[EUA] Michelle Cruz Gonzales sobre permanecer punk e ensinar lições

por Luther Blisset

Desde o século XVIII, anarquistas europeus e ocidentais têm se interessado profundamente pela educação. Enquanto figuras como William Godwin e Max Stirner ajudaram com o enquadramento inicial, o interesse e a aplicação aumentaram no final do século XIX. Desde o tempo de Ferrer e das Escolas Modernas em Nova York (1911), a educação anarquista se desenvolveu rizomaticamente em múltiplas direções simultâneas. Este perfil de Michelle Cruz Gonzales é o primeiro em uma série de perfis sobre educadores, não-tradicionais e tradicionais, que veem a si mesmos e ao seu trabalho educacional como antiautoritários ou trabalhando para uma mudança social significativa.

Michelle Cruz Gonzales é uma Xicana¹, musicista punk rock, autora e educadora. Suas identidades pessoal e profissional são definidas em grande parte como sendo uma praticante Xicana das práticas culturais e de escrita antiautoritárias de Orwell. Autora de The Spitboy Rule, Gonzales concordou em compartilhar seu tempo para falar sobre ensinar e trabalhar como uma antiautoritária e punk na educação.

Como sua experiência na cultura punk influenciou seu trabalho como educadora?

A cultura punk influencia quase todas as partes da minha vida, especialmente o ensino e a aprendizagem. Fiquei quieta por muitos anos, mas não há nada como a pré-menopausa para revigorar o ethos punk de uma mulher. Eu tenho pensado muito sobre a minha garota punk interna. Ela se identifica muito fortemente com seus estudantes, quase consegue entender o que eles estão passando, seu desejo por uma professora que os respeite e o que eles estão passando. Uma professora que não os rejeitará, suas ideias, ou suas lutas particulares, até mesmo lutas que são exclusivas da geração do milênio, os tipos de atributos que são escritos na cultura popular, as acusações de narcisismo, senso de direito, quão dispersos eles são vistos como sendo. Ensinar jovens adultos parece muito com estar em uma banda punk como a Spitboy, uma banda de primeira mensagem, uma banda que desafiou as pessoas a pensar de novas maneiras. Eu dei uma palestra na USC recentemente, e disse que se a Spitboy fosse uma turma, nós seríamos uma turma de estudos de gênero. Embora eu não ensine estudos de gênero, por exemplo, sempre houve algo de acadêmico sobre o que estávamos fazendo. Muitas de nossas músicas foram inspiradas em livros como Mismeasure of Woman (“Desmedida da Mulher”) de Carol Travis, Back Lash (“Chicotada nas Costas”) de Susan Faludi, Ultimate Violations (“Últimas Violações”) de Judith Rowlands, The Handmaid’s Tale (“O conto da Aia”) de Margaret Atwood e Possessing the Secret of Joy (“Possuindo o Segredo da Alegria”) de Alice Walker.

Quais são os desafios mais significantes que educadores radicais ou antiautoritários enfrentam quando ensinam, e como você lida com esses desafios?

Conflitos internos sobre como gerenciar uma sala de aula é um desafio comum, o pensamento de estar “no comando” das pessoas quando você realmente prefere que as pessoas sejam responsáveis por si mesmas. Notas e classificação é outra questão. Uma forma pela qual eu lido com a minha ansiedade sobre as notas é permitir que haja uma certa margem de erro da minha parte: ensino ruim, não ser clara quando eu poderia ter sido, matemática ruim, tarefas que não são realmente colocadas no sistema de avaliação quando deveriam ter sido, coisas assim. Eu sempre arredondo para cima quando qualquer nota está nos 9s. No entanto, uma questão maior é o que as notas passam a representar e como elas quase totalmente prejudicam o propósito real do ensino superior, que é aprender, aprender a ser um bom comunicador, um pensador crítico e um membro plenamente funcional de uma república.

Uma crítica aos radicais na academia é que nós somos parasitas ou hipócritas porque pegamos dinheiro do Estado via pagamento e benefícios. Como você lida com essa tensão?

Essa questão me fez rir um pouco, dada a importância do que fazemos, e quão pouco somos pagos em comparação a outros setores, mas eu sei que essa não é a preocupação dos anticapitalistas. Obviamente não estou acima de “tirar dinheiro do Estado”, mas é algo em que penso.

Eu sinto que muito do que faço no meu papel como uma educadora beirando o ativismo, coisas como ajudar a acabar com a confiança em testes padronizados (no meu campus e ajudar a espalhar a palavra sobre o uso geral do GPA do HS para colocação) que impacta desproporcionalmente os alunos de cor, mas eu estou terrivelmente ciente de que não é ativismo, dado que sou paga para fazer esse trabalho. Eu uso reuniões, tempo e recursos do campus para fazer esse trabalho, trabalho que muitos não escolheriam fazer, com o qual muitos não se incomodariam, mas eu normalmente não estou fazendo isso de graça, então eu tento não ficar toda romântica sobre esse trabalho como ativismo.
 

Em relação ao dinheiro do Estado; na verdade não é o dinheiro do Estado, é dinheiro do contribuinte (pagador de impostos) e, além do meu salário, eu supervisiono dois grandes potes de dinheiro que vêm do dinheiro dos contribuintes: o Subsídio de Transformações de Estudantes de Habilidades Básicas (subsídio de três anos) e o Subsídio de Habilidades Básicas (fundos anuais). Eu levo muito a sério o gasto de dólares dos contribuintes; gastar esse dinheiro para criar programas de apoio estudantil deve ser feito com planejamento suficiente e baseado em dados e melhores práticas. Eu fui a uma conferência recentemente que foi totalmente financiada por um desses subsídios, e eu tirei um dos meus dias pessoais para voar cedo para economizar dinheiro, já que parecia a coisa certa a fazer. Eu entendo que é um privilégio ter dias pessoais também.

