[Espanha] Um novo mundo em nossos livros

>> Uma proposta bibliográfica básica sobre o anarquismo espanhol

por Beatriz Gracia Arce | 28/01/2020

Às vezes, não custa repensar o que somos e o que fomos. Essas são perguntas que podem parecer simples ou irrelevantes para quem simplesmente procura a raiz na palavra e não para por um momento para pensar. Nessa pausa, se nos perguntassem, o que é anarquia? O que é anarquismo? Bem, possivelmente o imaginário coletivo o associaria à violência, bandidos ou, no máximo, punk, mas a verdade é que, como disse Federica Montseny no programa La 2 La clave, que podemos ver e ouvir no youtube, “tudo devemos ao anarquismo” o” anarquismo é o mais bonito”. A verdade é que as palavras entusiasmadas de Montseny tinham uma grande parte de verdade.

Possivelmente na história da Espanha em que vivemos hoje e, acima de tudo, o peso que resta do discurso, não apenas dos 78, mas também da longa sombra do franquismo, é interessante olhar para trás e conhecer com um olhar limpo um movimento social, político e cultural que era a maioria na Espanha até o final da Guerra Civil Espanhola e que constitui um dos olhares para enfrentar uma realidade que se move entre o horizonte de possibilidade de avançar, mas que realmente nos fala de uma mudança conservadora, não por reacionária, mas porque a mudança e o progresso estão limitados às migalhas de preservar os direitos acumulados pela inveja de um capitalismo em estado selvagem e à ascensão de discursos exclusivos.

O ano de 1919 se tornou um marco na Espanha e na história da Europa devido à Greve da Canadense promovida pelo movimento anarquista. Permitiu legislar sobre as 8 horas de trabalho, mas, além disso, isso nos permite refletir sobre os mecanismos de organização e socialização que, desprovidos de meios tecnológicos com os quais não saberíamos viver hoje, conseguiram mobilizar, unir e criar redes de ação e solidariedade. Teríamos que nos perguntar por quê? Talvez, porque o movimento ia além de uma estrutura, era muito mais. Eram laços de solidariedade, rede social e cultural. As próprias formas de sociabilidade que emanam do movimento, de elementos que nos parecem curiosos, como o uso da estrutura das orações religiosas para espalhar as ideias básicas do anarquismo, que incluem, por exemplo, o trabalho clássico de Álvarez Junco (‘A ideologia política do anarquismo espanhol’, 1976); sendo simplesmente uma rede de apoio no fundamental: comida, roupas etc.

A história da Espanha, se fôssemos exagerados, poderia ser percorrida por esse movimento. Uma maneira simples é através do trabalho de Julián Vadillo, Uma breve ‘História da CNT’, que percorre a organização desde o último terço do século XIX até o final da Guerra Civil, embora trace um epílogo que leva ao refletir sobre a carga que foi para a organização a repressão de Franco e os difíceis caminhos da clandestinidade e da resistência, mais sólidos em Toulouse, que se tornou núcleo forte da CNT no exílio e cujos membros foram muito ativos na resistência francesa.

O “doce momento” do anarquismo, não desprovido de suas lutas internas, é vivido na Segunda República, os ares de mudança que anunciaram o fim da ditadura de Primo de Rivera se materializaram no surgimento de uma poderosa cultura revolucionária, tanto em seu trabalho cultural através dos Ateneus Libertários, como através da dinâmica de ação no calor da Reforma Agrária. Este universo da CNT durante a Segunda República é muito bem analisado pelo trabalho de Ángel Herrerín, ‘Caminho para a anarquia. A CNT em tempos da Segunda República ‘(2019).

Nas dobras menos conhecidas da organização, situa-se todo o seu trabalho sociocultural, a verdadeira semente de um feminismo combativo, que trouxe das mãos da Primeira Ministra da Europa, Federica Montseny, uma legislação de vanguarda, que não foi retomada na Espanha até os anos 80 e que, ainda hoje, é uma pedra de batalha.

Se existe um elemento bonito dentro desse movimento, que foi ofuscado pela leitura violenta do mesmo, foi seu projeto educacional, de enorme força nas escolas racionalistas, devastado durante o regime de Franco, mas que sabia como se tornar uma célula de resistência, cujo exemplo próximo é Antonia Maymón, que continuou a ensinar em sua casa em Beniaján, depois de deixar a prisão em 1944. Uma mulher que traçou linhas-chave sobre seu conceito de feminismo, educação libertária e naturalista.

Nas leituras gerais ou clássicas da Transição, o CCOO [Comissões Obreiras] ou o PCE [Partido Comunista da Espanha] são destacados como atores principais, embora seja interessante investigar e ver como o movimento libertário nesse período longe de desaparecer teve uma presença manifesta, sendo um marco a primavera e o verão de 77 em Barcelona, mas a construção da atual democracia assentou em algumas bases e foi marcada por tempos onde o apoio a esse movimento era mais no campo subterrâneo ou underground, vinculado mais a movimentos culturais alternativos. É simbólico que praticamente a única organização política do período republicano que não teve seu patrimônio restaurado e arquivo foi a CNT, mantendo seu fundo documental ainda no exílio em Amsterdã. Portanto, é necessário não apenas para seu resgate material, mas iluminar as sombras e desconstruir discursos que agem mais como o anjo castigador da História do que como um elemento de conhecimento do passado político do país.

Fonte: https://www.eldiario.es/murcia/leer_el_presente/mundo-nuevo-libros_6_989761021.html

Tradução > Liberto

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Rodrigo de Almeida Siqueira