[Grécia] O dia seguinte ao 17 de Novembro: gosto de sangue na boca

Noite muito dura para os amantes de Exarchia e a luta revolucionária na Grécia.

Muitos de nossos companheiros passaram a noite entre quatro paredes após espancamentos sistemáticos das inúmeras forças de segurança. Outros ficaram feridos, incluindo três na cabeça e levados de ambulância para o hospital. Outros tiveram que se esconder durante a maior parte da noite, ou a noite toda, para não serem apanhados e espancados pela polícia que parecia muito frenética em todo o bairro, como em um videogame de guerra.

No total, mais de 5.000 policiais, helicópteros e drones transmitiam constantemente a posição dos insurgentes resistentes nos telhados dos imóveis, a polícia antiterrorista, a tropa de choque, a polícia civil, a polícia motorizada, os veículos blindados com armas de fogo. Um verdadeiro exército convergiu para Exarchia durante os dois protestos sucessivos. Eles eram muito numerosos e equipados demais para os membros irredutíveis do bairro rebelde e solidário.

Exarchia não suportou muito. Já parcialmente ocupada por semanas, rapidamente caiu sob o controle dos soldados supostamente destacados para a tal manutenção da paz. Poucos lugares no bairro ainda são seguros. Hoje de madrugada, enquanto o sol ainda não nasceu, a okupa Notara 26 ainda está de pé, assim como a estrutura de saúde autogestionária ADYE (K*Vox ou Exarchia). Mas esses lugares e alguns outros são organizações dos últimos bastiões de um bairro não-padrão completamente devastado pelo Estado grego durante as últimas semanas, que objetiva eliminar uma das fontes de inspiração do movimento social em todo o mundo.

Ainda hoje, o sangue fluiu, incluindo o de uma jovem mulher espancada na cabeça a ponto de pintar a verdadeira face do regime no chão. A Junta não terminou em 1973, ao invés disso o novo governo com seus ministros, alguns dos quais são de extrema-direita e sua política cada vez mais autoritária, se aproxima passo a passo do exemplo do coronel Papadopoulos e sua camarilha.

Com os novos meios tecnológicos adquiridos especialmente na França, o poder monitora, rastreia, acossa, retêm, ameaça, bate e para, além de tirar onda. Sim, ocorreu a manifestação em memória da revolta de 1973, muito numerosa, mas cercada por uma quantidade impressionante de policiais e ônibus da MAT (tropa de choque). Nas ruas de Exarchia, dezenas de companheiros foram forçados a sentar no chão ou ajoelhar-se, com as mãos atrás da cabeça, sob golpes, chacotas e humilhações. Aqui, uma mulher é arrastada pelos cabelos. Ali, um homem é atingido nos testículos. E então poças de sangue, aqui e ali, nos cantos da praça central do bairro ferido.

Na mídia, há uma consenso de elogios em todas as cadeias de TV: Kyriakos Mitsotakis finalmente restaurou a “ordem e a democracia” em todas as partes da Grécia, inclusive em “Exarquistão”, o bairro, segundo eles, sem ordem nem leis. As notícias de última hora passam sem interrupção o título do tenista grego Stefanos Tsitsipras no “ATP Finals 2019” e a ocupação policial de Exarchia, completamente paralisada ou quase após uma breve resistência. Mitsotakis saúda a vitória de seu amiguinho tenista e promete acabar com as últimas okupas muito em breve. Segundo ele, sua missão nesta área terminará em breve.

Também querem vingar a visita do Rouvikonas, neste domingo de manhã, à casa do ministro da Economia, Adonis Georgiadis, ex-LAOS, partido de extrema-direita. Particularmente racista, Georgiadis afirmou especialmente que queria “tornar a vida mais difícil para os imigrantes” para dissuadi-los de vir para a Grécia. Com essa ação, pouco antes da manifestação de 17 de novembro, o Rouvikonas queria demonstrar, mais uma vez, que se somos vulneráveis, aqueles que nos governam também são: “Conhecemos seus endereços pessoais, sabemos onde encontrá-los! Ameaçou o grupo anarquista em sua declaração. O protesto de toda a classe política foi imediato. Por exemplo, o PASOK ficou surpreso que os ativistas se permitissem evidenciar a privacidade dos líderes políticos, independentemente das divergências. “Isso reforça nossa determinação de classificar o Rouvikonas entre organizações terroristas”, disse outro ministro da Nova Democracia na televisão. Rouvikonas, o próximo alvo planejado, “assim que o caso Exarchia for completamente resolvido”.

A lei está sendo endurecida contra todas as formas de resistência. Por exemplo, o uso de um coquetel molotov agora custa até 10 anos de prisão e não mais 5 como antes. À “neutralização dos sentinelas nos telhados”, ou seja, grupos de manifestantes que até agora observavam e enviavam uma enxurrada de coquetéis molotov dos telhados dos imóveis do bairro se complicou. Os postos policiais continuam a aumentar. Os funcionários da prefeitura de Atenas são enviados sob escolta policial para limpar rapidamente as pichações dos muros. Um lembrete de “muros brancos, pessoas tolas”, dizia um dos slogans contra a ditadura dos coronéis, o mesmo no outro extremo da Europa em maio de 1968.

Na movimentada noite ateniense, as vozes se perguntam sobre a continuação, as listas de discussão são revividas, circulam mensagens para expressar raiva, revolta e solidariedade, mas também ideias, sugestões e desejos. Na frente da okupa de refugiados Notara 26, a maior faixa teimosamente anuncia: “Vocês não poderão desocupar um movimento inteiro!”

Essa noite, Exarchia rebelde teve um gosto de sangue na boca, imóvel e silencioso no escuro, mas ainda vivo.

Yannis Youlountas

Fonte: http://blogyy.net/2019/11/18/lendemain-du-17-novembre-2019-a-athenes-un-gout-de-sang-dans-la-bouche/

agência de notícias anarquistas-ana

pássaro tenor
afina a garganta
ao sol se pôr

Carlos Seabra