É estranho a forma como a realidade tem sido abordada pela esquerda institucionalizada, sobretudo sobre o “recente ascenso” do Fascismo. Para nós, desse vasto campo de flores anarquistas,o Fascismo é esse lugar de extinção de todas as formas possíveis de convivências, incluindo a política. Ele nunca foi apenas repressão bruta ou força policial em estado puro, ele é o que sufoca todas as formas de manifestação de existir.
Agora o Fascismo é o principal objeto dos apelos ao voto útil, num discurso agudo de uma esquerda em agonia, ferida de morte pelas décadas de conciliação, erros, de longas jornadas de traições e malabarismos ideológicos.
Na versão brasileira, a esquerda partidária, chegou a dizer que o Bolsonaro nada mais era que um pettit fascism, enquanto isso… fomos nós, esse bando de “baderneiros encapuzados” quem primeiro sofria da borracha fascista, muito antes do mesmo virar lugar central no debate político de esquerda, e mesmo antes de junho de 2013, afinal, junho ainda não acabou.
O que é estranho em toda a retórica pelo voto útil, é o desconhecimento de que o Fascismo sempre esteve entre nós, nunca saiu da “pauta” anarquista, até por efeito “kill bill” que sempre sofremos do mesmo em todas as suas muitas formas e metamorfoses.
Por que o voto útil é um lugar vazio para os anarquistas? Não se trata de “princípios”, como se os mesmos fossem bíblias sagradas, nem tampouco o é por causa da procissão de identitarismos, especificismos de variado espectro que povoam a cena brasileira.
Nossa resposta é direta: As eleições não irão deter o Fascismo! O que o destrói são as ações de demolição de seus edifícios, simbólicos, de seus significantes e mestres. Todas as histórias de resistência ao fascismo são ricas em formas de organização e luta, da Espanha passando pela Itália, as lutas na Grécia ou na Bulgária. Para onde você olhar existem pedagogias extraordinárias de combates.
Mas porque o voto útil tornou-se um apelo tão enfatizado, convertido em diretiva moral, prédicas emotivas e ação discursiva diária? Será o caso, nós anarquistas, de indagar primeiro: Não será o voto útil o último bote de salvação para o PT/Esquerdas Partidárias diante da tsunami de irrelevâncias em que se converteram, enquanto forças/energias de criação utópica na sociedade brasileira?
Não será o fato de o PT ter se tornado mais um partido na constelação de garantia da Ordem, de não ser mais o portador das “mudanças”, de a esquerda partidária/institucional não mais encarnar a força de “destruição dos sistemas” justamente o que forneceu o tecido genético para a deriva fascista atual?
O voto útil é um gesto de baixa intensidade, ele não aponta para outros mundos possíveis, ele não planta redemoinhos, ele apenas quer de volta a vida normal e pacífica da sociedade brasileira. O voto útil, sujeito destituído de substância, constitui apenas a forma fantasma do derretimento das coordenadas políticas de uma esquerda que surfou em seu próprio self/espetáculo, imaginando que poderia dormir sob as mesmas estrelas que a casa grande. O deserto já povoa a vida política na margem esquerda do pais, e não é de hoje.
O voto útil é esse apelo de um desespero em movimento, busca tecer afetos aonde nada mais existe. É um lugar vazio da política enquanto negatividade, é um gesto retroativo, puramente uma nostálgica de um tempo que se gostaria restituir, o Brasil Feliz de que fala o candidato.
Não!
Nós Queremos as barricadas, as batalhas de rua, os enfrentamentos com o Estado e suas aberrações. Sabemos o que está por vir, simplesmente porque já o sabíamos.
Queremos cumplicidades, novas tramas e modos de existir, um Comum, novas Okupas para fazer face ao modo de propriedade que domina, e predomina.
Não queremos os espaços que aí estão, eles estão povoados de morte e de falta de horizontes. Preferimos as incertezas da poesia livre, das tentativas de criação de nossos espaços de convivialidade.
Não queremos o facebook, o tinder e as armadilhas do whatsapp, preferimos os encontros face a face, a construção dos laços antes que do código, o respeito aos modos de ver o mundo antes das “vibes”. Não queremos a foto, nem o story do turismo ideológico, queremos confabular ataques ao sistema, pois o inimigo segue sendo a pílula azul.
Temos muitas dúvidas sobre tudo, nossos artefatos e técnicas ainda são incipientes, mas sabemos que nosso inimigo é a infra-estrutura e suas miríade de tretas diárias, seus mecanismos de fabrico e distribuição de corpos sem sujeitos. Sabemos disso, como sabemos que a esquerda que aí está, nunca fora capaz de reunir a vontade e as paixões necessárias para escalar essas paredes e arriscar outra vida do outro lado, afinal, e nós sabemos, outros mundos estão aí para serem construídos, numa infinidade linda de formas.
Quando o Fascismo bate em qualquer porta, lá está um anarquista, quando a polícia chega e seu ombro toca o meu corpo e minhas feridas de ontem, lá estamos nós.
Diante do pelotão, bem adiante dos grevistas, lá estamos nós, uma camada disforme entre as esperanças e os bestiais. Sim, somos nós, entre os estudantes e o BOPE, portando nossos coquetéis, mas também o melhor de nossas energias.
Nos convidem para inventar novas formas de lutar, ação direta, nos chame para comermos juntos e cantarmos. Nos convoque, com respeito, para criar novas ferramentas de combate, ou simplesmente para o plantio de mais uma horta.
Seguimos! Nas ruas, nas praças, mesmo quando estivermos usando capuz ou máscaras, quando estivermos enfrentando fascistas ou seus lacaios, lá estaremos, sempre, por isso, não nos peça votos, LUTE COMO UM ANARQUISTA!
Kuarup
Outubro de 2018
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!