• Os tribunais não provaram a existência do grupo terrorista GAC, suposta filial da FAI-FRI, com o qual os investigadores associavam os detidos
• Se tais organizações existissem seriam “defeituosas, incapazes e objetivamente disfuncionais”, concluiu a Audiência Nacional
• Todas as operações policiais ocorreram após o ataque à Basílica de El Pilar, que o Supremo dissociou de qualquer organização terrorista
por Marcos Pinheiro | 25/08/2018
“O terrorismo anarquista foi implementado em nosso país”. Com uma afirmação rotunda como essa se expressou o então diretor-geral da Polícia, Ignacio Cosidó, hoje porta-voz do PP no Senado, logo após o ataque à Basílica del Pilar em 2014. Durante os meses seguintes, três operações policiais contra grupos vinculados se sucederam a este suposto novo tipo de terrorismo, sempre com o fantasma dos Grupos Anarquistas Coordenados (GAC) de fundo. A Audiência Nacional [um Tribunal Superior que se assemelha ao Superior Tribunal de Justiça no Brasil] encerrou todas as investigações espetaculares sem uma única condenação.
Apenas um ano separou as operações Pandora – que teve duas fases -, Piñata e Ice. A primeira foi realizada pelos Mossos d’Esquadra [polícia catalã] e as outras duas foram obra da Polícia Nacional. Dezenas de detidos, muitos dos quais passaram vários meses sob custódia, e investigações que duraram anos. A Audiência Nacional arquivou Pandora e Piñata por falta de provas. A Operação Ice veio a julgamento, embora muito esvaziada, e terminou com a absolvição de todos os detidos, que deixaram de serem acusados de posse de explosivos e de pertença a uma organização terrorista a serem julgados por uns twitters feitos.
Todas estas operações seguiram ao ataque em Zaragoza. Um casal colocou um dispositivo explosivo na Basílica del Pilar que eclodiu na nave central e causou danos a uma mulher na orelha. Cosidó usou este ataque para proclamar que uma série de grupos anarquistas estavam “tentando subverter a nossa democracia”, usando a violência. “Contra esses violentos, máxima firmeza e determinação”, acrescentou.
Alguns meses depois de pronunciar essas palavras, a Operação Pandora ocorreu. Os Mossos prenderam na primeira fase 11 pessoas, que o juiz Javier Gomez Bermudez acusou de “constituição, promoção, gestão e pertença a uma organização terrorista em relação aos crimes de posse e armazenamento de substâncias ou engenhos explosivos e crimes de danos e estragos com propósito terrorista”. Sete detidos estiveram presos por um mês e meio.
A Operação Pandora teve uma segunda fase, em outubro de 2015, com a prisão de mais nove pessoas em espaços libertários de Barcelona, também sob a acusação de terem formado uma “organização anarquista terrorista”. A Audiência Nacional arquivou primeiro esta segunda fase entre duras críticas à investigação dos Mossos. A juíza Carmen Lamela disse que do conjunto de escutas telefônicas e documentos apreendidos nos registros “o único resultado obtido pelos investigadores é a constatação de que a investigação se relaciona com pessoas do coletivo anarquista”.
Nada mais do que “suspeita policial”
“Não há um avanço definitivo que permita que a investigação continue”, escreveu Lamela em junho de 2016. Quase um ano depois, em maio de 2017, a juíza tomou a mesma decisão sobre a primeira fase da Operação Pandora. O ato foi praticamente embasado como no arquivamento anterior, com as mesmas censuras aos Mossos, e concluiu que “não apresentaram novos fatos” para apoiar “a suspeita da polícia” que os detidos estavam ligados a grupos terroristas.
Entre os dois episódios de Pandora, a Operação Piñata foi desenvolvida em março de 2015. No total, 15 prisões em várias cidades espanholas novamente devido à supostas conexões com uma organização terrorista de ideologia anarquista. A primeira informação da Polícia apontou para a relação deles com o atentado de Zaragoza, com um ataque à Catedral Almudena em Madrid, e eles falaram sobre a prisão dos principais líderes dos GAC.
Três meses depois, em um duro despacho contra Eloy Velasco, o juiz que enviou alguns detidos para a prisão, a Câmara do Alto Tribunal Penal criticou a decisão tomada sem ter conseguido provas criminais e analisado as “circunstâncias pessoais” dos acusados. A medida de detenção provisória foi “desnecessária e inadequada”, disse a Câmara.
