Os jornais “A Lanterna” e “A Plebe”, articulados por anarquistas, criticaram duramente o autoritarismo dos governos
Por Carlos Russo Jr. | 01/12/2019
A gestão de Artur Bernardes à frente do governo federal foi marcada por uma permanente instabilidade política, crise econômica, revoltas dos trabalhadores e de parcela das forças armadas. Representante do agronegócio, governou o país sobre estado de sítio, em detrimento dos direitos e das liberdades individuais.
Arthur Bernardes criou o Departamento de Ordem Política e Social em 1924, cujo objetivo era censurar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime no poder. Como Deops, este órgão repressor se manterá ativo até a redemocratização do Brasil, em 1983.
No entanto, é graças a seus arquivos que pudemos não somente reconstruir a intolerância e a repressão que foi a tônica do século passado, mas também a resistência de intelectuais, de trabalhadores e de estudantes às injustiças sociais e à repressão política.
E parcela importante de seu acervo são dezenas de milhares de exemplares de jornais apreendidos.
Nosso ensaio falará especificamente de dois jornais alternativos, que sobreviveram durante meio século, entre os anos 1901 e 1951, graças ao denodo de homens que enfrentaram a pobreza, a cadeia e a tortura e que não podem ser esquecidos.
“A Lanterna”
“A Lanterna” surgiu em janeiro de 1901 como um porta-voz das ligas anarquistas e anticlericais do Estado de São Paulo. Dirigido pelo abnegado Benjamin Mota, teve uma tiragem inicial de 10.000 exemplares, um projeto gráfico primoroso impresso em quatro páginas. Seu primeiro editorial lançava a questão: “Somos apenas um punhado de homens? Que importa, amanhã seremos legiões, quando todos os que sabem o quanto o clericalismo é prejudicial ao Brasil, quanto o jesuitismo é nefasto, quanto o beatismo empobrece os povos, quanto o falso cristianismo é lesivo ao nosso povo, e decidirem engrossar nossas fileiras”.
Em 1904, quando falece Benjamin Mota, “A Lanterna” estava em seu número 63. Em 1909, entretanto, o jovem intelectual Edgar Leuenroth assume a liderança e o jornal volta a ser editado e a circular como semanário, que em 1916 atingirá o impressionante número de 293 edições.
“A Lanterna” retrata de forma humorística e ilustrada a atuação da Igreja Católica — sempre atrelada aos poderes públicos, “um atraso em nossa vida política, anestesiando as mentes de nossos trabalhadores”. Defendia que a Igreja tinha que ser mantida ao largo do ensino. “Padre na sua Igreja, professor, na escola”! Este era seu lema.
“A Lanterna”, em princípios de 1912, denunciou os crimes sexuais cometidos pelo padre Faustino Consoni, acusado de assassinar uma criança recém-chegada ao Orfanato São Cristóvão, após tê-la violentado sexualmente. O “caso Idalina”, como ficou conhecido à época, acabou desencadeando manifestações populares organizadas pelos anarquistas contra a Igreja Católica. Durante as manifestações Edgar Leuenroth foi preso, e posteriormente liberto graças às ações do escritor e advogado Evaristo de Morais, um dos grandes nomes da defesa da causa operária nos tribunais da época. O padre Faustino Consoni jamais foi nem ao menos interrogado pela polícia e, no futuro, exerceria a função de reitor da Igreja e Colégio de Santo Antônio.
Em 13 de outubro de 1912, “A Lanterna” publicou um número especial dedicado ao fuzilamento do modernista espanhol Francisco Ferrer, ocorrido três anos antes. Novo êxito de tiragem, com segunda e terceira edição de 10.000 jornais. Neste mesmo número, o artista plástico e intelectual José Oiticica assume-se como anarquista.
Lima Barreto era colaborador do jornal; sendo um entusiasta da Revolução Soviética de 1917, sob o pseudônimo de Dr. Bogoloff, declara a suas esperanças por um mundo melhor.
Em fins de 1917 “A Lanterna” é substituída por um novo jornal, “A Plebe”, sob a batuta do incansável Edgar Leuenroth, que assumira a secretaria do “Comitê de Defesa Proletária”.
De todo modo, “A Lanterna” retornaria por mais dois anos a ser editada, no período de 1933 a 1935, num total de 43 exemplares, sob a batuta do mesmo Edgar Leuenroth. Nesse período o jornal criou tipos que se tornaram populares e imortais como: “Frei Bisbilhoteiro”, “O Papa Óstia” e “O Lambe Altar”.
