A Dinamarca, como a maioria dos países da Europa e o próprio Brasil, não permite o uso, o cultivo ou o comércio de maconha. Uma parte do país, no entanto, vive uma realidade à parte. Criada em 1971 em um bairro de Copenhague, Christiannia é uma “cidade livre” que funciona como sociedade alternativa em que a erva circula livremente. Lá vive o CSC, Christiannia Sports Club, que leva os conceitos da região para os campos de futebol do país nórdico.
O clube é a representação esportiva de Christiannia, hoje um dos maiores pontos turísticos da Dinamarca. A área que serviu como quartel do exército na Segunda Guerra Mundial foi abandonada pelos militares e posteriormente ocupada por uma comunidade hippie, anarquista e libertária que se estabeleceu ali por meio de ocupações.
O consumo de maconha na região é aberto e estimulado. A cidade livre se intitula o “Green Light District” de Copenhague, referência ao famoso Red Light District de Amsterdã, bairro boêmio da cidade onde a droga é legalizada. No CSC, como em toda Christiannia, o uso é mais que liberado. Do presidente aos torcedores, passando pelos jogadores, todos podem usar a droga. Para os atletas, só há uma única regra.
“Quando eu entrei aqui, há uns sete, oito anos, o pessoal fumava no intervalo. Era o tempo todo. Hoje a gente se reúne duas horas antes. Quem quiser, fuma na primeira meia hora. Depois, temos 1h30 de concentração em que ninguém pode fumar”, conta John van der Klein, ex-jogador e hoje técnico do time.
Americanos bem famosos já deram força ao time
“You Will Never Smoke Alone” (“Você nunca fumará sozinho”), diz a inscrição na camisa do CSC. Trata-se de uma referência ao “You Will Never Walk Alone” (Você nunca caminhará sozinho”) eternizado pela torcida do Liverpool. Outro sucesso entre os fãs é o “Joint us”, trocadilho entre a expressão “join us”, que significa “Junte-se a nós” e a palavra “joint”, que significa um cigarro de maconha em inglês.
“Nós temos até o apoio de alguns famosos. Há alguns meses o Snoopy Dogg [rapper americano] jogou uma partida em Copenhague com a nossa camiseta. Bono Vox já esteve aqui com o resto do U2, assim como o Woody Harrelson [ator americano]”, diz Jon Hojrup, membro da diretoria do clube.
Para os próximos meses, o time planeja uma expansão. “Vamos ter uma nova sede fora de Christiannia. Vamos poder usar o local como base e guardar nosso material. Com esse novo espaço vamos poder ter equipes de base, que hoje não temos porque entendemos que esse não é uma espaço para crianças, “avalia Jan Hojrup, referindo-se ao esfumaçado bar, lotado na tarde de um dia de semana com membros bebendo e fumando maconha.
A conexão com a comunidade e os visitantes é forte, e a mistura entre futebol e maconha atrai interesse de visitantes estrangeiros e da mídia. O CSC costuma levar mais de cem pessoas aos seus jogos, número raro para um time amador.
O CSC nunca estava em melhor posição na história
O CSC nasceu em 1982. As cores desde sempre foram vermelho e amarelo, as mesmas de Christiannia. O nome adotado, no entanto, foi Christianshavn (bairro que abriga Christiannia), porque os fundadores temiam não ser autorizados a jogar a liga local pela relação com a “cidade livre”.
Eles entraram na Liga de Copenhague e nunca mais saíram. O sistema do futebol dinamarquês é parecido com o inglês e o alemão, em que a partir da quinta divisão os clubes atuam apenas regionalmente. O CSC, desde sua fundação, joga apenas na capital. Depois de ter passado por várias divisões do futebol da cidade, hoje eles estão pela primeira vez na divisão principal, a um acesso da quarta divisão nacional.
“É nossa melhor posição na história. Além do nosso time principal, temos um time B, um time de veteranos e dois times femininos, todos jogando a Liga de Copenhague em divisões inferiores. Temos membros que pagam mensalmente para que o clube possa sobreviver e estamos querendo abrir uma nova sede fora de Christiannia”, diz Jan Hojrup, membro da diretoria do CSC que conversou com o UOL Esporte.
A organização não fica só no discurso. A sede oficial do CSC fica fora de Christiannia, mas uma visita ao local mostra apenas um prédio comum da capital Copenhague, sem nenhuma referência ao clube exceto alguns cartazes coloridos. Um morador do local, questionado sobre o assunto, explica a confusão. “A sede de verdade não é aqui. É em Christiannia. Tudo sobre Christiannia fica em Christiannia”, diz ele , com um sorriso no rosto.
“É o endereço da casa do presidente. Ele, como a maioria de nós, não mora aqui em Christiannia, que é uma comunidade muito restrita”, diz o técnico do CSC. Os campos de treinamento, assim como os jogadores e os funcionários, não ficam na cidade livre. Como outros clubes dinamarqueses, o CSC usa instalações públicas para seus treinos e jogos.
A polícia nunca conseguiu acabar com a Christiannia
Christiannia foi, ao longo dos anos, palco de diversos conflitos com a polícia. A questão mais recorrente e sensível diz respeito ao consumo de drogas, já que a maconha que é vendida abertamente na região é apenas tolerada pelo governo dinamarquês. O problema é que as autoridades nunca conseguiram, após mais de 40 anos da criação da comunidade, retomar a área à força, e hoje tolera a situação.
A “cidade livre” virou uma atração de Copenhague, que promove Christiannia e, obviamente, lucra com o local. Uma visita à luz do dia mostra que a comunidade não é exclusiva para jovens aventureiros. Grupos de senhoras, pais acompanhados dos filhos e trabalhadores dinamarqueses dividem espaço com os cerca de 800 moradores, que vivem em barracões com pouca infraestrutura.
O local tem área de convivência, tendas de venda de lembranças de Christiannia e food trucks, além de museus da cidade e várias pequenas galerias de arte. Em uma rua isolada, a maconha é vendida ao ar livre e pode ser comprada por qualquer pessoa. No fim do ano, os moradores e visitantes mais frequentes ainda montam uma mini feira de Natal, com artigos especiais para a época.
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