por Ayelén Correa Ruau
Em 22 de agosto de 2016, Macarena Valdés foi assassinada em Tranguil, comuna de Panguipulli. Depois a enforcaram para simular um suicídio. Não é a primeira vez que algo assim acontece no Chile.
Macarena nasceu 32 anos antes em Hualañé – um vilarejo a 50 quilômetros da cidade de Curicó – e viveu a maior parte de sua vida na região metropolitana de Santiago. Inserida na vida urbana, nunca perdeu sua sensibilidade pela Ñuke Mapu[1] e o território habitado.
Em 2014, a vida urbana com sua razão mercantil e predatória tornou-se insuportável, então ela decidiu começar uma viagem de volta às suas memórias ancestrais. Macarena foi uma pioneira no retorno à Mapu, na recuperação da vida e da cultura originária livre de essencialismos.
Ela e sua família chegaram em Tranguil, uma pequena comunidade rural perto de Liquiñe. Os ngen[2] já sabiam e haviam avisado: chegariam para cuidar e defender as águas do rio Tranguil, como os povos da terra sabem fazer.
Levantaram sua ruka[3] graças à solidariedade de Mónica Paillamilla, que compartilhou a terra, e dali geraram um espaço de trawün[4] entre homens e mulheres. Um lugar de aprendizagem recíproca que alternou o culminar de estudos de habitantes da comunidade com a aproximação ao mapudungun e a confiança entre mulheres. Macarena se tornou uma lamgen[6] para outras como ela e construiu um laço de sororidade.
A empresa apontada
Em 2014, RP El Arroyo Energías Renovables S.A chegou ao território de Tranguil para concluir a instalação de sua “Mini Central Hidroelétrica de Paso – Tranguil”. Uma instalação que nunca foi consultada com as comunidades indígenas.
Rubén Collío, companheiro de Macarena e engenheiro ambiental, se colocou à disposição da organização mapuche. Assim, iniciou-se um processo de exercício de direitos por parte das comunidades Mapuche da região: subiram cada um dos degraus do prédio da burocracia para impedir a instalação da empresa no território.
A casa da família de Rubén e Macarena tornou-se um espaço de reuniões e valentia.
Naquela época, o companheiro de Macarena foi escolhido pelas comunidades como werken[7]. De acordo com a cosmovisão mapuche é um mensageiro, representante ou porta-voz de uma comunidade ou família. A designação era uma grande responsabilidade e significou uma visibilidade excepcional para ele, Macarena e seus filhos.
Em 1° de agosto de 2016, membros da comunidade Quillempan e da Coordenação Newen de Tranguil, com o apoio do Koyagtun[8] de Koz Koz fecharam a rota CH 201, uma rodovia nacional que dá acesso a um dos passos fronteiriços com a Argentina. Macarena esteve lá colocando o corpo e freando o avanço repressivo. O fechamento conseguiu que os carabineros deixassem o lugar e mostrou a todo o país a newen[9] da organização mapuche contra as empresas extrativistas.
As comunidades exigiram que se respeite a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a opinião do Serviço Nacional de Turismo, que a considera uma zona protegida. Mas não foram escutadas. A empresa construiu a central no território Mapuche Quillempan de maneira ilegal, sem permissão das famílias proprietárias e sobre dos Eltuwe[10].
Em 21 de agosto de 2016, um dia antes do assassinato de Macarena, Juan Luengo e Osvaldo Jaramillo Paillán, ligados à empresa RP Arroyo, foram à casa da mulher que teria cedido o terreno onde Macarena e sua família viviam. Lhe exigiram que os tirasse sob ameaça de morte.
Macarena foi assassinada no dia seguente em sua casa em Tranguil. Seu filho de dois anos estava com ela e presenciou tudo. A morte foi registrada na Procuradoria de Panguipulli com o registro de CAUSA RUC N°1600790791-9 e na autópsia do Serviço Médico Legal de Valdivia a cargo de Enrique Rocco Rojas, a causa foi chamada de “asfixia por enforcamento” e disse que seu corpo no apresentava lesões atribuídas a terceiros.
Mas sua família e a Comunidade Newen de Tranguil sabiam que não era um suicídio: a haviam matado. Um ano depois, o especialista médico forense Luis Ravanal realizou uma análise pericial sobre a autópsia de Macarena e questionou o resultado. Na nova autópsia e exame histológico, concluiu que Macarena já estava morta quando foi enforcada, porque a pele de seu pescoço não apresentava lesões vitais normais por enforcamento.
Apenas no final de 2018 a mudança para “descoberta de cadáver” foi alcançada, mas 3 anos após o assassinato a investigação não avançou.
Dois meses depois do assassinato de Macarena, a empresa informou em seu site que a construção da hidroelétrica havia sido concluída. Apesar disso e das múltiplas estratégias da empresa para gerar divisionismo e terror na comunidade, a casa de Macarena segue no mesmo lugar e Rubén, seus filhos e a comunidade Newen de Tranguil continuam resistindo.
O corpo de Macarena
Quando Macarena apareceu morta, as mulheres organizadas e lesbofeministas foram as primeiras a denunciar que ela havia sido assassinada e que isso representava um feminicídio empresarial: a mataram por ser uma mulher mapuche e por defender os bens comuns das empresas que saqueiam o território.
Em um dos registros audiovisuais da mobilização de 1º de agosto, Macarena pode ser vista colocando o corpo contra uma van para que não avance. Pequena e imóvel ao lado de um carabinero que carrega duas cabeças. Não grita, não faz gestos grandiloquentes, quase não se vê seus lábios se mexerem, mas está lá, inquieta e firme como una montanha cuidando do leito de um rio.
Com o femicídio de Macarena, são expressas múltiplas mensagens que podem ser lidas na chave de uma gramática das violências, que usa o corpo como um território de disputas. Os corpos das mulheres mutiladas, assassinadas, violadas.
De seu lugar de mulher mapuche, Macarena Valdés vivia para conservar a ñuke mapu, produzir seus próprios alimentos e conviver com seu entorno. Macarena, cuidadora da vida. Está guardada na memória viva de Wallmapu e quer transcender fronteiras para que sua morte não fique impune.
>> Palavras/Expressões em idioma mapuche
[1] Ñuke Mapu – mãe terra
[2] ngen – espíritos da natureza
[3] ruka – casa
[4] trawün – reunião, assembleia
[5] mapudungun – idioma mapuche
[6] lamgen -irmã/irmão
[7] werkén – mensageiro, porta-voz
[8] Koyagtun – Parlamento
[9] newen – força
[10] Eltuwe – cemitérios
[11] wallmapu – território mapuche
Radio Kurruf – radiokurruf.org
Tradução > keka
agência de notícias anarquistas-ana
uma pétala de rosa
no vento
ah, uma borboleta
Rogério Martins
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!