Livro diz que maldição totalitária não perdeu energia com a morte de Stálin

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Por Euler de França Belém

O ditador morreu em 1953, de um AVC ou envenenado por Beria e aliados, mas plantou a semente do totalitarismo no socialismo da China, dos países-satélites do Leste Europeu, de Cuba e do Camboja

Dois livros recentes discutem a morte do líder político que consolidou a União Soviética e que talvez seja mais importante do que Vla­di­mir Lênin: “Os Últimos Dias de Es­ta­line” (Objectiva, 336 páginas), de Joshua Rubenstein, e “A Maldição de Stálin — O Projeto de Expansão Comunista na Segunda Guerra Mun­dial e Seus Ecos Para Além da Guer­ra Fria” (Record, 558 páginas, tradução de Joubert de Oliveira Brízida), do historiador canadense Robert Gellately, professor da Universidade Estadual da Flórida. A publicação dos livros têm a ver com o fato de que, em outubro (ou fevereiro, dependendo do calendário), se completará 100 anos da Revolução Russa de 1917 — comandada por Lên in, Liev Trotski, Ióssif Stálin e Bukhárin.

António Araújo, do jornal “Pú­blico”, de Portugal, faz uma crítica de­talhada do livro de Joshua Ru­benstein (“Estaline, os dias do fim”, quinta-feira, 2). A obra ainda não foi lançada no Brasil.

Stálin, o homem mais poderoso da história da União Soviética — da Rússia rivaliza-se com Ivan O Terrível e Pedro O Grande —, morreu em 5 de março de 1953. Há quase 64 anos. “O generalíssimo agonizou longas horas, vitimado por um AVC, esvaindo-se na sua própria urina antes que alguém se atrevesse sequer a chamar um médico. E quando, por fim, os clínicos acorreram ao moribundo, tremiam de medo, a ponto de serem incapazes de lhe tirar a camisa para o examinarem. Um dentista extraiu-lh e a dentadura postiça mas, apavorado, deixou a cair ao chão, sob os gritos de Lavrenti Béria”, anota António Araújo, baseado na narrativa de Joshua Ru­benstein. “Stálin sofrera hemorragia cerebral com perda de consciência, fala e paralisia de todo o lado direito”, relata Robert Gellately.

O médico Alexander Miasnikov e os especialistas que fizeram a au­tópsia informaram que havia “evidência de hemorragia estomacal ‘cau­sada por hipertensão”. Eles “tam­bém descobriram que o ditador sofria de ‘severa esclerose das artérias cerebrais’”. Miasnikov observou que “havia disfunções do sistema ner­voso que podiam ajudar a explicar em parte o comportamento do ditador nos últimos anos de vida, quando se tornou mais desconfiado do que nunca”, anota Robert Gellately.

Citando o livro “Os Últimos Dias de Estaline” (Ulisseia, 276 páginas), de Georges Bortoli, o crítico António Araújo indica que a perseguição de Stálin aos médicos — Robert Gellately avalia que a persecução pode ter sido uma forma de atingir os judeus (muitos grandes médicos eram judeus) — pode ter sido responsável pelo fato de não ter obtido assistência especializada em tempo possivelmente hábil. “Mesmo que não seja líquido que uma intervenção médica mais célere lhe tivesse salvado a vida, o fato de os melhores clínicos de Moscou se encontrarem presos na Lubyanka, na sequência da Conspiração dos Médicos, e, mais decisivamente ainda, o fato de a ajuda ter demorado cerda de 12 horas a cheg ar, por paralisia ou intenção homicida de seus próximos, são elementos que indubitavelmente precipitaram o desfecho que a filha de Stálin descreve de forma arrepiante. De acordo com Svetlana Alliluyeva, o pai, semiparalisado e incapaz de falar, lançou sobre os que o rodeavam no leito da morte um olhar final, fulgurante e terrível, no estertor do ódio; depois, antes de expirar, levantou a mão esquerda aos céus, num gesto ameaçador, cobrindo todos com uma praga e uma maldição eterna”, escreve António Araújo.

Svetlana Alliluyeva, filha de Stálin, estava ao seu lado nos momentos finais — “quando ele subitamente levantou a mão esquerda como se quisesse apontar alguma coisa e praguejar contra todos nós”.

