por Benjamin Zephaniah
Eu me politizei depois de ter sofrido o meu primeiro ataque racista, na idade de sete anos. Eu não conhecia nenhuma teoria política, eu só sabia que eu tinha sido injustiçado, e sabia também que deveria existir algo a se fazer. Alguns anos mais tarde, com quinze anos, uma viatura policial me parou enquanto eu caminhava em Birmingham nas primeiras horas da manhã, e três policiais desceram do carro, me arrastaram até a entrada de uma loja e me espancaram. Eles entraram novamente no carro, e saíram dirigindo como se nada tivesse acontecido. Eu não tinha lido nada a respeito da instituição policial, nem qualquer coisa sobre a Lei e a Ordem, eu apenas sabia que havia sido injustiçado. Quando eu consegui meu primeiro emprego como um pintor, eu não havia lido nada a respeito da teoria da Luta de Classes, ou sobre como os ricos exploram os pobres, mas quando o meu chefe chegava a cada dia com um super carro diferente, enquanto nós arriscávamos nossas vidas em cima de escadas e respirando vapores tóxicos, eu apenas sabia que havia sido injustiçado.
Eu cresci (como a maioria das pessoas ao meu redor) acreditando que o Anarquismo significa simplesmente todo mundo indo à loucura e o fim de todas as coisas. Eu sou muito disléxico, então eu frequentemente tenho que usar um verificador ortográfico para ter certeza que eu estou escrevendo as palavras corretamente. Eu estava ouvindo termos como Socialismo ou Comunismo todo o tempo, mas mesmo os Socialistas e os Comunistas que eu me encontrava tendiam a repudiar os Anarquistas ou como um grupo à margem, que eles sempre acusavam quando havia problemas em protestos, ou como sonhadores. Mesmo agora, eu acabo de verificar o corretor ortográfico e ele descreve o Anarquismo como caos, ausência de leis, bagunça e desordem. Eu gosto da coisa da desordem, mas para o cidadão ‘comum’, desordem significa caos, ausência de leis, e bagunça. Precisamente as coisas que os cidadãos comuns mais aprendem a temer.
A melhor coisa que eu já fiz foi ter aprendido a pensar por conta própria. Eu comecei a fazer isso ainda bem jovem, mas é algo muito difícil quando pra todo lado tem alguma coisa te dizendo como pensar. O Capitalismo é sedutor. Ele limita a sua imaginação, e então te diz que você deveria se sentir livre por ter escolhas, mas as suas escolhas são limitadas pelos produtos que eles colocam na sua frente, ou os limites da sua agora limitada imaginação. Eu lembro de ter visitado São Paulo muitos anos atrás, na época em que introduziram a lei Cidade Limpa. O prefeito não tinha de repente se tornado um Anarquista, mas ele se deu conta que a publicidade contínua e onipresente a que as pessoas eram sujeitas não era apenas feia, mas também distraía as pessoas delas mesmas. Assim, mais de 15000 outdoors publicitários foram removidos. Publicidade em papel ou em neon, em táxis, em ônibus, foi tudo banido. A primeira vista tudo pareceu um pouco estranho, mas no lugar de tentar olhar ou não para as propagandas, eu caminhei, e enquanto caminhava eu comecei a olhar ao meu redor. E descobri que eu passei a comprar somente o que eu realmente precisava, não o que me diziam que eu precisava, e o que foi mais perceptível para mim era que eu encontrava e conversava com novas pessoas todos os dias. Essas conversas tendiam a ser relevantes, políticas e significativas. O Capitalismo nos mantém em competição uns com os outros, e as pessoas que controlam o Capitalismo não desejam que nós conversemos uns com os outros, pelo menos não de uma maneira significativa.
Eu não vou continuar falando de Capitalismo, Socialismo ou Comunismo, mas fica claro que uma coisa que todos eles têm em comum é a necessidade de poder. Por trás da necessidade de poder todos esses sistemas têm teorias, teorias sobre tomar o poder e o que eles desejam fazer com o poder, mas é aí que se encontra o problema. Teorias e poder. Eu me tornei um Anarquista quando eu decidi abandonar as teorias e parar de perseguir o poder. Quando eu parei de me preocupar com essas coisas eu me dei conta que a minha natureza é a verdadeira Anarquia. É a nossa natureza. É o que nós fazíamos antes das teorias chegarem, é o que nós fazíamos antes de termos sido encorajados a competir uns com os outros. Grandes coisas vêm sendo escritas sobre o Anarquismo, e eu acho que isso é teoria Anarquista, mas quando eu tento fazer os meus amigos lerem (estou falando de livros grandes com palavras grandes), eles têm dor de cabeça e se afastam. Daí, eu desligo a publicidade (a TV, etc) e sento com eles, e os lembro o que eles podem fazer para eles mesmos. Eu dou exemplos de pessoas que vivem sem governos, pessoas que se auto-organizam, pessoas que tomaram de volta a própria identidade espiritual – e de repente tudo faz sentido.
