Em um porão de Atenas, antifascistas combinam o seu amor pelo Muay Thai e a sua oposição ao racismo e ao sexismo.
Por Patrick Strickland
É uma noite no início do mês de setembro e as pessoas estão pingando de suor em um porão semienterrado de um cinzento e antigo conjunto habitacional na capital grega, Atenas. Uma vez lá dentro, eles retiram os seus sapatos e desaparecem em um vestiário antes de reaparecerem para assumir seu lugar no chão vermelho e azul acolchoado. Uma música punk explode das caixas de som. Uma bandeira negra pendurada ao lado da porta do banheiro. “O genuíno clube da luta antifascista”, é possível ler.
Este é o Centro de Muay Thai Tigre Branco, uma das primeiras academias antifascistas de Atenas e Ilias Lamprou, um anarquista de 39 anos, é o seu fundador e instrutor. Descalço e usando um moletom cinza sem mangas por cima de uma camisa preta desbotada, ele dirige os seus cerca de 40 alunos enquanto aquecem. “Mais rápido”, ele pede, ignorando os repetitivos grunhidos emitidos enquanto punhos e pernas chocam-se ruidosamente contra os sacos de areia. Seu cabelo é curto, reto e salpicado de grisalho. Diversas tatuagens nos seus braços e pernas, ele permanece de braços cruzados enquanto dá as orientações.
Mais cedo, Lamprou estava sentado na sua caótica mesa no escritório do ginásio. Nas paredes, fotos de competições de Muay Thai que participou, punhos erguidos enquanto posa com amigos lutadores e estudantes. “O Tigre Branco começou há quatro atrás”, ele diz, aplica a filosofia política de auto-organização e de antiautoritarismo às artes marciais.
Relembra-se que, quando tinha 20 anos, um amigo o aconselhou a começar o treinamento de Muay Thai. Mas o que começou por “razões práticas” – uma necessidade de se defender da polícia (“ACAB”, em português, todos os policiais são bastardos, está estampado na bandeira presa ao teto do ginásio) e do Aurora Dourada, um grupo [partido] neofascista que atualmente possui 17 assentos no parlamento grego e cujos membros são conhecidos por atacarem refugiados, imigrantes e antifascistas – tornou-se uma paixão.
“Eu comecei o Muay Thai e amei”, lembra-se, adicionando que as artes marciais eram ainda relativamente desconhecidas naquele tempo na Grécia. “Você não pode evitar se apaixonar por ele… eu tentei e o amei desde a primeira vez. Então, eu continuei”.
Lamprou está envolvido com o anarquismo há mais de duas décadas. Na Grécia, ele participou de confrontos em solidariedade com os prisioneiros políticos de todo o mundo, contra a extrema-direita, contra a brutalidade policial e contra a austeridade econômica.
Em 2010, juntamente com outros ativistas solidários, ele navegou em direção a Faixa de Gaza com uma frota de seis embarcações civis que esperava quebrar o recorrente cerco israelense de um enclave costeiro onde quase dois milhões de palestinos residem. Durante este incidente, as forças israelenses atacaram a frota, matando nove ativistas a bordo do Mavi Marmara, uma das embarcações, no confronto que se sucedeu.
Durante o ataque, Lamprou estava a bordo do Free Mediterranean (Mediterrâneo Livre), que também foi invadido por soldados israelenses que usaram balas de borracha, gás lacrimogêneo e armas de choque antes de deter os tripulantes.
Em 2001, ele esteve presente nos massivos protestos antiglobalização em Gênova, na Itália, e se juntou a viagens solidárias para os campos de refugiados palestinos no Líbano, onde dezenas de milhares de pessoas vivem em terríveis condições e sofrem de discriminação institucional.
Lamprou também viajou para a Tailândia diversas vezes para treinamentos de Muay Thai.
Buscando por uma maneira de combinar o seu ativismo com a sua paixão pelo Muay Thai, Lamprou decidiu estabelecer o Tigre Branco com base na tradição popular de clubes esportivos e espaços de treinamento antifascistas em outros países europeus.
