No final dos anos 60, disse Kapik Sikalabai, ela decidiu que ignoraria a proibição e tatuaria suas pernas. O comandante da polícia, Nikodemus Siritoitet, notou as novas tatuagens durante uma de suas visitas ao lar dos Kapiks na floresta. Ele a puniu a forçando a cultivar a terra, sem remuneração, sob sol forte durante uma semana.
“Eu me senti miserável”, ela disse. “Nunca mais tive coragem de fazer outra tatuagem.”
Reimar Schefold, um antropólogo holandês que viveu entre os mentawai no final dos anos 60, teve seus próprios atritos com Siritoitet, que era contra a pesquisa dele sobre a vida tradicional da tribo.
“Foi uma época em que grande parte da herança antiga foi destruída”, disse Schefold. “Quando realizavam rituais, a polícia vinha e queimava seu equipamento tradicional, ‘a queima dos ídolos’, como a chamavam.”
A campanha de conversão forçada se aprofundou durante os primeiros anos da ditadura de direita de Suharto, que temia que famílias como os Kapik que não abraçavam uma religião aprovada pelo Estado estariam mais suscetíveis à influência comunista.
Apenas depois de turistas ocidentais começarem a pagar para visitar os povos indígenas, nos anos 90, é que o governo reconheceu as vantagens comerciais de permitir que os mentawai tradicionais vivessem livremente. Àquela altura, toda uma geração foi criada sem os elementos fundamentais da vida tradicional.
Hoje, segundo o antropólogo mentawai Juniator Tulius, apenas cerca de 2.000 mentawai praticam suas crenças tradicionais.
O cabo de guerra entre o velho e o novo continua nos vilarejos. Em 2014, o governo indonésio criou um sistema de saúde universal de pagador único. Há dois anos, uma clínica que fornece atendimento de saúde gratuito para todos foi montada em Saibi Samukop, um vilarejo à beira da floresta.
Mas a médica dali, Winda Anggriana, 26 anos, disse que muitos moradores rejeitam suas orientações, preferindo consultarem os xamãs na floresta. “É lamentável”, ela disse, listando pacientes com problemas tratáveis que morreram durante seus quase dois anos trabalhando na ilha.
O homem mais velho vestia apenas uma tanga, revelando os músculos e a pele curtida após décadas de vida nas profundezas da floresta tropical. Como outros membros de sua tribo, ele estava coberto da cabeça aos pés de tatuagens. Apesar de parecer forte, ele tinha uma corcova pronunciada e tossia por fumar tabaco em excesso.
O homem, Tau Kapik Sibajak, pegou seu machado em uma manhã recente e percorreu a floresta para cortar uma palmeira-sagu. Kapik desferiu machadadas precisas antes dele e alguns poucos amigos se abaixarem e começarem a rolar os pedaços do tronco espesso e pesado na direção da casa dele. “Trabalho pesado!”, ele anunciou.
Mas o esforço valia a pena: as folhas da árvore servem como telhado para sua casa de troncos de madeira; seu interior amiláceo pode ser cozido e comido, ou alimentar os porcos, patos e galinhas da casa.
Kapik e sua mulher, Teu Kapik Sikalabai, estão entre os últimos da tribo Mentawai que vivem de forma tradicional no interior da floresta na ilha remota de Siberut, na Indonésia.
Há décadas eles resistem, assim como outros como eles, às políticas do governo indonésio para pressionar os grupos indígenas a abandonarem seus velhos costumes, aceitarem uma religião aprovada pelo governo e se mudarem para vilarejos do governo. Essa mudança, juntamente com a atração inevitável exercida pelo mundo moderno sobre seus filhos, tem provocado uma grande disjunção entre gerações de mentawai.
A tribo Mentawai, que atualmente conta com cerca de 60 mil membros, é uma rara cultura indonésia que não foi influenciada pelas correntes hindu, budista e muçulmana ao longo dos últimos dois milênios. Em vez disso, suas tradições e crenças lembram fortemente as dos povos austronésios que chegaram de Taiwan a este vasto arquipélago há cerca de 4.000 anos. Se a cultura da tribo desaparecer, um dos últimos elos com os primeiros habitantes da Indonésia desaparecerá com ela.
Suas vidas fisicamente exigentes agora representam um desafio para seus filhos. “Eles têm que trabalhar até estarem muito velhos, até não poderem trabalhar mais”, disse Petrus Sekaliou, o filho dos Kapik. Sekaliou veste roupas ocidentais e, diferente de seus pais, consegue se comunicar em fluente bahasa indonésio, a língua nacional.
Sekaliou, 42 anos, vive no vilarejo de Mongorut, à margem da floresta, a uns 90 minutos de caminhada de seus pais. Ele trabalha no campo e faz alguns bicos ali, e tenta visitar seus pais todo fim de semana.
