Acaba de ser lançado no Rio de Janeiro (RJ) o livro “Teoria Política Anarquista e Libertária”.
S i n o p s e
No Brasil, os “manuais” de teoria política englobam apenas teóricos que a Ciência Política conservadora resolveu definir como clássicos. Nesta perspectiva, incluem-se aqueles que defendem e justificam os alicerces centrais do capitalismo, bem como, defendem, a seu modo, a estabilidade política e de poder, sem grandes preocupações com a desigualdade econômica e social, seja na Antiguidade Clássica, na Idade Média, na Época Moderna ou Contemporânea. Este time é composto por muitos gregos, medievais e principalmente pelos modernos: tais como Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Tocqueville, Burke, Stuart Mill, Hegel, Weber e diversos outros. Existem inúmeras diferenças entre estes autores, mas em comum nenhum deles coloca como prioridade a emancipação da classe que vive do trabalho, mas em paralelo, defendem com todo o vigor a existência de um Estado que governe a sociedade. Eles divergem sobre o caráter do Estado, mas nunca vislumbram a sua negação. Portanto, a teoria política moderna faz uma idolatria do Estado, sendo entendida por nós como estadolatria.
Por outro lado, diversos pensadores que tinham inclusive a atividade revolucionária como “profissão”, desenvolveram teses com metodologias próprias para superar a sociedade da desigualdade, da alienação e da exploração que não são sequer lembrados.
Objetivando preencher uma lacuna editorial brasileira, o livro que o leitor tem em mãos busca subsidiar reflexões teóricas e práticas a partir de alguns dos principais clássicos do pensamento anarquista e libertário. Assim, propomo-nos a trazer à tona teses de pensadores que dedicaram suas vidas para a transformação da sociedade com vistas a finalizar a exploração do trabalho alheio, garantir uma vida igualitária para todos e acabar com as diferenças entre as classes sociais, possuindo uma crítica contundente ao Estado e ao capitalismo. Isto por si só já justificaria o livro como uma homenagem a verdadeiros lutadores pela emancipação popular.
Porém, para além disso, apostamos na pujança de suas teses, metodologias e críticas às desigualdades produzidas pelo sistema do capital. Assim, a publicação almeja apresentar para alunos de graduação e pós-graduação bem como para trabalhadores em geral um mapa das principais argumentações dos autores anarquistas/libertários. É claro que não se propõe a substituir a leitura propriamente das obras dos autores, mas estimulá-los a lê-los. O livro tratará de autores anarquistas e libertários de diferentes correntes. Já podemos adiantar que o eixo comum de todos é a crítica radical do capitalismo e do Estado. Muitas semelhanças aparecerão, mas também existem diferenças. As críticas ao capitalismo, a maneira de fazer a revolução e a forma de organização da sociedade pós-revolucionária foram objetos de grandes polêmicas entre os revolucionários. Portanto, com vistas a facilitar o entendimento do leitor, coube aos autores acentuar as propostas idiossincráticas de cada revolucionário. Os autores são militantes acadêmicos e/ou sociais especialistas no assunto.
A obra é centrada nos textos que serviram de base para o Curso de Extensão em Teoria Política Anarquista e Libertária, realizado pelo Observatório do Trabalho na América Latina, do Departamento de Ciência Política, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ durante o histórico ano de 2014. Este ano foi marcado por protestos em todo o país contra o contexto da realização da Copa do Mundo no Brasil e o projeto excludente de cidade que acompanhou este megaevento. Aos protestos se seguiram inúmeras prisões e perseguições políticas por parte do Estado. É importante salientar este contexto no qual os textos que se seguem foram produzidos, tento em vista deixar claro para o leitor sua relação direta com a prática política. Muitos dos presos e perseguidos foram nossos alunos ou professores e esperamos compartilhar um pouco, no que se segue, os valores e ideais que animam nossa luta. Isso deve ser suficiente para mostrar, ao mesmo tempo, que não se trata de uma perspectiva vazia de conteúdo, quanto para deixar claro que nossa luta não é de hoje, não é apenas nossa, é a luta de muitos e muitas que pensaram e se engajaram em outras épocas na construção de uma sociedade igualitária e livre de opressões, e que também foram perseguidos e criminalizados por isso.
