Calúnias socialistas

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A seguir, texto do anarquista individualista francês Albert Libertad (24 de novembro de 1875 – 12 de Novembro de 1908), escrito há mais de 100 anos. Outros tempos, mas atualíssimo. Ou, para bom entendedor, meia palavra basta. Não vote, rebele-se!

Era portanto este ano a feira municipal e os anarquistas responderam à propaganda a favor do voto com uma desenfreada propaganda abstencionista. Em todos os cantos da França travou-se luta, a fim de provar a mentira do sufrágio universal, o absurdo da política. Pelo cartaz, pela brochura, pela contradição ou pela conferência, os candidatos foram mantidos, ofegantes, num estado de incertezas e os eleitores foram acordados.

Os abstencionistas desenvolveram as suas teorias não sem dificuldades e sem riscos. Os seus adversários mais temíveis foram, sem contestação, os socialistas.

Na batalha eleitoral, todos os partidos, todos os candidatos usam meios detestáveis para diminuírem os seus adversários, mas nenhum vai tão longe como o partido e os candidatos socialistas.

A organização socialista tem a arte de contrafazer as reuniões públicas. De antemão, escolhe os membros da mesa, prepara listas de oradores, trapaceia uma ordem do dia, semeia pela sala assobiadores, urradores, aplaudidores, até mesmo salteadores.

A filosofia socialista, demasiado medíocre para formar indivíduos capazes de quererem ouvir ideias e discuti-las a seguir, é bastante forte para fabricar sectários que, não escutando nada porque nada podem compreender, estão prontos para espancarem quem quer que seja que não formule uma opinião estampilhada pelo comitê.

Os chefes socialistas mandam invadir as reuniões adversas por homens que não têm a consciência da ideia que defendem, não mais do que dos atos que cometem. Não vão a casa do “concorrente” para tentarem tomar a palavra, influenciar com melhores raciocínios a opinião dos auditores. Não têm outro fim que não seja impedir qualquer pensamento de formular-se, de “fechar o bico” aos oradores, com os seus gritos e urros. É preciso fazer encerrar a reunião na desordem, para que as publicações do Partido possam dizer no dia seguinte que “o candidato da reação foi apupado pelos eleitores”.

Tenho necessidade de citar exemplos? Deverei lembrar a atitude dos bandos de Weber-Allemane, este ano, no 11.º “arrondissement”, partindo vidros, escavacando bancos, a fim de reduzirem o adversário a não poder fazer mais reuniões públicas? Tinham-lhes recusado a palavra? Não. É como disse: eles não têm a preocupação de convencer, de levar as pessoas até às suas ideias, só querem fazer obstrução. Não querem e não podem fazer senão isso.

Como é que esses mesmos indivíduos, como é que aqueles que os guiam, agem assim que encontram, nas reuniões que organizam, contraditores? Uns impedem qualquer acesso à tribuna, outros formam uma tropa de guarda-costas prestes a espancar quem quer que ameace o seu candidato com alguma eloquência, com alguns argumentos.

Por vezes acontece-lhes terem azar… e apanharem pela frente homens que, depois de terem escutado em silêncio formularem-se as opiniões de outrem, querem formular a sua, porque têm uma. Não são obstrutores, são propagandistas. São os anarquistas.

Não há nenhuma “organização central anarquista”, por isso mesmo ele não pode preparar uma obstrução sistemática, delegar uma equipe de matulões, de atletas, para ir “partir o focinho” aos candidatos e aos que os apoiam. Há que, aqui ou acolá, manifestar a sua opinião, lá vai quem quer ou quem pode. E o camarada anarquista “orador” aí se encontra com o camarada anarquista “escritor” e também com o camarada anarquista que nunca na vida falou numa tribuna ou escreveu um artigo. Aqui não há equipes de espancadores, há sim homens conscientes e sinceros,

Ora é justamente o que os torna mais terríveis. Cada um desses homens tem uma convicção a defender, a sua. Tem uma opinião a formular. Não é mandado por ninguém, apenas por si próprio. Se se encontra com outros homens com pensamentos semelhantes ao seu, tanto melhor. Se está só, tanto pior. Mas quer ele esteja multiplicado por cem, não impedirá nenhum interlocutor de dizer o seu pensamento inteiro. E quer ele esteja só, não deixará por isso de fazer tudo o que é possível para erguer a sua ideia em face da maioria.

Se está só, completamente só, não terei sequer que falar da brutalidade dos socialistas, da cólera dos socialistas contra esse homem que se afirma. À exceção de alguns indivíduos, os “unificados”, os “cidadãos”, os “inscritos” quererão esmagá-lo. Há em tal gesto todo o ódio do socialismo, essa “filosofia” da turbamulta, contra o anarquismo, a filosofia do indivíduo. Se ele for multiplicado por dez, se for multiplicado por vinte, deverei falar de debandada, da covardia dessa espécie que faz logo a seguir apelo à polícia. Aí se reconhece bem todo o medo do rebanho diante do Homem.