Quando seus pais não puderem mais cuidar de si mesmos, disse Sekaliou, ele planeja deixar seus filhos aos cuidados de sua mulher e voltar para a floresta até a morte de seus pais. A alternativa, seus pais se mudaram para o vilarejo, onde motos ficam zunindo e adolescentes não param de falar ao celular, seria muito ruim para eles na velhice.
“Eles estão felizes na floresta”, ele disse. “É o que conhecem.”
Kapik, seu pai, é de uma classe especial conhecida como Sikkerei, xamãs, curandeiros da floresta e mantenedores da fé animista dos mentawai. Ele e sua mulher insistem que não irão a lugar nenhum. “Eu nunca me mudaria daqui”, disse Kapik Sikalabai, a mãe.
Desde que chegaram à ilha de Siberut há cerca de 2.000 anos, os mentawai tiveram exposição limitada ao mundo exterior. Apenas depois que a Indonésia ganhou sua independência em 1949 e os novos líderes do país buscaram transformar este arquipélago em uma nação com língua e cultura comuns, é que a cultura mentawai passou a ser fundamentalmente transformada.
Segundo a lei, todos os cidadãos da Indonésia precisam aceitar uma das religiões oficialmente reconhecidas da Indonésia: islamismo, cristianismo, catolicismo, hinduísmo ou budismo. Mas os mentawai, como outros povos tribais animistas indonésios, não adotaram uma religião reconhecida pelo Estado.
Em 1954, a polícia e outras autoridades indonésias chegaram a Siberut para apresentar um ultimato: os mentawai tinham três meses para escolher o cristianismo ou o islamismo como sua religião e deixarem de praticar sua fé tradicional, que era considerada pagã. A maioria dos mentawai escolheu o cristianismo, em parte porque o Islã proíbe a criação de porcos, que é parte central de sua cultura.
Ao longo das décadas que se seguiram, policiais indonésios trabalharam com as autoridades e líderes religiosos em visitas às aldeias mentawai para queimar os cocares tradicionais e outros itens usados pela tribo durante seus rituais religiosos.
Os Kapik penetraram mais fundo na floresta para evitar as incursões do Estado, sem sucesso. Kapik Sikalabai contou como o comandante da polícia local certa vez os proibiu de fazerem tatuagens e afiarem seus dentes, ambos costumes entre os mentawai.
“Isso me deixou muito furiosa”, ela disse. Então ela se rebelou.
Uma profunda divisão surgiu entre as igrejas sobre como lidar com a tradicional fé animista mentawai, na qual muitos aldeões ainda acreditam. Em julho, a igreja luterana em Mentawai celebrou o 100º aniversário das primeiras conversões de mentawai. Durante uma entrevista, um padre luterano insistiu que não podia existir sincretismo entre o cristianismo e uma fé animista.
Por sua vez, a Igreja Católica Romana, que repetidamente tem pedido desculpas pelo tratamento que deu às comunidades indígenas na América Latina e em outros lugares, está aberta à prática pelos mentawai de aspectos de sua fé tradicional juntamente com o catolicismo, disse o padre Tangkas Dame Simatupang, da igreja católica de Saibi. O padre acrescentou, por exemplo, que os fiéis mentawai devem fazer o sinal da cruz antes de consultarem seus ancestrais.
Tentativas de ressuscitar as tradições mentawai começaram de forma hesitante. A Indonésia iniciou sua transição para a democracia em 1998 e a geração mais jovem de mentawai amadureceu durante uma época menos restritiva. Ativistas tiveram sucesso em acrescentar a cultura mentawai ao currículo das escolas primárias locais. Hoje, os anciãos mentawai podem praticar sua religião e se vestirem como quiserem.
Mesmo assim, muitos mantawai se ressentem do que perderam ao longo de décadas de opressão pelo governo. “Meus filhos não sabem nada sobre sua cultura”, disse Sekaliou, o aldeão que em breve voltará para a floresta para cuidar dos pais.
Sekaliou disse que ficou decepcionado com sua vida no vilarejo, dizendo que aguarda ansiosamente por ficar com seus pais durante seus últimos anos de vida. “Pessoalmente, prefiro viver na floresta”, ele disse. “Sou mais feliz ali. Não preciso me estressar em procurar trabalho todo dia.”
Em um entardecer recente, enquanto ele assistia seu pai voltar após alimentar seus porcos, ele acrescentou: “A geração mais velha é mais feliz do que a nossa”.
agência de notícias anarquistas-ana
Voar sempre, cansa –
por isso ela corre
em passo de dança
Eugénia Tabosa
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!