“Eu tenho uma longa história no movimento [anarquista]”, ele diz. “Eu não podia mantê-lo [seu posicionamento político] fora da academia”.
A violência da extrema-direita
No momento em que o Tigre Branco foi estabelecido, o país estava no meio de um severo aumento de violência praticado pela extrema-direita, muitos dos ataques visavam refugiados e imigrantes, quem eles culpam pela aflição econômica do país.
Esse crescimento de mortes atingiu o seu ápice em 2012 com a ascensão do Aurora Dourada.
Na corrida eleitoral daquele ano, na qual os partidos neofascistas entraram no parlamento pela primeira vez, a crise econômica grega alimentou os combates entre os antifascistas e o Aurora Dourada.
Depois das eleições, a violência não reduziu. O Aurora Dourada conduziu ataques contra imigrantes em todo o país. Em alguns casos, seus ataques direcionados a imigrantes e opositores políticos – como o ataque a Shahzad Luqman, trabalhador paquistanês de 26 anos, e a Pavlos Fyssas, rapper antifascista grego, em 2013 – foram mortais.
Em outubro de 2012, a agência de refugiados da ONU disse que 87 ataques racistas foram registrados entre janeiro e setembro daquele ano. Frequentemente armados com porretes, pés-de-cabra e cães, eles miravam em imigrantes e refugiados sem documentação oriundos de lugares como Afeganistão, Bangladesh, Paquistão e Somália. Em muitos casos, os agressores alegadamente usavam insígnias do Aurora Dourada.
Lamprou diz que era uma demanda urgente por academias que promovessem treinamentos práticos de autodefesa, enquanto refletiam a visão política de mundo do movimento antifascista.
Ainda que casos de violência praticados pela extrema-direita tenham decrescido desde então, eles não cessaram por completo. À medida que a Grécia absorve dezenas de milhares de pessoas em busca de asilo nos últimos anos, o Aurora Dourada direcionou seus ataques aos campos tanto na parte continental do país quanto nas ilhas, como Kos e Chios, entre outras.
‘A rua era nossa’
Juntando suas mãos enquanto relembra desses tempos turbulentos, ele prossegue: “existia uma razão puramente prática: a rua era nossa e queríamos manter assim”.
Lamprou também argumenta que as artes marciais demandam respeito pelos seus oponentes e àqueles que são diferentes de você. “Por isso nós não podemos deixar as artes marciais para os fascistas”.
O Tigre Branco possui mais de 120 estudantes divididos entre três níveis de habilidades – iniciante, principiante e expert – muitos deles participam nas competições como time e comparecem as sessões de treino várias vezes na semana. Entre eles existem gregos, estrangeiros de toda a Europa e da América do Norte e imigrantes e refugiados de lugares como Síria, Iraque e Afeganistão.
O nível mais alto inclui cerca de 30 pessoas, conhecidos como o time oficial de luta, que participa em competições na Grécia e em outros países duas vezes ao mês.
Thannasis K, grego de 22 anos, é um principiante de Muay Thai. Como muitos antifascistas que não querem ser identificados pela polícia ou pelo Aurora Dourada, ele recusa dar o seu sobrenome.
“Eu moro em uma área de Atenas que ocorreram diversos ataques racistas e contra anarquistas”, ele diz, limpando o suor da sua testa enquanto permanece do lado de fora da academia depois do treino. “Então, eu queria começar uma arte marcial… e aprender a [me] defender em uma briga na rua”.
Thannasis explica que ele deixou a academia anterior depois de descobrir que Lamprou se recusava a pôr os seus aprendizes no ringue contra um oponente que estava sendo incentivado por Ilias Kasidiaris, um membro do Aurora Dourada e do parlamento. “Você deve ter solidariedade [e] antifascismo na sua vida toda, então é muito importante ter isso também em um lugar onde você aprende artes marciais”, ele diz.
De volta à academia, um grupo de estudantes treina no ringue de box.
Para Lamprou, uma das características mais importantes do Tigre Branco da abordagem de formação dos atletas é a rejeição do patriarcado, que ele diz ser prevalecente na cultura das academias tradicionais. Participantes que agem de forma sexista ou patriarcal são expulsos. “Anti-sexismo é uma parte da nossa vida”, ele diz, “não é uma ideologia, é um estilo de vida”.