Há livros, como “Stálin — A Corte do Czar Vermelho” (Compa­nhia das Letras, 912 páginas, tradução de Pedro Maia Soares), de Simon Sebag Montefiore, que apontam a possibilidade de que Stálin tenha sido envenenado, talvez por Lavrenti Beria (Amy Knight é autora do muito bem documentado “Beria — O Lugar-Tenente de Stálin”, Record, 336 páginas). Especula-se que teriam colocado um medicamento, um anticoagulante, com o objetivo de “provocar ou acelerar um processo de embolia”. Simon Montefiore e Robert Service sugerem que Nikita Kruchev, Gueorgui Malenkov e Nikola i Bulganin possivelmente foram cúmplices do plano homicida urdido por Beria”. Mas há autores, como Ronald Hingley, autor de “Joseph Stálin — Man & Le­gend”, que contestam a tese de assassinato.

Sob Stálin, a União Soviética era um imenso campo de concentração, com todos vigiados e ninguém estava protegido. O ditador chegou a prender Polina, a mulher judia de Molotov, para, entre outras coisas, testar a lealdade de seu primeiro-aliado. O ministro ficou quieto. “Todo o país ofegava por ar. Era insuportável para todos”, disse a filha do bolchevique. “Apesar de ser geralmente aceito que o país ficou de luto com a morte de Stálin, a imagem que nos chegou foi multidimensional”, frisa Robert Gellately. “Nos Campos do gu­lag, a reação foi mista. Algumas mu­lheres ‘entraram em diligente pranto pelo falecido’, alguns homens qui­seram doar dinheiro para uma coroa de flores e ainda outros ouviram a notícia ‘em silêncio sepulcral’. Pri­sio neiros e guardas ficaram desnorteados e ninguém sabia o que esperar.”

Jacob Beam, da embaixada americana em Moscou, notou que “as pessoas se mostravam ‘abatidas’ e que menos gente do que se poderia esperar reuniu-se na Praça Vermelha. ‘A impressão geral em Moscou nesta altura é a surpreendente falta de reação às notícias desta manhã sobre a morte de Stálin’”. Outro americano percebeu “pesar autêntico”. O correspondente do “New York Times”, Harrison Salisbury, ficou impressionado com “o comedimento emocional das reações das pessoas”. Quando o governo possibilitou “a visitaç&a tilde;o pública do corpo”, milhares de pessoas saíram às ruas e centenas morreram pisoteadas. Havia “compunção sincera”, admite Robert Gellately. Em certos vilarejos, as autoridades diziam às pessoas: “Nosso caro e amado líder faleceu. Vocês devem chorar”. Porém, “dentro de casa e atrás de portas fechadas, era outra coisa: ‘Deus seja louvado! O Diabo bateu as botas!’”

No ano em que morreu, Stálin estaria preparando novos expurgos e seus principais aliados receavam que, como Kamenev, Zinoviev e Buk­ha­rian outrora, poderiam ser as novas vítimas. Por isso, se a tese do envenenamento estiver correta, Beria, Nikita Kruchev, Gueorgui Malenkov e Nikolai Bulganin conspiravam e discutiam a sucessão do ditador.

Sistema totalitário

A morte de Stálin aliviou a panela de pressão, mas a União Soviética “não deixou de ser uma ditadura comunista”, frisa Robert Gellately. “Mesmo sem Stálin, a Guerra Fria continuava, mais ou menos no mesmo rumo. Com o passar do tempo, a URSS começou a comprometer mais recursos na defesa do que poderia aguentar, o Império Vermelho na Europa Oriental jamais se pagou, e Estados clientes adicionais como Vietnã e Cuba drenaram bilhões a cada ano.”

Robert Gellately observa que, “por ironia, foi Beria, o mais sanguinário dos auxiliares de Stálin, quem deu os primeiros passos para que o regime parecesse menos brutal. Em 26 de março, Béria enviou ao Presidium uma proposta de anistia que era, sem pretender ser, uma surpreendente condenação do stalinismo. No total, cerca de 1 milhão de prisioneiros seriam soltos”. Porém, a “abertura” proporcionada por Béria não agradou seus “aliados”, que o prenderam e, sem hesitação, mandaram fuzilá-lo. “A soltura dos prisioneiros do gulag continuou porqu e, como todos no Kremlin sabiam, os campos tornavam-se muito onerosos e uma mancha política para o regime. Contudo, a União Soviética continuava quase tão repressiva quanto sempre fora.”

