[Espanha] Um professor republicano e dois bandarilheiros anarquistas são os companheiros de vala comum de Federico García Lorca

• O poeta espanhol mais universal, Federico García Lorca, está numa vala comum junto a Dióscoro Galindo, Francisco Galadí e Joaquín Arcollas

• Os quatro foram raptados por falangistas, executados e enterrados num lugar ainda incerto entre o Barranco de Víznar e a Fuente Grande

• Lorca é o “desaparecido mais chorado do mundo” diz o hispanista Ian Gibson e é um dos 45.566 desaparecidos na Andaluzia e quase o triplo na Espanha.

por Juan Miguel Baquero | 17/08/2019

Não só Federico García Lorca. O poeta espanhol mais universal está enterrado numa vala comum, junto a um professor republicano e a dois bandarilheiros anarquistas: Dióscoro Galindo, Francisco Galadí e Joaquin Arcollas. Quatro vítimas do fascismo espanhol. Executados pelos golpistas numa madrugada do sangrento agosto de 36.

Lorca é “o desaparecido mais chorado do mundo”, nas palavras do hispanista e investigador novaiorquino Ian Gibson. Assim, contam as crônicas, divide a terra com Galindo, Galadí e Arcollas. Foras todos executados, talvez às 4h45 da madrugada em 18 de agosto de 1936, num canto do caminho entre Víznar e Alfacar.

Nesse local, continuam, num túmulo anônimo, não localizado. Numa das 708 valas comuns da Andaluzia. Na região mais castigada pelo terror fundacional do franquismo, com pelo menos 45.566 assassinatos, de acordo com o Mapa de Fosas (Mapa de valas comuns). Aí estão, Lorca, Galindo, Galadí e Arcollas, somando os seus nomes e sobrenomes aos milhares de desaparecidos que continuam a ser contabilizados na Espanha, o país sem memória.

As muletas do professor: “negar a existência de deus”

Dióscoro Galindo González foi um dos milhares de professores e professoras “depurados” pelas autoridades golpistas. A principal acusação era “negar a existência de deus”. Acabou executado e enterrado numa vala comum, junto a Lorca. Umas muletas, por ser coxo, sempre disseram, deveriam assinalar os seus restos ósseos.

Galindo, nascido en Valladolid, queria ser veterinário. Foi para Madrid estudar. Mas um acidente com um bonde, custou-lhe a amputação de uma perna. Regressou à sua cidade natal e acabou por cursar o Magistério. Galindo tinha encontrado a sua vocação, a docência. Deu aulas em Llano (Cantábria), Aya (Guipúszoa), Algete (Madrid), Caravana (Murcia) ou Tejina, em San Cristóbal de La Laguna (ilha de Tenerife). O seu último destino será Pulianas, na Vega de Granada.

Dióscoro era um homem ateu de esquerda, formado nas ideias da Instituição Livre do Ensino. “Não tinha inconveniente em dar aulas pela noite aos filhos dos jornaleiros que tinham que trabalhar com os pais durante o dia”, conta o livro Los “paseados” con Lorca: o professor coxo, os dois bandarilheiros e o investigador Francisco Vigueras.

Até que, a um mês de estalar a conspiração armada contra a II república, um grupo de falangistas raptou Dióscoro Galindo que, morto a tiros, ficou jogado em uma vala comum. Ninguém até agora, deu com o seu paradeiro.

“Estou desde 95 tentando encontrar o meu avó”, diz a neta de Galindo, Nieves García Catalán. Que esteja enterrado junto a Lorca é positivo, pois a figura do poeta “deu nome à vala comum”. Mas traz “complicações” acrescidas: Os Lorca não respeitam a ninguém, acrescenta. Todas as buscas, até agora, foram infrutíferas.

Os bandarilheiros anarquistas

Levaram-nos num caminhão na La Colonia – cortiço usado como antessala da morte – até um ponto ainda indeterminado entre Barranco de Víznar e a Fuente Grande. Lorca, o professor republicano e outros companheiros de execução e enterro clandestino: dois bandarilheiros muito conhecidos na Granada dessa época, Francisco Galadí Melgar e Joaquín Arcollas Cabezas.

