• Passou por três campos de concentração e por vários cárceres nos quais foi submetida a torturas, vexações e agressões
• O trabalho de duas organizações sociais permite recuperar a figura desta destacada membro da resistência francesa nascida na localidade zaragozana de Magallón
por Eduardo Bayona | 12/10/2018
Elisa Garrido (Magallón, 1909; Toulouse, anos 80) sobreviveu a duas guerras nas quais lutou, a civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial na França, a vários cárceres, a três campos de concentração, a torturas e tratos desumanos e, inclusive, ao risco de sua própria audácia ao provocar uma explosão que inutilizou a fábrica de obuses¹ nazi do Comando Hafag, ao qual havia sido destinada como escrava de guerra pelos alemães.
Militante da CNT em Barcelona, onde trabalhava como servente para uma família aristocrática, fez parte das milícias libertárias que saíram da capital catalã para a frente de Aragão no início da Guerra Civil para, depois participar em outras ações, ser uma das centenas de milhares de espanhóis que cruzaram os Pirineus até a França após a batalha de Ebro².
Ali, “La mañica” ou “Françoise” e seu companheiro Marino Ruiz acabaram fixando-se em Toulouse, onde se casaram e onde ficaram por causa da Segunda Guerra Mundial. Ele se engajou como correspondente para a resistência, trabalho no qual ela o substituiu após ele ser detido pela Gestapo. “Fez um trabalho tremendo, saía pelas noites para buscar pessoas que passavam a fronteira e operava como correspondente”, explica Pilar Gimeno, sobrinha de Elisa e presidente da Afaem (Associação de Familiares Enterrados de Magallón), que o último fim de semana de setembro organizou as jornadas de memória que, “por casualidade”, permitiram recuperar a história da guerrilheira.
“Com Elisa nos encontramos com um problema habitual para identificar as mulheres deportadas a campos de concentração após terem participado na resistência: aparecem nos registros com o nome de casadas, que na França implica ter o sobrenome do marido”, explica Juan Manuel Calvo, de Amical Mathausen, que foi quem acabou dando com a história após contactar com vários familiares dela como Pilar Gimeno e Clemente Arellano. Suas colaborações permitiram esclarecer que Elisa Ruiz de Angulo, Ruiz de Masalle e Ruiz Garrido eram a mesma pessoa: Elisa Garrido.
“A pesquisa de caráter local é fundamental em temas de Memória para identificar as vítimas, porque é ali onde se encontram a informação e as relações pessoais”, assinala Calvo, promotor da web Aragoneses Deportados, que coleta as identidades, e várias das biografias, dos 1.015 republicanos aragoneses que passaram pelos campos de concentração nazis.
Cárceres, campos, torturas
A biografia completa de Elisa Garrido é uma dessas, que já se aproximam do centenário, as peças oferecidas pelos familiares permitiram completar um quebra-cabeças que Neus Català e Mercé Núnez haviam começado a encaixar em seus livros: De la resistencia e la deportación e El carretó dels gossos. Una catalana a Ravensbruck.
“La mañica” foi detida em outubro de 1943 e submetida a torturas pela Gestapo durante mais de duas semanas no cárcere de Toulouse. Não foi derrotada. Dali foi transladada a outro presídio em Paris, de onde saiu para o campo de Ravensbrück fazendo parte de um grupo de quase mil mulheres.
Permaneceria ali uns meses até que, em setembro de 1944, foi destinada como escrava de guerra ao Kommando Hasag, uma fábrica de obuses ligada ao campo de concentração de Buchenwald onde realizou uma de suas ações mais arriscadas. Conseguiu que uma parte da fábrica voasse pelos ares mediante uma sabotagem que arrastou dois soldados alemães: evitava extrair todo o explosivo das bombas que, por não terem ficado bem acabadas, tinham que voltar a passar pela máquina fresadora para serem polidas de novo. O trepidar e a pressão da máquina funcionaram como detonadores.
Pouco depois foi devolvida a Ravensbrück, campo que deixaria uma vez acabada a guerra para ser conduzida a Frankfurt em uma troca de prisioneiros. Foi liberada em Estocolmo após passar pela Dinamarca.
“Já chega de silêncios”
Elisa e Marino regressaram a Aragão nos anos 50. Ele se estabeleceu como taxista em Mallén e ela abriu uma peixaria em Cortes de Navarra. Mas as coisas não foram muito bem e regressaram à França, onde ela recebeu duas condecorações e pensões: a da Legião de Honra e o grau honorífico de Tenente da Resistência.
“Deve ter sido horroroso o que aconteceu”, assinala Pilar Gimeno, que recorda ouvir outros membros da família contar as sequelas que sofreu nas pernas pelos ataques dos cães nos campos de concentração. Também como sobreviveu a um aborto em um desses complexos: “Abriram-na para tirar um feto, como faziam com todas as mulheres que ficavam grávidas pelos abusos e as violações as quais os soldados alemães as submetiam, e sobreviveu”.
“Dedicou sua vida a ajudar aos que haviam passado pela resistência e aos que haviam sido deportados. Fez um trabalho humanitário tremendo”, indica Gimeno, que reivindica o trabalho dos memorialistas. “Estou cansada de silêncios, já chega de silêncios. É preciso dar a palavra à dor, porque, se não se faz isso, o coração se encolhe”, acrescenta.
>> Foto em destaque: Elisa Garrido, a primeira da esquerda, durante uma visita a Magallón para uma celebração familiar.
Fonte: https://www.eldiario.es/aragon/sociedad/Elisa-manica-magallonera-fabrica-obuses_0_824167722.html
>> Notas:
[1] Plural de obus – arma de fogo formada por um tubo largo e oco que serve para disparar granadas.
[2] Batalha travada às margens do Rio Ebro de julho a novembro de 1938.
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
Mais um prédio novo
cobre um pedaço do céu.
Noite sem luar.
Edson Kenji Iura
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!