Cerca de metade dos participantes semanais do Tigre Branco são mulheres e Lamprou diz que a sua equipe de competição feminina é “a melhor da Grécia”. “Se qualquer tipo de macho vem, ele irá notar que o ambiente não é bom para ele”, continua.
Baseando-se na noção antifascista de negar espaços para racistas e fascistas, Lamprou diz que não irá pôr seus lutadores no ringue com oponentes que sejam afiliados ou apoiantes conhecidos do Aurora Dourada. “Nós não podemos competir [com fascistas]”, ele explica.
“No Muay Thai, existe muito respeito pelo seu oponente. Não se pode demonstrar respeito por um fascista”. As ruas, diz ele, são o lugar onde a extrema-direita deve ser confrontada.
‘Memória coletiva do fascismo’
O Tigre Branco é parte de uma cultura maior do antifascismo na Grécia, especificamente, no bairro ateniense de Exarchia, onde a academia está localizada.
Nicholas Apoifis, autor de “Anarquia em Atenas”, explica que “memória coletiva do fascismo” na Grécia alimentou uma longa tradição de antifascismo que põe uma ênfase no confronto direto.
Em 1941, durante a segunda guerra mundial, a Alemanha nazista, a Itália de Mussolini e a Bulgária aliada aos fascistas ocuparam a Grécia. Quando eles foram expulsos em 1944, quase 60.000 judeus gregos foram mortos. A resistência antifascista se difundiu durante este período.
Entre 1967 e 1974, a Grécia foi governada por juntas militares da extrema-direita. Um levante popular na Escola Politécnica de Atenas levou a uma série de eventos que resultou no colapso do regime.
“Tem uma história de que o antifascismo é mais difundido na Grécia por causa do seu passado fascista: o massacre de comunistas, a tortura de anarquistas e os massacres de sociais democratas”, Apoifis explica. “Existe uma rica história em face do fascismo e de resistência a ele”.
Apoifis pontua um incidente em 1984 como um dos momentos históricos cruciais para o movimento antifascista contemporâneo na Grécia. Em dezembro daquele ano, milhares de anarquistas e membros da esquerda radical se reuniram em Atenas e empregaram táticas black bloc durante os confrontos no Hotel Caravel, onde uma conferência de extrema-direita, conduzida pelo populista francês Jean-Marie Le Pen, acontecia.
Black bloc é a estratégia na qual os manifestantes vestem-se todos de preto, lenços, máscaras ou capacetes para esconder a sua identidade e assim obstruir investigações das autoridades e a identificação pela extrema-direita.
Enquanto busca em seu livro, Apoifis diz que ele observou um comprometimento entre os antifascistas de defender, através da força, áreas onde eles possuíam uma forte presença. “É um projeto político calculado. É outra forma de ação direta. Eles discutem sobre isso, mas também vão para as ruas e implementam a sua política”.
Ainda que Lamprou, pessoalmente, não tenha usado as suas habilidades de Muay Thai para enfrentar membros do Aurora Dourada, ele diz que muitas vezes se mostraram úteis em manifestações onde surgem confrontos com a polícia.
“Vinte anos atrás, você não encontrava antifascistas em Atenas”, relembra. “Mas a necessidade tornou-se real porque de repente tínhamos fascistas pelas ruas fazendo rondas”.
Lamprou rejeita a ideia de que as academias deveriam ser espaços apolíticos. “A mentalidade aqui é de que não podemos separar o esporte da política”, conclui.
“Eu estou no movimento anarquista desde os últimos vinte anos. Estive na Palestina, Líbano, Gênova, Atenas… em todos os grandes [protestos]. Anti-sexismo, antifascismo – não poderíamos viver de nenhuma outra forma, seja na academia ou nos locais de trabalho”.
Tradução > VizualWatcher
Mais fotos:
agência de notícias anarquistas-ana
Que lua, que flor
nada, bebo umas doses
aqui sozinho
Bashô
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!