Em fevereiro deste ano, chegou o arquivamento definitivo do caso. O solicitaram as defesas dos réus e se uniram ao Ministério Público. “Não foi possível provar o suficiente que os investigados eram os autores dos fatos investigados”, afirmou a Audiência Nacional para concluir a segunda grande operação contra o “terrorismo anarquista”.
A última a ser concluída foi a Operação Ice, desta vez com uma sentença absolutória. A polícia prendeu seis ativistas Straight Edge em novembro de 2015 e os acusou de terem atacado bancos. Eles formariam, disseram, um grupo terrorista anarquista ligado, novamente, ao atentado de Zaragoza, e alegaram que dispositivos explosivos haviam sido encontrados em suas casas.
A investigação foi rapidamente esvaziada, mas isso não impediu que o réu principal passasse 16 meses na prisão no regime mais severo, enquanto os Tedax [grupo de especialistas responsáveis por desativar artefatos explosivos] analisavam fogos de artifício e embalagens com açúcar e vinagre. Os supostos terroristas chegaram ao julgamento com apenas uma acusação por sua atividade nas redes sociais, da qual foram finalmente absolvidos. O Gabinete do Promotor desistiu de apresentar um recurso perante a Suprema Corte e o caso morreu ali.
O fantasma dos GAC
Depois de cada operação contra o terrorismo anarquista, os investigadores colocaram as mesmas abreviaturas. Os detentos estavam sempre ligados, segundo a Polícia, com os GAC, os Grupos Anarquistas Coordenados. A Polícia os vinculou após o ataque à Basílica del Pilar e os juízes, em suas sentenças de prisão contra os detentos nos sucessivos ataques, sempre os associaram a essa suposta organização terrorista.
No entanto, tanto a Audiência Nacional como o Supremo Tribunal acabaram por rejeitar que os condenados pelo ataque em Zaragoza tivessem uma relação com os GAC. Ambos foram guiados “por suas ideias anarquistas insurrecionistas, mas sem evidência de que eles foram integrados em um grupo de afinidade da FAI-FRI, ou GAC, e agindo de forma autônoma”.
A tese dos investigadores sempre foi de que os GAC eram o braço armado da FAR-FRI (Federação Anarquista Informal / Frente Revolucionária Internacional). Esta organização, de acordo com o Supremo, é formada por “um grande grupo de pequenos grupos espalhados em muitas partes do mundo, formando uma espécie de organização informal e não-estruturada, cujo denominador comum seria possuírem uma ideologia de corte anarquista inssurrecionalista com base no princípio de atacar o Estado em qualquer lugar”.
Os GAC seriam, portanto, sua facção na Espanha. De acordo com o Tribunal “os GAC tornaram-se uma espécie de coordenador de um número indeterminado de grupos de afinidades insurrecionalistas”. Eles nasceram alguns anos antes, em 2012, quando foram anunciados “em diferentes páginas de contrainformação”. Sua única atividade acreditada, a publicação de um livro chamado “Contra a Democracia”.
No entanto, não há evidências de que eles estiveram por trás de qualquer outra coisa. Os tribunais descartaram sua ligação com o atentado de Zaragoza e afastaram a vinculação aos detidos nas várias operações contra o anarquismo. “A vinculação que ocorre nesses grupos é absolutamente gratuita(…) A existência de tais grupos (GAC) não foi comprovada, muito menos a pertença aos mesmos. Suas atividades foram absolutamente legais e eles não tiveram nada a esconder, como evidenciado pelo fato de que sabiam que estavam sob investigação”, disse a Audiência Nacional em um de seus despachos.
Os advogados da Rede Jurídica, que auxiliaram detentos de todas as três operações, descreveram a perseguição dos GAC como um “filme de ficção”. Em um artigo intitulado “O estranho caso da organização terrorista anarquista sem terroristas ou organização” destacou as conclusões da Audiência Nacional em sua decisão sobre o ataque de Zaragoza, no qual os autores dos GAC foram dissociados: “Se considerarmos a FAI/FRI-GAC organizações terroristas, seriam tão defeituosas, incapazes e objetivamente disfuncionais que nem sequer teriam relevância criminal, porque uma organização horizontal não é uma organização”.
Fonte: https://www.eldiario.es/politica/Pandora-Pinata-Ice-operaciones-terrorismo_0_807019760.html
Tradução > Liberto
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!