O primeiro capítulo consiste em uma introdução ao pensamento de Joseph-Proudhon, um dos principais teóricos do federalismo e do anarquismo revolucionário. O texto é centrado na maneira como a teoria do valor trabalho permitiria chegar a uma nova concepção de sociedade, fundada na teoria da mutualidade e da reciprocidade. Com isso, explicita-se também a maneira inextrincável como o anarquismo concebe a relação entre teoria e prática, não sendo jamais a teoria uma mera explicação adequada do real, mas também (e necessariamente) um modo de construir a sociedade.
O segundo capítulo é dedicado àquele que talvez seja, em seu bicentenário, o pensador anarquista mais conhecido e influente ao longo da História. Apesar disso, Bakunin ainda é muito pouco estudado na academia. O artigo retoma a biografia revolucionária de Bakunin, o contexto de produção de suas obras e sua atuação no interior da AIT. A partir disso, alguns dos seus principais conceitos e contribuições teóricas são explicitados. Inicialmente, encontramos a exposição da sua defesa do materialismo ontológico e sociológico. Com base nesta perspectiva, ressalta-se os elementos do desenvolvimento da sua dialética serial antinômica de Proudhon, diferenciando-a tanto da dialética tricotômica de Hegel, quanto do materialismo histórico de Marx. Em seguida, explicita-se em que medida Bakunin argumenta que toda defesa do Estado será sempre, em maior ou menor grau, teológica. Finalmente, expõe-se a estratégia para o programa revolucionário anarquista por meio da prática e pela experiência concreta. Deste modo, o sistema federativo é apresentado como base para a luta revolucionária sem separação fundamental entre meios e fins.
O terceiro capítulo é um resgate do pensamento anarco-comunista de Kropotkin, mostrando como sua obra baseia-se centralmente na crítica ao capitalismo dominado politicamente pelo Estado e economicamente pelo sistema salariado. A abordagem ressalta as relações da proposta com o contexto atual e sua importância para pensarmos as lutas presentes. Em um primeiro momento, estabelece-se a relação entre a obra e a militância de Kropotkin. Segue-se uma discussão sobre a possibilidade de uma organização horizontal e que não seja primariamente abstrata. Com isso, abre-se espaço para a introdução das principais posições defendidas por Kropotkin: o mutualismo, em contraposição à “luta de todos contra todos” e ao individualismo; sua recusa ao valor mensurado pelo salário, que acarreta sua crítica à divisão social do trabalho e ao sistema salariado e o direito básico à expropriação, em contraposição à propriedade privada liberal. O texto conta ainda com uma muito clara explicação da distinção entre aqueles que seriam os princípios básicos em disputa ao longo da história da humanidade de acordo com Kropotkin: a liberdade e a coerção. Associando a coerção ao papel exercido pelo Estado, Kropotkin argumenta em favor da independência da sociedade em relação ao Estado.
O quinto capítulo segue com a discussão do anarco-comunismo e dedica-se à crítica à autoridade e ao estatismo desenvolvida por Nestor Makhno no contexto da Revolução Russa. Este é um capítulo fundamental para a abordagem e discussão da organização militar do Exército Insurgente da Ucrânia, a Makhnovitina e para a compreensão da defesa da necessidade de uma aliança entre campo e cidade no processo revolucionário. O texto defende ainda a tese de que o anarco-comunismo não constituiu, enquanto fenômeno histórico e teoria, uma “corrente” dentro de um “movimento anarquista”. O anarco-comunismo surgiria como outra teoria política no momento posterior a destruição da Comuna de Paris, e a desarticulação das seções da Internacional e da “Aliança” – organização anarquista da qual participava Bakunin.