Se nós continuarmos falando sobre teorias, então nós só vamos poder continuar falando com pessoas que já conhecem essas teorias, ou tem teorias elas mesmas, e se continuarmos andando em círculos ao redor de teorias nós excluímos um monte de pessoas. Exatamente as pessoas que nós precisamos alcançar, exatamente as pessoas que precisam de se livrar das amarras da escravidão moderna do Capitalismo. A história de Carne Ross é inspiradora não por ele ter escrito algo, mas por ele ter tido uma vivência. Eu amo o trabalho de Noam Chomsky e eu amo a estória sobre como a avó de Stuart Christie fez dele um Anarquista, mas eu estou aqui por entender que a polícia racista que me espancou tem o Estado como salvaguarda, e o próprio Estado é em si mesmo racista. Eu estou aqui pois agora eu entendo que o chefe que me explorou para o seu próprio enriquecimento não dava a mínima sobre mim. Eu estou aqui por que eu sei que os Marrons na Jamaica se libertaram sozinhos, fugiram para as colinas e provaram para todas as pessoas que eles podiam cuidar de si mesmos. Não me entendam mal, eu amo livros (eu sou um escritor, a propósito), e eu sei que nós precisamos de pessoas que pensam profundamente – nós todos deveríamos pensar profundamente. Mas as minhas maiores inspirações vêm de pessoas do dia-a-dia que pararam de buscar o poder, ou esperar que os poderosos as resgatem, e elas fazem as próprias vidas por elas mesmas. Eu conheci pessoas que vivem o Anarquismo na Índia, Quênia, Jamaica, Etiópia, e na Papua-Nova Guiné, mas quando eu digo pra elas que elas são Anarquistas, a maioria me diz que elas nunca ouviram falar de tal palavra, e o que elas vêm fazendo é simples e natural. Eu sou um Anarquista por que eu fui injustiçado, e eu vi todo o resto colapsar.
Eu passei o final dos anos 70 e a década de 80 vivendo em Londres com muitos exilados ativistas do ANC – depois de uma longa batalha, Nelson Mandela foi libertado e os exilados voltaram para as suas casas. Eu me lembro de olhar para uma foto do primeiro governo democraticamente eleito na África do Sul e me dar conta que eu conhecia dois terços das pessoas na foto. Eu também me lembro de ter visto uma foto do recém-eleito governo Blair (do Partido Trabalhista Britânico) e de ter me dado conta que eu conhecia um quarto das pessoas ali presentes, e em ambas as ocasiões eu me lembro de ter ficado cheio de esperança. Mas em ambos os casos não demorou muito para ver como o poder tinha corrompido tantos membros daqueles governos. Essas pessoas eram as que eu chegaria e diria, “Ei, o que vocês estão fazendo?”, e a resposta era sempre algo como “Benjamin, você não sabe como funciona o poder”. Bom, eu sei. Foda-se o poder e vamos só cuidar uns dos outros.
Quase todo mundo sabe que a política está colapsando. Isso não é uma teoria ou o meu ponto de vista. As pessoas podem ver, sentir isso. O problema é que elas simplesmente não podem imaginar uma alternativa. Elas não possuem confiança. Eu simplesmente ignorei toda a publicidade, desliguei a minha ‘tel-le-visão’¹, e comecei a pensar por mim mesmo. Então eu comecei a realmente encontrar pessoas – e, confie em mim, não há nada tão incrível quanto conhecer pessoas que estão seguindo as suas vidas, tocando fazendas, escolas, lojas, e mesmo economias, em comunidades onde ninguém possui poder.
É por isso que eu sou um Anarquista.
>> Benjamin Zephaniah é um escritor, poeta e anarquista. O seu último livro é A Vida e as Rimas de Benjamin Zephaniah (Simon e Schuster).
Fonte: http://dogsection.org/why-i-am-an-anarchist/
>> Nota do tradutor:
[1] Aqui, o autor faz um trocadilho intraduzível para o português, escrevendo ‘television’ [televisão] como ‘tell-lie-vision’, que em português seria algo como ‘visão-que-conta-mentiras’.
Tradução > Natureza Selvagem
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agência de noticias anarquistas-ana
Pra que respirar?
posso ouvi-la, fremindo,
maciez de noite.
Soares Feitosa
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!