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[Espanha] “As diferenças de gênero sempre se deixam para outro momento”

By A.N.A. on 10 de outubro de 2017

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A professora Martha Ackelberg fala sobre “Mujeres Libres”, o movimento libertário que levou a emancipação da mulher à Revolução espanhola.

Por Álvaro Minguito

A cientista política norte-americana Martha Ackerberg (Nova York, 1946) está investigando desde os anos 70 o movimento libertário espanhol. Neste campo conheceria a história de “Mujeres Libres”, a organização anarquista de mulheres que durante a Guerra Civil quis pôr as necessidades e problemas enfrentados pelas mulheres ao mesmo nível que outras temáticas da Revolução espanhola. Professora de Ciências Políticas no Smith College de Northampton (Massachussets, EUA), publicou o resultado de suas pesquisas no livro “Mujeres Libres. El anarquismo y la lucha por la emancipación de las mujeres” (ed. Virus). Em 8 de setembro esteve em Madrid convidada pelo sindicato CGT para participar nas jornadas sobre o 80 aniversário da criação do principal movimento de mulheres da primeira metade do século.

Por quê teu interesse sobre “Mujeres Libres”? 

Eu tinha estudado o anarquismo como minha tese de doutorado, o anarquismo como teoria e na prática durante a guerra, e especificamente as coletividades anarquistas. Vim aqui ao terminar o doutorado para encontrar as pessoas que participaram nas coletividades. Enquanto isso me tornei feminista. Quando comecei estas pesquisas estava buscando mulheres que participaram nas coletivizações, mas as pessoas que pude encontrar foram homens, e não tinham nada que dizer sobre a participação das mulheres. Mas, através de várias entrevistas, encontrei algumas pessoas que me disseram que algumas das “Mujeres Libres” ainda estavam vivas. Fui de um lado a outro encontrando-as e entrevistando-as. Me acolheram de coração. Algumas vivem na França, outras no Canadá, outras na Espanha ou ao sul da França, em Toulouse, em Montpellier ou Paris. Fui por todas as partes.

A maioria tinha entre 16 e 20 anos quando fizeram parte de “Mujeres Libres”, com a exceção de Mercedes Comaposada, que foi uma das impulsionadoras e tinha cerca de trinta anos na época da guerra. Ela tinha mais idade, mas a maioria eram bem jovenzinhas. Tinham uma força incrível. Me chamou a atenção especialmente, quando contavam suas histórias, suas maneiras de entrar no movimento, de encontrar gente. Por exemplo, Soledad Estorach, que tinha 14 anos ou assim quando chegou a Barcelona. Como seu pai tinha sido morto teve que encontrar trabalho para ajudar a sustentar a família. Me disse que estava lendo revistas, como a Revista Blanca (publicação libertária na qual colaboraram, entre outros, Federica Montseny ou Diego Abad de Santillán), nela encontrou o nome de Soledad Gustavo (professora e pedagoga anarquista) e tratou de encontrá-la, indo aos escritórios da revista. Através de uns e outros foi a um sindicato local, se encontrou com Abelardo Saavedra, um dos anciãos, e ele a introduziu ao movimento anarquista e lhe mostrou a biblioteca do local. Foi um despertar para ela. Outra vez, através de gente com um pouco mais de idade no sindicato, que a acolheram.

Como se formou o movimento, tendo em conta que as mulheres sempre haviam sido deixadas de lado? 

A inauguração oficial foi em 37, mas haviam começado grupinhos em Barcelona em 34 e a revista começou em 36. Estas mulheres, que começaram dentro do movimento anarquista, entenderam, através do movimento, a necessidade de uma oposição a toda hierarquia, e dentro destas se encontra a dominação da mulher pelo homem. Começaram a pedir espaço, a pedir reconhecimento da situação específica da mulher, e encontraram outras com as mesmas ideias. Também encontraram bastante companheiros que não tinham ideia nem queriam tê-la. Então, Lucía Sánchez Saornil e Mercedes Comaposada se encontraram aqui em Madrid em um sindicato. Estavam tratando de dar aulas e os homens não lhes davam nada. Se foram ao parque do Retiro para falar e assim surgiu a ideia de estabelecer uma revista para mulheres. Tinham dois objetivos: um foi a capacitação da mulher para fazer parte da vida, não somente no movimento senão na vida social, e também captação, quer dizer, captar as mulheres dentro do movimento libertário. O grupo que se formou inicialmente em Madrid para a revista tinha uma ideia de capacitação das mulheres mais a um nível cultural. Mercedes disse que queria que as mulheres entrassem plenamente na cultura espanhola, e o grupo de Barcelona, que se chamou inicialmente Grupo Cultural Feminino queria animar as mulheres que já estavam dentro do movimento a que fizessem mais protagonismo. Quando se juntaram em 37 se formou “Mujeres Libres”, que em agosto de 37 se constituiria como federação nacional.

Mas sempre se manteve independente da CNT, ainda que tivessem vínculos. 

Sim, sim. Tinham muito em comum, mas pensavam que tinham que ser uma organização independente autônoma porque somente através de suas mesmas reclamações poderiam desenvolver suas capacidades, e também decidir seus objetivos.

Porque muitas vezes as reclamações feministas estiveram postergadas pela revolução. 

Sim, justo por isso. Disseram que a capacitação e igualdade das mulheres é parte integral da revolução, não se pode deixar para depois. Mas é curioso que habitualmente não utilizavam a palavra feminista. Algumas sim, mas a maioria não, porque para elas feminista se referia a mulheres que queriam igualdade de salários, acesso ao voto… Feminista queria dizer para elas mulheres burguesas, e elas queriam uma capacitação muito mais ampla, que não estava tão mesclada com as hierarquias sociais existentes.

E utilizavam alguma outra palavra? 

Pois não. E ao final encontrei muito recentemente uma citação de Lucía Sanchez que dizia, bom, estão dizendo que somos feministas, em um sentido muito negativo, mas se com a palavra feminista querem dizer lutar pela igualdade de homens e mulheres, lutar pela capacitação das mulheres, sim somos feministas. E os anarquistas devem ser feministas também, mas isso não o entenderam assim a maioria.

Dentro dos movimentos de esquerdas sim que parece que se perpetua essa resistência a defender reivindicações feministas de uma maneira integral… 

Ainda que a teoria do anarquismo diz que se devem combater todas as hierarquias, a hierarquia de gênero, de sexo, sempre fica para trás. Não sei exatamente o que se passa aqui agora mesmo, mas recordo em 77 durante as primeiras jornadas anarco-libertárias em Barcelona. Nestas jornadas havia mulheres feministas, gays, lésbicas, e quase todas um pouco aparte do centro, onde havia uma concentração enorme. Um veterano do movimento disse às mulheres: olha, tens que se impor, porque não podes esperar que se as convide.

Fonte: https://www.elsaltodiario.com/feminismos/Martha-Ackelsberg-mujeres-libres

Tradução > Sol de Abril

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