O sexto capítulo dedica-se à abordagem do pensamento político de Errico Malatesta visando expor continuidades e permanências de seu pensamento no período de sua produção, que se estende dos anos 1870 aos anos 1930. Primeiramente, desenvolve-se uma breve exposição da vida do autor e do ambiente político em que ele esteve inserido juntamente com seus principais interlocutores. Em seguida, uma discussão teórico-epistemológica é desenvolvida, distinguindo-se ciência de doutrina/ideologia e, assim, métodos de análise e teorias sociais do anarquismo, noção que será aplicada à própria exposição do pensamento malatestiano. Finalmente, elementos teórico-metodológicos para a análise social são debatidos, chegando-se à concepção de anarquismo e posições estratégicas de Malatesta.
O sétimo capítulo visa estabelecer paralelos entre o pós-estruturalismo francês de Michel Foucault e o anarquismo, esclarecendo, de modo introdutório, em que medida Foucault pode contribuir para o pensamento libertário na atualidade. Para tanto, apresenta-se inicialmente o contexto no qual sua obra se desenvolve, particularmente a importância de maio de 68 para a virada de seu pensamento, e alguns aspectos metodológicos de sua Filosofia descontínua. Em seguida, explica-se algumas das principais noções da sua segunda fase de pensamento, que permitem a relação com as propostas anarquistas e também o link com o contexto atual que vivemos, particularmente, são analisadas as noções de ‘biopolítica’; ‘racismo de Estado’ e ‘Estado Policial’. Em seguida, apresentam-se as críticas ao Estado Policial e perspectiva da ‘contraconduta anarquista’. Finalmente, esta última noção fornece já a base para o desenvolvimento de uma discussão sobre a presença ou não de uma “ética libertária” no período final da Filosofia de Foucault.
O oitavo capítulo resgata a raiz libertária do pensamento de Simone Weil. Partindo da sua admiração aos gregos, o texto foca suas críticas ao Estado e à representatividade política. Weil teria se oposto a toda existência de um vértice de poder que governasse exteriormente o conjunto da sociedade, se colocando, assim, explicitamente contra os partidos políticos tradicionais. Além disso, o texto mostra como Weil denunciou de forma implacável a confiança operária no maquinismo, o que só poderia ser um caminho não apenas decepcionante, mas que contribuiria para o aprisionamento dos trabalhadores, fosse qual fosse o regime político instaurado.
O nono e último capítulo analisa um artigo do linguista norte-americano Noam Chomsky, Objetividade e pensamento liberal. Este texto, produzido a partir de conferências realizadas por Noam Chomsky em universidades norte-americanas entre 1966 e 1967, evidencia a assertiva denúncia chomskyana acerca da atuação ideológica e legitimadora dos intelectocratas daquele país ao poder imperial dos EUA nos anos de Guerra Fria. O capítulo resgata as reflexões do linguista e militante libertário norte-americano Avram Noam Chomsky a respeito da relação entre intelectuais e poder político. O texto permite, com base nos escritos de Chomsky, refletir acerca do papel e “responsabilidade” dos “homens de letras” e da “objetividade” do pensamento liberal que conduziram à adesão maciça de segmentos da intelligentsia norte-americana ao corolário e apoio à intervenção do governo daquele país no conflito do sudeste asiático. Trata-se de uma exegese dos escritos de Chomsky sobre o “madarinato” exercido por boa parte da intelectualidade, ao fornecerem apoio irrestrito à política externa dos EUA que possibilita traçar paralelos importantes com o discurso de boa parte dos intelectuais em outros contextos hoje.
Editora Via Verita
Quanto R$ 40,00 (326 págs.)
Contato editorial@viaverita.com.br
agência de notícias anarquistas-ana
sopro na orelha
você olhou assustada
a cara do nada
Marland
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!