Para pessoas que amam aprender, mas têm problemas com a autoridade relacionada à escola, o que você recomendaria?

Eu recomendaria pedir a outros estudantes recomendações de professores, e se você tiver que ir a um site como ratemyprofessor.com (“avaliemeuprofessor.com“), que leia nas entrelinhas, pois muitas pessoas que postam nesses sites realmente odeiam ou realmente gostam dos instrutores que eles avaliam. Leia as avaliações como você leria críticas de livros ou restaurantes. Ou seja, leia vários, empregue alguma análise crítica, e decida se esse professor seria bom para você. Outra maneira é perguntar aos instrutores com quem você se sente seguro e de quem você gosta, quem eles recomendam.

Outra coisa a fazer seria aprender sobre os diferentes estilos de aprendizado, descobrir qual é o seu e saber que quando algo sobre um instrutor realmente o incomoda, pode ser que eles estejam ensinando em seu próprio estilo de aprendizado, algo que eles podem não conseguir parar de fazer. Às vezes, apenas conhecer abre nossas mentes e cria compreensão.

Você encontrou as mesmas preocupações sobre “vender” entre os educadores radicais ou ativistas como na cena punk?

Essa ideia de venda existe em todo lugar, na academia e/ou na política geralmente acontece dentro do contexto de comprometer os valores de uma pessoa. Ironicamente, o compromisso é uma estratégia que todos nós devemos empregar em todos os tipos de áreas para encontrar a paz e/ou começar a mudar. No entanto, outra maneira de olhar a ideia de vender é da perspectiva de pessoas com privilégios. Na pós-graduação, muitas pessoas do MFA que eu frequentava não queriam ensinar porque ler porque achavam que ler a escrita ruim/em desenvolvimento arruinaria ou mancharia sua própria escrita, como se manchasse o processo criativo, então ensinar seria uma forma de vender para sua arte.

Eu chamei isso de besteira porque para mim, uma graduada do ensino médio e da faculdade de primeira geração e uma Xicana, alguém que veio de uma família de camponeses/rancheiros de um lado (artistas do outro), pessoas que trabalhavam com as mãos, a ideia de olhar para o ensino parecia insana e vinda de um lugar de privilégio, essa ideia de que um escritor deveria estar acima do ensino, do trabalho de serviço. Na cena punk, muitas das pessoas que eu vi “vender” são pessoas que vieram de origens da classe trabalhadora, pessoas para as quais a mobilização ascendente teria sido muito difícil de alcançar, e uma vida através da música se apresentou. Com tudo isso, gostaria de enfatizar que não é incomum, na minha experiência, que as pessoas com privilégio retenham aquelas com menos privilégios com a ameaça de vender. Para mim, é um privilégio ensinar, e isso me dá uma plataforma que as pessoas da minha família nunca tiveram. Claro que esta plataforma me coloca em uma posição privilegiada, que eu trabalho duro para não abusar.

Quais pensadores, escritores, ativistas, ou radicais influenciaram seu trabalho como uma educadora e antiautoritária?

Joe Strummer, George Orwell, Alice Walker, Margaret Atwood, Barbara Ehrenreich, Ana Castillo, Sonia Nazario, The Clash, Dead Kennedys, Paulo Freire, Corky Gonzales, Rubin Salazar, e mais recentemente John Hetts, e os criadores do Black Minds Matter, Dr. Luke Wood e Frank Harris III.

Como você lida com o desafio de equilibrar o aprendizado autêntico com a garantia de que seus estudantes recebam as caixas necessárias conferidas para seu grau e, assim, a capacidade de encontrar um emprego?

O estado da Califórnia é super focado em mover os alunos pelo caminho em um ritmo muito mais rápido do que nunca, o que é de certa forma bom porque finalmente, por meio de dados, entendemos que os alunos não precisam de muita “remediação” como havíamos tradicionalmente pensado, mas há também razões de economia de custos para esse foco no ritmo. A desvantagem real é que isso leva a ideia de aprendizado autêntico ainda mais longe do objetivo final de estudantes que já estão graduados, licenciados e focados no trabalho. Falo com a aprendizagem autêntica em minhas salas de aula com frequência; eu não sacrifico o rigor, e trabalho muito para dar tempo para discussões reais no estilo socrático, nas quais os estudantes estão respondendo uns aos outros, realmente interagindo com as ideias do curso juntos.

Este artigo apareceu primeiro na edição de verão do Freedom Journal

Fonte: https://freedomnews.org.uk/interview-michelle-cruz-gonzales-on-staying-punk-and-teaching-lessons/

[1] “O xicanismo transcende um mero rótulo de ser mexicano ou mexicano-americano. O “X” conecta a pessoa a um reconhecimento de sua identidade indígena que é frequentemente ignorada por muitos mexicanos. Assim como muitos na comunidade mexicana condenam sua negritude, muitos condenam sua cultura indígena e sangue indígena. Esta identidade de Xicanismo recupera a indigeneidade usando o “X” que é comumente usado para o som “ch” em línguas indígenas”.

Tradução > sapat@

agência de notícias anarquistas-ana

Alpisteiro cheio
Passarinhos aparecem ao redor
e gatos também.

Jonny Akira Nitta – 12 anos