nós lhes respondemos que se eles queriam fazer seu trabalho, eles poderiam apenas ligar para a Caixa de Distribuições [4] para verificar os endereços.”
“Reforços foram chamados, então, após uma ligação telefônica recebida por um dos policiais, os funcionários bateram em retirada. Sem maiores explicações.”
[1] Squat: centro cultural e comunidade anarquista que se constitui a partir da ocupação de algum prédio abandonado.
[2] Nome de uma imensa área de reserva ambiental situada no território da cidade de Nantes e que está em risco de ser destruída devido a um projeto do governo “socialista” de François Hollande para construir o que deverá ser o maior aeroporto de toda a Europa. Desde então, uma comunidade de militantes anarquistas de vários países europeus se estabeleceu dentro da reserva, para resistir às tentativas do governo de devastar a área, e a partir daí tem havido diversos conflitos entre essa comunidade e as forças da “ordem” que tentam desalojá-los para abrir caminho à construção do aeroporto.
[3] Colocação: habitação com vários quartos onde cada um deles é alugado para uma pessoa diferente, geralmente, estudantes.
[4] Caixa de Distribuições: órgão do governo que presta apoio financeiro para aluguéis “sociais”.
P.S.: E lembremos que a “Lei Anti Terrorismo” no Brasil já está a caminho…
Eis o link para a matéria completa:
Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira
Doutor em Ciências Sociais
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