Sem fé no governo, alguns radicais esperam abastecer a si mesmo e seus vizinhos através da terra e de cada um.
Por Arvind Dilawar| 18/09/2019
Nos meses minguantes de 2011, Tim Holland estava profundamente envolvido no Occupy Denver, a ramificação local do movimento internacional Occupy. O anarquista de 41 anos e artista de hip-hop, que atende pelo nome artístico de Sole, vivia em Denver desde 2009. Quando os ocupantes primeiramente estabeleceram um acampamento no Lincoln Park, Holland organizou protestos de rua, assembleias públicas, arrecadação de fundos, grupos de leitura e mais. Os manifestantes interromperam os encontros da câmara municipal e repetidamente tentaram tomar os prédios do governo antes do movimento ser reprimido, quando o segundo acampamento deles, no Civic Center Park, subiu em uma neblina de chamas. Seguida da supressão do Occupy Denver pela imposição legal, a gentrificação da cidade pareceu mudar para outro nível, forçando Holland repensar em viver lá.
“Eu queria sair da corrida e reimaginar qual poderia ser uma nova forma para as minhas intervenções e práticas políticas”, ele disse.
Holland tinha visitado comunidades intencionais na França, onde radicais estavam abastecendo a si mesmos com sucesso através da agricultura. A ideia de anarquistas fazendo o mesmo na América do Norte tomou sua imaginação. Ele deixou Denver em 2018, se mudando com sua companheira e criança pequena para uma antiga fazenda nos arredores de Brunswick, Maine.
“No início do ano que me mudei, aprendi sobre o aquífero de Ogallala, o qual alimenta todas as terras agrícolas do celeiro – e o Colorado também”, disse Holland. “Ele estará esgotado daqui a 20 anos”. Querendo reorientar sua vida e política ao redor da “autonomia alimentar” – ou produção de alimentos autossustentável – Holland viu o esgotamento do aquífero Ogallala não só como um impulso para sair de Denver, mas como uma prova sombria do que aguardava grande parte da sociedade americana, a qual depende da produção convencional de alimentos para sobreviver.
A terrível ameaça que a mudança climática representa para a produção convencional de alimentos nos Estados Unidos está prevista há anos. Em um relatório de 2012, o Departamento de Agricultura dos EUA previu que a maior parte da produção agrícola e pecuária pós-2050 sofreria pela combinação das crescentes temperaturas, precipitação variável e eventos climáticos extremos mais frequentes, como secas ou inundações. O Departamento de Agricultura antecipa que, mesmo em curto prazo, esses efeitos agravarão a fome entre os mais pobres e vulneráveis.
Para anarquistas como Holland, o texto Desert, escrito anonimamente, foi um chamado para o despertar. O zine de 80 páginas, publicado tanto online quanto impresso em 2011, argumenta que a mudança climática inevitável levará a desertificação generalizada, a qual os governos são incapazes de prevenir. Por mais extremo que isso possa parecer, Holland sentiu um sinal ruim, mesmo com o relativo privilégio de Denver.
Se o diagnóstico de Desert soa verdadeiro, então também o seu prognóstico. O texto sugere que, embora as consequências da mudança climática sejam inevitáveis, anarquistas podem ainda prevalecer contra o capitalismo e o Estado. Ao afirmar que a desertificação causará a retração do mercado e do governo, Desert argumenta que, na ausência deles, os anarquistas poderiam prosperar – se ao menos conseguirem sobreviver.
“Nesta metáfora do deserto, de onde a vida emerge?”, Holland pensou. “Se acabarmos incapazes de criar algum movimento de massas para derrubar o governo, como seria construir uma força material capaz de se sustentar, capaz de lutar, capaz de ser o fundamento que tornará o governo obsoleto?”
Em Brunswick, Holland está começando a procurar por respostas. Hoje em dia, Holland dedica muito do seu tempo à jardinagem, mas não vê isso como um passo para trás da sua política anarquista. Pelo contrário, ele vê com um passo à frente.
Em um acre e meio de terra, seu crescente interesse em jardinagem desabrochou para um maior estudo e prática da permacultura, uma forma de agricultura que enfatiza a criação de ecossistemas sustentáveis com a necessidade mínima de recursos externos, como fertilizantes. Com apenas a ajuda ocasional de familiares e amigos, ele limpou metade da terra, plantou 100 árvores e arbustos de frutas, nozes e bagas, além de uma variedade de verduras e raízes. Holland conseguiu consumir alguns alimentos básicos, como alface e tomates, mas obteve melhor sucesso com plantas perenes, como espinafre da montanha, foguete turco e aspargos. Ele também aprendeu a procurar por bagas e verduras selvagens, como framboesa e azedinha. Muitas das plantas levarão anos para amadurecer, especialmente árvores frutíferas, mas seus esforços já estão fornecendo saladas diariamente e ele espera colher centenas de quilos de cenouras, batatas e abóboras.
