Por Rogério Lima
No dia 2 de abril de 1890 chegaram a Palmeira os primeiros imigrantes italianos. Era um grupo com seis pessoas: Giovanni Rossi, evangelista Benedetti, Lorenzo Arrighini, Giacomo Zanetti e o casal Cattina Benedetti e Achille Dondelli. Vieram para dar vida e fazer a história de uma comunidade anarquista chamada Colônia Cecília, instalada em uma área adquirida junto ao recém constituído governo republicano brasileiro. A data da chegada dos italianos é um marco histórico e deveria ser lembrada anualmente, pois marcou o início da primeira, única e conhecida internacionalmente experiência de comunidade anarquista da América. Quando se completam 126 anos do acontecimento, neste 2 de abril de 2016, em Palmeira acontece o 3º Simpósio sobre a Colônia Cecília, que deve ter a participação de historiadores e pesquisadores de pelos menos quatro estados brasileiros, interessados em conhecer mais e melhor o episódio e suas repercussões. O evento que poderia ter agregado outro tão importante quanto acaba sendo descolado da inauguração do Memorial Anarquista. Realizada no dia 31 de março, a inauguração ficou esvaziada da presença de mais gente interessada bem mais no fato histórico do que no ato. Por conta da decisão das autoridades, lideranças que o anarquismo abomina, os dois eventos acabaram separados. Uma pena fazer a inauguração do Memorial em uma tarde de dia útil, quando o trabalho cotidiano impede a presença de muitos a um ato que merecia ser amplamente mais solene e prestigiado. Paciência! Como o anarquismo não vigora como regime social, as autoridades mandam e quem pode teme ou obedece.
Os anarquistas de Palmeira, da Colônia Cecília, após extinta a experiência de comunidade em que homens e mulheres viveram livres de leis e de chefes, trabalhando segundo a vontade de cada um e ganhando segundo a necessidade de cada um, levaram para o Brasil e para outras parte do mundo seus ideais e sua luta pela igualdade e pela justiça. Um exemplo importante, porém pouco conhecido, foi a luta pelo estabelecimento de leis e normas trabalhistas que culminou na greve geral de 1917 que fez parar fábricas e serviços em vários estados. Muitos anarquistas originários da Colônia Cecília participaram da organização destes movimentos e da preparação das reivindicações: direito de associações para os trabalhadores; que ninguém fosse demitido por envolvimento com a greve; abolição do trabalho para menores de 14 anos; sem trabalho noturno para os menores de 18 anos; abolição do trabalho noturno feminino; aumento entre 25% e 35% nos salários; pagamento dos salários a cada 15 dias; garantia de trabalho permanente; jornada de oito horas e semana inglesa e aumento de 50% em todo trabalho extraordinário. O desespero dos patrões era tamanho diante dos prejuízos que aumentavam a cada dia de greve que prontamente acataram quase todas as reivindicações integralmente e as demais gradativamente. Graças à ação dos anarquistas, os trabalhadores brasileiros começaram a falar e a ser ouvidos e atendidos pelos patrões.
A ousadia dos anarquistas em defender os trabalhadores custou a morte de muitos e a prisão de outros, inclusive com expulsão do país daqueles que era estrangeiros, entre estes alguns cecilianos ou descendentes dos italianos que viveram a experiência da Colônia Cecília. Mesmo assim, não deixaram de acreditar nos ideais anarquistas e continuaram sua ação em outros lugares do mundo, sempre lutando pela igualdade e pela justiça social.
Hoje, é certo que a absoluta maioria dos trabalhadores brasileiros que vivem sob a proteção de leis trabalhistas, que garantem a eles inúmeros direitos, não têm ideia de como começou a luta para que isso fosse conquistado. Talvez não saibam que antes da ação dos anarquistas as jornadas diárias de trabalho chegavam a 16 horas, sem direito a descanso semanal, sem férias, sem hora extra, sem licenças para tratamento de saúde e para gestantes, sem idade mínima para trabalhar – crianças de sete ou oito anos de idade trabalhavam nas fábricas e usinas como se fossem adultos, nas mesma condições e expostas a riscos de acidentes. Os acidentes, por sinal, eram vistos como rotina e os acidentados não tinham qualquer cobertura ou remuneração pelo tempo em que estivessem obrigados fisicamente a ficarem parados. Os inválidos, além de perder o emprego perdiam os ganhos e ficavam em casa esperando a morte chegar. Se tudo isso mudou é porque houve um anarquista para acender o estopim que deflagrou as mudanças.
Passados 126 anos da chegada dos anarquistas a Palmeira para movimentar a Colônia Cecília e seu sopro para tornar realidade a utopia, trabalhadores tiveram que aceitar a decisão das autoridades em promover a inauguração do Memorial Anarquista em um dia sombrio para a história do Brasil, sem qualquer ligação com a história da Colônia Cecília e impeditivo para aqueles que têm obrigações a cumprir em seu trabalho, como é o meu caso. Quem dera fosse em 2 de abril e seria possível exibir o orgulho de viver no município que sediou a comunidade anarquista que é referência internacional e vê-la estampada em painéis distribuídos em uma praça que tem a forma do poderoso símbolo de resistência e luta contra a opressão do homem pelo homem.
Fonte: http://oblogdorogeriolima.blogspot.com.br/2016/03/inauguracao-do-memorial-anarquista.html#more
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!