por Tillo | 14/11/2019
O emblema das últimas mobilizações e manifestações no Chile tem o rosto de um cão. Trata-se do “Negro Matapacos”, um cão que se tornou popular nos protestos estudantis de 2011 e que, inclusive, protagonizou seu próprio documentário.
Um cão sem raça definida de pelo negro que latia para as forças policiais e que acompanhava os jovens que marchavam pela Alameda. Essa é a imagem simplificada de “Negro Matapacos”, o cão símbolo de toda manifestação popular no Chile e que hoje em dia percorre o mundo através de diversas homenagens. Uma delas é o documentário “Matapaco” (2013), trabalho audiovisual realizado por cinco estudantes universitários e que obteve o prêmio de Melhor documentário no Festival Santo Tomás em Viña del Mar 2013. Conversamos com Francisco Millán, diretor de Disonantes.cl, que esteve encarregado da câmera e da pesquisa de “Matapaco”, e ele nos contou um pouco sobre esta produção e o que significou para ele conhecer este memorável cão.
Como chegaste a fazer parte da equipe do documentário?
Tudo começou quando estudava comunicação Audiovisual, Matapaco foi um projeto universitário de Victor Ramirez, ele me pediu para integrar a equipe junto com Sergio Medel, Nayareth Nain e Carolina García. Iniciamos trabalhando muito unidos, eu me encarreguei de fazer a pesquisa, de coletar toda a informação possível e de operar a câmera, mas de toda a forma, todos fizemos de tudo. Formou-se uma equipe muito aguerrida e que remava para o mesmo lado, logo, o documentário se transformou em algo pessoal de cada um de nós, lhe pusemos grande carinho e dedicação, agradeço ter chegado a essa equipe, com outras pessoas não teria funcionado.
Que recordações tens da rodagem do documentário seguindo a pista do Negro Matapacos?
Demasiadas e todas muito bonitas, foi justo em uma época muito interessante de minha vida, recordo como foram se criando laços, como chegavam as mensagens avisando-nos de que haviam visto o Negro na Usach, no outro dia nos avisavam de que estava em Universidade Central, íamos buscá-lo e não estava, o mesmo acontecia com as marchas, creio que fomos a todas as desse ano e não o encontrávamos, assim passamos uns dois meses. Recordo o dia que o encontramos, justo o que aparece no documentário, não sabia o que fazer, era como encontrar o teu artista favorito, não sabia como gravar esse momento, parei, sentei no chão, não tinha ideia do que fazer, nos faltou pedir-lhe um autógrafo.
O mais bonito é recordar como tudo foi acontecendo, desde a investigação até a montagem, como íamos conhecendo pessoas, essas pessoas nos contactaram com outras, e assim foi. Conheci gente muito valiosa durante esse processo, foi uma luta constante também com a direção e professores da universidade, ninguém gostava do projeto, tivemos que lidar com tudo isso. Também recordo toda a violência que vi nas marchas, como me obrigava a estar até o final, via a burla dos pacos, o ódio com que atacavam os estudantes, vi pessoas golpeadas, gente com a cabeça quebrada e foi tanto assim, que terminas normalizando a violência, o gás lacrimogêneo não te afeta.
Crês na teoria de que o Negro era um estudante reencarnado e que essa é a explicação de sua motivação para participar nos protestos?
Ah, claro que não, mas é muito terno que pensem assim, o Matapaco se sentia acompanhado dos estudantes, eles lhe davam o carinho, o faziam se sentir parte, e como bom canino fiel, defendia a sua matilha de um inimigo perigoso que eram os pacos, diferente de outros cães que estão nas marchas e brincam com a água do caminhão lança jatos, Matapaco era distinto, ele era o líder da manada, percorria a linha de frente dos protestos, analisando a situação e aproximando-se de cada um de maneira errática, tinha uma energia muito forte, sinto que para ele, isto nunca foi uma brincadeira. Sempre o vimos atacar os pacos, guardas de universidades e gente com uniforme, creio que o relacionava com isso, o uniforme, as botas e essa parada de autoridade desafiante o fazia atacar.
Quando estiveste com o Negro Matapacos sentiste alguma conexão especial com ele? Foi emocionante para ti?
Sim, era um rockstar, era muito emocionante, eu era seu fã, haha, de alguma forma tive que ter uma conexão com Matapaco e todo seu círculo, logo que aconteceu tudo do documentário, tive que resgatá-lo duas ou três vezes, escreviam para nós para nos dizer que o Negro estava mal, que o haviam atropelado, que tinha se posto a brigar, de certa forma nos responsabilizam de tê-lo tornado famoso e por isso devíamos cuidá-lo, assim tive que salvar-lhe a vida nessas ocasiões junto a outras pessoas, fazer coletas, correntes por redes sociais, conseguir veterinários entre outras coisas, era uma conexão muito linda.
Qual foi o destino do Negro? Sabes o que ocorreu depois do que se mostra no documentário?
Após 2013, o Negro se tornou muito mais conhecido, já era um famoso a mais em Santiago, seguiu sua vida normal, mas cada vez começou a adoecer, nunca soubemos que idade tinha, mas era velhinho, seus últimos anos começou a ter uma enfermidade grave, esteve em tratamento e terminou morrendo em 26 de agosto de 2017, morreu acompanhado e em paz, um final digno para alguém que deu tanto.
O quê faria o Negro nestes dias de revolução?
Na linha de frente, junto aos encapuzados e defendendo como sempre o fez, creio que estaria muito contente de ver tanta gente, cansado de tantas fotos e desfrutando o carinho que merece.
É importante para ti que a recordação do Negro se mantenha viva e por quê?
É muito importante, tanto em minha vida como no que sucede a nível social, o Matapaco passou a ser uma lenda e se transformou em um símbolo de luta, em uma sociedade carente de líderes, o Negro significa perseverança, solidariedade, raiva contra o inimigo, carinho e nobreza, agora é uma bandeira de perseverança e espero que seja eterno, o negro nos recorda que é preciso seguir lutando e não se render por nada.
O quê dirias ao Negro que nos olha desde o alto? Já que todos os cãezinhos vão para o céu.
Negrito lindo, agradeço por dar-me tantos bons momentos até o dia de hoje, és uma lenda agora, maior que antes, agradeço por inspirar uma geração sem medo. São patrono das manifestações cuida-nos em cada protesto e nos dê o valor de seguir em frente, faça que ganhemos esta vez e pelos séculos dos séculos amém.
Aqui te deixamos o documentário “Matapaco” e a canção que se escuta nos créditos, original de Ases Falsos.
>> Documentário:
https://www.youtube.com/watch?v=wiEFhAAWCiw&feature=emb_title
>> Canção:
https://www.youtube.com/watch?v=xWFxgHEbXFI&feature=emb_title
Tradução > Sol de Abril
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!