Os toureiros eram “homens de ação” da CNT-FAI, a seção mais combativa do sindicato anarquista. Defendiam “os direitos dos trabalhadores frente a patrões déspotas e prepotentes acostumados a não cumprir a legislação laboral e que não duvidaram em financiar a insurreição militar contra a República, conta Vigueras.

O autor de Los “paseados” con Lorca, matiza um dos homens: Juan Arcollas, e não “Joaquín”. Um erro que atribui ao “desinteresse” em que viveram as suas biografias. “Nem Gerald Brenan, nem Agustín Penón, nem Claude Couffón, nem Marcail Oclair, nem Enzo Colebi… praticamente nenhum investigador se interessou pelos personagens que dividiram verdugos e vala comum com Lorca”, diz.

Somente Ian Gibson trouxe “os primeiros dados sobres estes personagens”. E colocou “pela primeira vez os nomes e sobrenomes ao professor e aos anarquistas-bandarilheiros”, escreve Francisco Vigueras, também fundador e ex-membro da Asociación Granadina para la Recuperación de la Memoria Histórica (Associação Granadina para a Recuperação da Memória Histórica).

“Fervor político e paixão pelo ringue”

Francisco Galadí estava casado com Paca Calleja Usero. Tinha sido latoeiro ou encanador. Era “toureiro de profissão e anarquista de coração”, resume o seu neto, Francisco Galadí Córdoba.

Juan Arcollas, aliás, Magarza, pertencia ao sindicato da construção da CNT. Era pedreiro de ofício e profissão. Vivia na rua Horno de Vidrio número 3, na entrada do único bairro granadino que opôs resistência ao golpe de estado fascista, o Albaicín.

Conhecidos os dois, “pelo seu fervor político e pela sua paixão pelo ringue e seriam toureiros famosos por não ter escolhido o bando dos vencidos”, dizia o descendente de Galadí.

Ficaram condenados ao esquecimento, incluindo no mundo taurino. E foram estes “outros”, diz, que organizaram a resistência popular contra os militares golpistas em Albacín. A resistência durou um par de dias. Mas queriam continuar a combater pela democracia republicana.

Galadí enganou o cerco dos rebeldes no bairro granadino, junto ao seu companheiro Arcollas. Foi a um encontro secreto para despedir-se do seu filho. O encontro era uma armadilha. Uma denúncia levou à detenção e posterior assassinato de ambos. Foram torturados no centro da cidade Nazarí, como exemplo público. Como exemplo da pedagogia do terror.

“Não os mataram por ser bandarilheiros, mas por serem anarquistas”, sublinha Vigueras. Contam que o coveiro Manuel Castila, Manolito el Comunista, reconheceu os seus cadáveres quando atirava terra na vala comum de Alfacar.

“É uma vala na qual encontramos um simbolismo absoluto, no seu conjunto: dois anarcossindicalistas que participaram na resistência anti-franquista; um professor, que mataram porque não queria essa nova forma de educação e Lorca, assassinado por ser poeta e homossexual”, indica a secretária federal de cultura da CNT, Sonia Turán. O sindicato pediu a busca e exumação dos restos como “família política” de Galadí e Arcollas.

Todas as vítimas são “igualmente importantes”, sublinha. “Mas se Lorca não estivesse aí, provavelmente o meu avó não teria aí o seu nome e sobrenome, como tem agora”, confessa a neta do professor republicano, consciente da repercussão que a imprensa internacional tem na busca.

Fonte: https://www.eldiario.es/andalucia/Memoria_Historica-Andalucia-Federico_Garcia_Lorca-victimas_del_franquismo_0_931606938.html

Tradução > Ophelia

agência de notícias anarquistas-ana

Na curva da estrada
uma florada amarela
de ipé solitário.

Mário Otsuka