A pesquisa de Robert Gellately constata que “os que permaneceram nos campos, esquecidos pela anistia ou dela excluídos, como os pri­sioneiros políticos, julgaram as condições mais intoleráveis do que nunca”. Prisioneiros chegaram a se re­belar e centenas foram mortos. “Es­sa resistência, aliada ao prejuízo causado pelos campos, induziu à liberdade de ainda mais prisioneiros.”

A glasnost de Kruchev, o novo secretário-geral, suavizou mas não excluiu as bases do sistema totalitário. Apesar da chamada desestalinização, o novo poderoso chefão chegou a elogiar Stálin devido à coletivização forçada da área rural da União Soviética. “A União Soviética pós-Stálin julgou impossível viver com a liberdade de expressão.” Kruchev não permitiu a publicação do romance “Doutor Jivago”, de Boris Pasternak, e nem que seu autor recebesse o prêmio Nobel de Literatura. “ O caso Pasternak foi um entre muitos que indicaram quão pouco o país havia mudado depois de Stálin.”

Porém, mesmo Kruchev tendo sido menos liberal do que se costuma pensar, a linha dura stalinista, ainda forte, o derrubou e impôs Leonid Brejnev, um stalinista. “A única coisa que ele [Brejnev] tentou reabilitar foi Stálin. (…) Depois que Stálin faleceu, o curso que a União Soviética seguiria durante quase quarenta anos estava firmemente estabelecido”, postula Robert Gellately. A maldição de Stálin estava enraizada no inconsciente coletivo dos políticos dos partidos comunistas tanto da União Soviética quanto dos países-satélites.

Mortes

Não se sabe com precisão quantas pessoas o regime stalinista matou. Um levantamento do governo russo, feito em 2000, avalia-se que ao menos 25 milhões de pessoas foram assassinadas pelo governo comunista. “Quantidade assustadora”, destaca Robert Gellately. “Lênin e Stálin conduziram uma guerra contra seu próprio povo, que foi tão destrutiva para a vida humana quando a Segunda Guerra Mundial.”

Porém, se matou tantas pessoas para construir o paraíso na Terra, seguindo a tese de que os fins justificam os meios, o comunismo soviético não melhorou a qualidade de vida das pessoas. “A URSS se mostrou incapaz de alcançar os níveis de prosperidade dos europeus ocidentais durante todo o período da Revolução Russa até 1989”, compara Robert Gellately. Os países que saíram derrotados na Segunda Guerra Mundial “se saíram melhor. O Japão era menos próspero do que a Rússia em 1913, porém, por volta de 1970, o gigante asiático havia s e recuperado e passara a URSS, e lá por volta de 1989 seu PIB per capita era 2,5 vezes maior. A Europa Ocidental pós-guerra, incluindo a Alemanha devastada pelo conflito, ultrapassou facilmente a URSS e, à altura de 1989, estava mais à frente dela do que o Japão.”

Portanto, no lugar do Paraíso, o comunismo criou o Inferno na Terra, a partir da União Soviética — daí derivando para Alemanha Oriental, Hungria, Tchecos­lováquia, Iugoslávia (Tito se rebelou, mas o regime era autoritário), Romênia, Polônia, Bul­gária, China (traçou seu próprio caminho, igualmente totalitário), Albânia (que, depois da China, se tornou a inspiração do Partido Comunista do Brasil, PC do B), Cuba, Coreia do Norte, Vietnã e Camboja (que produziu um dos regimes mais genocidas da história). Porém, como sublinha Robert Gellately, o problema não era só Stálin e a maldição totalitária que legou. Vários regimes cometeram suas próprias barbaridades.

Stálin deixou um testamento político, elaborado com a ajuda de pesquisadores de várias áreas. Era uma tentativa vã de justificar o que fez para garantir o crescimento e o desenvolvimento da União So­viética. O problema é que o totalitarismo — a exclusão da liberdade e o assassinato — é injustificável. A pesquisa nasceu morta.

Fonte: http://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/livro-diz-que-maldicao-totalitaria-nao-perdeu-energia-com-morte-de-stalin-86909/

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