Embora Holland tenha sido incapaz de fornecer comida para toda a sua família, ele diz que esse não é necessariamente o objetivo. “Se eu estivesse vivendo da terra, com certeza eu teria morrido esse ano”, brincou ele. A crença no ideal anarquista do apoio mútuo, o qual incentiva o compartilhamento e cooperação para criar uma força coletiva, levou Holland a pensar além da sua família. Para esse fim, ele está formando uma rede no novo estado em que vive.
“Tenho entrado em contato com muitos agricultores radicais no Maine”, ele disse, “e é empolgante pensar no tipo de bem que poderia advir da rede de agricultores baseada em apoio mútuo e solidariedade”.
Entrando em contato com vizinhos e outros entusiastas da agricultura local, Holland tem conseguido aprender com o solo desconhecido do Maine, que plantas podem prosperar nas curtas estações de cultivo e até como explorar árvores em busca de xarope de bordo. A rede especial não só rapidamente aumentou o seu ritmo no novo ambiente, como também deu a ele uma maneira de compartilhar resultados dos seus próprios experimentos na permacultura, como quais plantas perenes podem sobreviver a uma onda de frio ou as melhores formas de cozinhar vegetais desconhecidos. As trocas entre os agricultores incluem sementes e plantas, mas também ideias, como estender a estação de crescimento de verduras com estufas ou conhecimentos básicos da fitoterapia.
“É uma ideia na qual estou ativamente trabalhando e falando sobre com outras pessoas que conheci”, Holland diz sobre criar uma rede agrícola de apoio mútuo no Maine. “Tenho mais questionamento para onde ir com isso do que uma ideia fixa em minha cabeça. Então, para mim, trata-se de conhecer a situação da terra aqui, conhecer pessoas – não quebrar a cabeça tentando impor soluções em um lugar que ainda não compreendo totalmente”.
Enquanto os esforços de Holland ainda estão nos estágios iniciais, outros como o Inhabit estão mais avançados. O projeto, que está presente tanto online quanto no formato de um livro de 2018, foi produzido coletivamente por 50 participantes ao longo de 3 anos. Nega descrever a si mesmo como anarquista – o participante de 37 anos, Sean Heizner, disse que Inhabit está “à esquerda, mas não da esquerda” – ainda assim tem uma abordagem um pouco semelhante. O projeto defende que radicais se encontram e criam centros autossustentáveis, como fazendas coletivas, a fim de se sustentarem no despertar das mudanças climáticas.
Para ajudar a criar e conectar esses centros, o Inhabit está construindo ferramentas de rede para centenas de radicais na América do Norte. Seu boletim, por exemplo, compartilha recursos, lições e experiências relacionadas a tudo, desde permacultura à programação de computadores.
“Cada um é dedicado à construção de laços comunitários e infraestruturas autônomas que significativamente mudam as experiências das pessoas em seus territórios”, disse Heizner sobre os centros.
Tucker Lang é um participante em um dos centros do Inhabit. Um engenheiro de 26 anos no centro-sul da Indiana, Lang – como Holland – estava também profundamente inspirado pelo movimento Occupy. Ele descobriu a Inhabit enquanto viajava pelos Estados Unidos “a procura de uma forma de vida diferente”, como diz ele.
“Encontrei uma constelação difusa de projetos – espaços criadores, fazendas urbanas, coletivos de reparo de bicicletas, construtores sustentáveis, ecovilas, locais de arte, espaços de faça-você-mesmo, comunidades intencionais e tantas outras formas de vida, todas com uma trajetória similar de tomar o controle de suas vidas”, disse Lang sobre o Inhabit. “A rede é o que me dá forças, saber que há tantas pessoas em muitos lugares lutando e construindo”.
Como Holland, Lang também comprou uma fazenda dois anos atrás. Tem 10 acres e meio, embora em grande parte arborizado, com apenas um acre de terras agrícolas cultiváveis. Com o apoio dos amigos e familiares, ele está cultivando principalmente produtos básicos, como tomate, pepino, abóbora, alface e outras verduras. Porém, em vez de focar em produzir comida para o consumo, Lang está interessado em usar sua fazenda para conduzir pesquisas e experimentos para melhorar as taxas de crescimento e produtividade, cujos resultados ele pode compartilhar através do Inhabit. Atualmente, ele está trabalhando em um projeto de coleta e desvio de água da chuva através de um sistema de lagoas.
Conectar pessoas que trabalham em projetos complementares na esperança que eles se apoiarão materialmente, como Holland e o Inhabit estão fazendo, pode parecer uma coisa pequena em comparação com a escala de desafiar o Estado ou sobreviver às mudanças climáticas. Mas seus objetivos não são abandonar a cidade pelo país, construir uma fazenda transformada em fortaleza para uma única família enfrentar o aquecimento global. Se o objetivo é o autossustento coletivo, então é imprescindível construir relações com pessoas afins.
Como Holland observa, “voltar para a terra” para anarquistas significa mais do que simplesmente cultivar; implica entender os lugares que vivem, da natureza até os vizinhos.
Tradução > A Alquimista
agência de notícias anarquistas-ana
Fundo de quintal
O frescor das verduras
Molhadas de orvalho.
Hazel de S.Francisco
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!