Todos os partidos combatem o abstencionismo, mas nenhum como o partido socialista, o qual se apercebe que não mantém o povo sob a sua tutela, a não ser pela mentira do sufrágio universal. Nenhum emprega contra o anarquista calúnias mais baixas, meios mais atrozes.

Os pastores do rebanho que fugiu diante de dez pessoas, guarnecem as colunas das suas publicações com insinuações covardes e mentirosas, com efemérides exageradas e ridículas.

Pela parte que me cabe, sou um dos vadios estipendiados, um dos cadastrados de que fala o jornal L’Humanité de 22 de Maio, narrando a seu modo alguns incidentes de reuniões eleitorais em Levallois-Perret.

Éramos quinze, dos quais cinco ou seis mulheres, mal nos conhecíamos, unidos apenas por convicções semelhantes. Éramos quinze, eles eram quinhentos ou seiscentos… e “nós tomamos de assalto a tribuna, batemos ferozmente nas mulheres e nas crianças, semeamos o terror à nossa passagem, espancamos covardemente vários homens”.

Que faziam então o gado e os pastores socialistas, aquando desta luta homérica?

Na véspera do dia em que me encontrava nesta armadilha socialista, estava eu em Asnières, numa reunião organizada pelos anarquistas, a fim de nela desenvolvermos o porquê de sermos abstencionistas. Depois de cada camarada ter conversado, fazíamos apelo à contradição. Vários socialista vieram. Um saiu do tema, sem que se marcasse qualquer gesto de impaciência. A reunião terminou tranquilamente, sem que nenhuma “ordem do dia” viesse trazer qualquer sanção ao que tinha sido dito. É verdade que as pessoas que lá se reuniam não tinham a ideia de sacar um mandato para elas ou para os seus amigos, mas simplesmente de permitir que a verdade se manifestasse para o bem de todos.

Nenhum contraste me podia mostrar melhor as diferentes maneiras de proceder. Nada me podia dar uma melhor opinião sobre o valor do anarquismo do que o medo que se apossava de todos os pastores socialistas, nesse dia, ao pensamento de que íamos desenvolver as nossas ideias diante do seu gado, enquanto, pelo contrário, na véspera, nós tínhamos solicitado, encorajado a contradição.

Aconteceu com frequência os socialistas pretenderem que nós não podemos conversar nas reuniões eleitorais porque abstencionistas. Aí está um grave erro ou uma real velhacaria. Quando aqueles que escolhem amos os designarem para si sós, para seu uso exclusivo, veremos o que teremos para fazer. Mas enquanto os amos escolhidos nos ditarem a lei, nos derem ordens, nos roubarem, será absolutamente lógico que nos esforcemos por ensinar às multidões a prescindirem deles: quanto mais não fosse para nos libertarmos a nós próprios desses parasitas. Talvez seja um ato de “proselitismo”, mas sobretudo uma lição de higiene.

Um dos seus argumentos costumeiros é que só vimos manifestar a nossa opinião nas reuniões socialistas, que fazemos portanto o jogo da “reação”. Assim, no décimo-oitavo “arrondissement”, encontramo-nos nas salas de reunião de todos os candidatos radicais e nacionalistas; enquanto a associação da polícia e do comitê socialista formava tal barragem que não fomos a nenhuma das do candidato do partido Unificado. Noutros bairros, passou-se o contrário. Será sempre assim? Fazemos todos os nossos esforços para que não! Tratamos de estar por toda a parte onde os nossos argumentos podem tocar um cérebro que quer saber.

Não me servirei desta resposta, porque, pela minha parte, tendo que ir a duas reuniões eleitorais, uma nacionalista e outra socialista, é de preferência à última que eu iria. Calculo que muitos anarquistas pensam como eu.

Se nós fossemos às reuniões para fazermos obstrução sistemática, partir cabeças, etc., etc., talvez não hesitássemos em ir à dos primeiros, porque mais estranhos, mais afastados da nossa maneira de pensar. – Digo talvez, porque não estou inteiramente convencido do fato que acabo de adiantar. – Mas nós vamos até lá para espalharmos ideias que sinceramente cremos boas e não nos preocupamos senão em procurar o terreno mais favorável para semeá-las.

