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[Espanha] Quando o cuplé foi a música da revolução

By A.N.A. on 27 de Dezembro de 2017

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Na Barcelona revolucionária ou na Madrid de “No pasarán!”, as cupletistas cantaram a favor do comunismo ou da anarquia.

Por Spider

“O que é que interessa agora ao público?”, pergunta o jornalista a uns músicos e cupletistas de rua situados no centro de Madrid. Desde alguns anos, os artistas de rua parecem haver mudado por completo. Cantam sobre crimes, tipos odiosos para o povo e, sobretudo, política. “O romance da tomada do quartel da Montanha, ou dos anti-tanquistas e as canções das trincheiras. Estas nos tiram das mãos”, respondem de imediato. A data, agosto de 1937.

O país vivia em alerta permanente e nos baixos fundos de Barcelona e Madrid, que resistiam ao fascismo, em seus numerosos locais noturnos onde se juntam milicianos com apaches, o cuplé se soma à agitação política, algo que já vinha sucedendo desde os anos vinte, quando as cupletistas, pioneiras feministas e rainhas absolutas da chamada “arte frívola” pela imprensa conservadora, cantavam o que acontecia nas ruas. Mulheres como Enriqueta Serrano, entre tantas outras, fizeram furor ao aparecer em cena com umas impressionantes botas de cossaco, como um claro sinal à revolução dos sovietes. Enriqueta, ademais, era assídua às tertúlias do Ateneu de Madrid e foi a compositora do “outro hino” da então recém proclamada República com seu famoso cuplé “Viva a República”.

Todas as facções políticas revolucionárias, incluídos os anarquistas da CNT / FAI, tinham suas cupletistas favoritas. Julita Oliver, muito célebre naqueles anos e que, em ocasiões, saía a cena com o contorno de olhos muito escuro ao estilo de Irma Vep / Musidora, popularizada na França de Fantomas, foi a criadora do cuplé “Comunista libertária”, que arrasou no Paralelo nos anos da República. A revista Estampa, em 17 de dezembro de 1932, publicava o artigo “o comunismo libertário e o carlismo no Paralelo” onde refletia o incrível clima de tensão política e militância que se vivia em cidades como Barcelona. “Do bolso de muitos assíduos ao Royal Concert vi assomar periódicos extremistas. Mas não por isto o ambiente é de luta social, nem muito menos. As ideologias mais dispares coincidem no julgamento que lhes merecem tais panturrilhas ou qual sorriso. Mas também se adverte que a extrema esquerda tem mais ambiente, e uma canção lançada por Julita Oliver faz furor em todo o Paralelo: “Como sou do partido comunista e sigo as doutrinas de Lênin, preparo um movimento terrorista do braço de meu amigo Balbontín [dirigente comunista madrilenho fundador do Partido Social Revolucionário]”. O estribilho é: “Comunis… / Comunista libertária / Comunis…, a mais revolucionária“”.

Já na convulsa década dos trinta, numerosas cupletistas puseram voz à situação política. Dolores Castro Ruiz (“Dora a Cordobesita”), nasceu no popular bairro cordobês de San Lorenzo em 1902. Desde muito pequena adorava o mundo do cuplé. Em 1920, com letra de Ramiro Ruiz “Raffles” e música de Font de Anta nos deixa uma canção irônica sobre a política intitulada “Espantaleón”: “Yo soy Espantaleón / he nacido em Alcorcón / representó a opinión / armo la revolución / y lo que termina en pom / Yo soy socialista / Yo soy comunista / Yo soy anarquista / Yo soy… marmolista / Abajo García / Arriba Zenón / Abajo a oliva / Arriba o limón”.

Para os comunistas, Carmelita Aubert foi a melhor cupletista. Sua canção “Comunista” (1932), composta na realidade pelo jornalista Rafael Ortega Lisson, membro da Junta Revolucionária que, após declarar-se a guerra, se apresentou nos escritórios do periódico direitista ABC e o apreendeu. Aubert, de mãe rumbeira (conhecida como “a Guayabita”) desde muito jovem teve contato com grupos juvenis esquerdistas. “Comunista” é um clássico da música política nos anos republicanos, mencionando a um tal Andrés, possivelmente Andrés Nin, o líder do Partido Obrero de Unificación Marxista (POUM). O certo é que Aubert, quando se impôs o golpe de Estado fascista estava atuando em Portugal. Não regressou a Espanha até 1944. Tentou relançar sua carreira, mas não lhe perdoaram suas simpatias esquerdistas e foi detida. Graças à pressão do mundo da arte português pôde sair em liberdade, ainda que foi expulsa a esse país, onde faleceu em 1979.

A situação, segundo cresciam os rumores de um levante militar, se fazia insustentável. Nas ruas se sucediam os choques e tiroteios. Os sindicatos e partidos políticos, quase em sua totalidade, contavam com armas e grupos de choque. Em 9 de fevereiro de 1936, com a agitação que preparava o golpe fascista tomando as ruas, o periódico La Libertad dava a notícia de boicotadores revolucionários que tinham como hino o cuplé: “no salão Villa Rosa se tentou realizar esta tarde um mítim que tinha sido anunciado como antimarxista. No ato iriam participar Antonio Costi e Francisco Cervera, da Ceda; Joaquín Pérez Madrigal, radical, e Ruiz Valdepeñas, monárquico “independente”. Tão logo como começou o ato se iniciaram as interrupções. O público vaiava constantemente os oradores, que tentavam falar em meio de um escândalo formidável. Fizeram como que falaram Rulz Valdepefias e Cervera. Quando tentou fazê-lo Pérez Madrigal, o público, posto em pé, começou a entoar a canção chamada de “Straperlo”. Pérez Madrigal fez vãos esforços para conseguir ser entendido. O público, sem preocupar-se com o orador, continuou cantando a grandes vozes o cuplé do “straperlo””.

Os enfrentamentos aumentariam. “Armo la revolución / y lo que termina en pom”, cantaram ano antes. Houve mortos e ajustes de contas. Chegou a guerra e o cuplé terminou. A partir de então se contaria… outra história.

Fonte: http://www.agenteprovocador.es/publicaciones/cuando-el-cuple-fue-la-musica-de-la-revolucion

Tradução > Sol de Abril

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Muita brisa à noite.
Dos jasmineiros da rua,
perfumes e flores.

Humberto del Maestro

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