A edição de julho de 1933 tinha por título: “Quando os povos civilizados limpam suas casas atiram o lixo para o Brasil”. A charge era uma barcaça cheia de padres, santos, anjinhos barrocos que eufóricos diziam: “O Brasil! Eis nosso paraíso”! “Aqui tudo vale!”
No bojo da repressão que antecede o Estado Novo, o Deops fichou como responsáveis pelo jornal os subversivos: Edgar Leuenroth, o livre pensador Garronski e a “professora liberal” Luíza Camargo Branco.
“A Plebe”
Fundada pelos mesmos responsáveis de “A Lanterna”, “A Plebe” foi o jornal anarquista e anticlerical que sobreviveu de 1917 a 1951. Ao seu conselho editorial juntaram-se dois intelectuais de primeira grandeza: Felippe Mota e Pedro Mota. Entre seus principais colaboradores ilustres estavam Astrogildo Pereira, José Oiticica e Lima Barreto.
“A Plebe” foi, por muito tempo, considerado o jornal independente e libertário mais importante do Estado de São Paulo.
Lançado no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da desestabilização dos salários e da vida dos trabalhadores, posicionava-se em seu primeiro número como “um órgão dedicado à luta dos trabalhadores contra a opressão e a miséria no Brasil”. Seu papel era a defesa dos princípios anarquistas e a organização dos trabalhadores e sindicatos.
Edgard Leuenroth como liderança das greves de 1917 e “cabecilha” do jornal, foi novamente preso sob a acusação de comandar o saque ao Moinho Santista. A polícia invadiu “A Plebe”, e o jornal foi empastelado. Com a prisão de Leuenroth, o anarquista Florentino de Carvalho manteve a publicação quase que solitariamente fazendo uso de vários pseudônimos.
O auge de circulação do jornal foi alcançado em 1919, quando passou a ter periodicidade diária. Era vendido em todas as bancas de jornais e revistas e, ao assumir assinaturas semestrais e anuais, trouxe uma enorme inovação jornalística.
Proibido pelo “estado de sítio” de Arthur Bernardes, em 1924, torna a circular em 1927. Na retomada jornalística, estampa a denúncia do degredo dos operários presos em 1924 em Clevelândia, dos maus tratos recebidos e dos cinco assassinatos perpetrados sob tortura no cárcere.
Em 1927, Edgar Leuenroth, representando “A Plebe”, foi novamente preso ao discursar para uma multidão de operários em homenagem a Sacco e Vanzetti no Largo da Concórdia.
Em 1932, a promulgação da “Lei Celerada” levou a um novo fechamento do jornal. Liberado em 1934, posiciona-se já claramente contra Getúlio Vargas e os representantes do nazifascismo no Brasil, “incubadores da reação, da guerra e da tirania”.
“A Plebe” ainda organiza encontros e conferências; a cada exemplar proibido pela polícia, surgia um clandestino que era distribuído por operários e sindicatos não pelegos. Em janeiro de 1935, organiza no Parque do Jabaquara um “piquenique cívico”, ao qual acorreram mais de duas mil famílias com suas crianças.
O jornal foi novamente proibido em 1935, com o “estado de sítio” promulgado pelo governo Vargas e somente voltaria às ruas em 1947, com Edgar Leuenroth à cabeça, associado a Liberto Lemes e Lucca Gabriel.
Nesse período volta a inovar em matéria jornalística. Publica resenhas e análises de livros que auxiliassem no processo de conscientização política da intelectualidade e formação cultural dos trabalhadores e abre a entrega dos mesmos por reembolso postal nos Correios.
Suas ilustrações, sempre realizadas por artesãos operários, constituem um enorme acervo disponível para pesquisas e publicações.
“A estética deve acompanhar a notícia” — dizia o imortal Edgar Leuenroth.
Nota
Notável por sua boa disposição e jovialidade, sempre organizado, diligente e combativo, Edgar Leuenroth faleceu em 1968, aos 87 anos, após se descobrir portador de câncer hepático. Antes de falecer, enviou um abraço aos estudantes do mundo, que desde Paris se sublevavam.
Carlos Russo Jr. é crítico literário.
agência de notícias anarquistas-ana
Sobre verde imenso
um ponto saltitante
pássaro cantante
Winston
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!