Numerosos pontos nos separam dos socialistas – até mesmo pontos “fundamentais” -, sobre muitos outros estamos ou parecemos estar de acordo. É outro tanto trabalho feito para nós. Um dos pontos que nos separam é justamente o que está em causa durante o período eleitoral. Pensamos, ao irmos para a esquerda, que não será necessário que nos demoremos no militarismo, no funcionalismo, na propriedade, etc., e que poderemos ir diretos aos pontos que nos separam, a fim de quebrarmos os laços que unem ao passado os auditores presentes.

Ainda por cima, estamos certos que os candidatos socialistas são os últimos obstáculos à revolução de que tanto falam. São os reacionários “modern-style” que canalizam a energia do povo, fazendo-a passar pelo esgoto do sufrágio universal, o controle do senhor Toda-a-gente. “Nós somos os melhores amos”, urram eles. Nós respondemos: “Bons amos, isso é coisa que não poderia existir”.

Temos portanto que ir até aos agrupamentos onde encontramos ou pensamos encontrar um meio já desembaraçado de muitos preconceitos sociais. Temos que ir demolir os argumentos dos pastores vermelhos, os quais, com as suas bajulações e as suas fanfarronadas, fazem tomar a nuvem por Juno à melhor parte do povo.

Confessá-lo-ei. Entra por vezes nos nossos gestos – não nos gabamos de ser perfeitos – um pouco de rancor. Os meios empregados pelos comitês socialistas são sempre tão ignóbeis, tão nojentos, tão caluniosos, quando é questão da manifestação da ideia anarquista – mesmo nas simples reuniões -, que uma pessoa não pode coibir-se de conservar uma certa cólera. Assim, muitos de nós decidiram ponderamente este ano não ir às reuniões dos Weber-Allemane, receando ser demasiado pessoais. Os socialistas foram batidos. Não teriam deixado de nos atirar com a culpa para as costas. Numa reunião em que se tinham mostrado atrozes, experimentei a necessidade de encontrar um Pinot de Levallois, que a presidia, para esmagar a sua cara de jesuíta vermelho, como se tem o desejo de esmagar uma víbora. Experimento esse sentimento por muitos chefes socialistas e digo-o francamente.

Diante das velhacarias que usam para conosco, da sua maneira de se conduzirem em relação a nós. A gente experimenta o sentimento de uma “traição” feita pelos da “própria família”, pelo amigo, pelo vizinho. Saberei confessar que não tenho razão. Os chefes socialistas não são nada mais que malandros ou imbecis na eterna conquista do prato da manteiga. A diferença, em relação aos seus concorrentes, é que eles lá chegam de uma maneira diferente.

Voltemos ao incidente e à sua narração pelo jornal L’Humanité que me leva a responder tão longamente:

Não nos faz mossa sermos “vadios”, cairmos sob a alçada da lei por porte de armas proibidas, sem receio das delações¹. Somos “cadastrados”, não por falcatruas eleitorais, cooperativas, sindicalistas ou financeiras, mas por termos afirmado as nossas ideias ou as nossas necessidades. No entanto, não nos agrada deixar dizer que somos “homens de quarenta cêntimos”, “estipendiados da reação”, pelos pastores e pelos membros dos comitês que mentem tanto mais grosseiramente quanto sabe, a verdade.

…Que eles não riam demasiado… saberemos nem sempre desempenhar o papel corajoso, mas demasiado doloroso de Girier-Lorion².

Albert Libertad, 28 de Maio de 1908

[1] Na quarta-feira, dia 22 de Maio, um socialista mandou prender e revistar pela polícia um jovem, sob o pretexto deste ter um revólver. Nada lhe foi encontrado.

[2] Le Matin informa-me, não sem me espantar, que à cabeça dum bando de anarquistas, eu invadia os locais de L’Humanité para os obrigar a retificarem, sem dúvida alguma, o relatório mentiroso de 22 de Maio. O artigo de hoje daria crédito à lenda. É preciso portanto que eu diga que não estava lá.

1.º Os anarquistas não têm necessidade de ninguém à sua cabeça para agirem; 2.º Vencido pelo esforço demasiado grande destes últimos meses, fui obrigado a ficar de cama ao ponto de nem mesmo poder fazer uma cavaqueira no nosso próprio local; 3.º Há camaradas melhores dotados do que eu para invadirem escritórios. Contudo confesso que, se tivesse estado de boa saúde e se me tivessem prevenido, seria com um real prazer que teria feito questão em flagelar essas faces de mentirosos.

Digamos tudo. Teria ficado pelo passeio. Os redatores tinham fugido por uma porta traseira; segundo o jornal Le Radical, os visitantes não encontraram ninguém, nem sequer “o pessoal de que fala Le Matin.

[Escrito retirado do livro “Textos de crítica da democracia”, de Albert Libertad – Livraria Editora Sotavento – Portugal]

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