por Eric Laursen
Uma Visão pela Solidariedade Intergeracional
Um amigo me contava sobre o seu primeiro trabalho depois da faculdade. Ele foi contratado para administrar um centro para idosos, não relacionado a qualquer casa de repouso, no Bronx.
Foi a sua primeira exposição a uma comunidade de idosos, e ele se entristeceu muito com o que viu: dúzias de mulheres e homens, muitos dos quais haviam tido vidas realizadas de acordo com os valores da sociedade Americana, agora sentados em salas diurnas, assistindo televisão, muitos deles falando raramente, alguns quase catatônicos.
Era o começo dos anos 70, e a filosofia prevalente era de que pessoas velhas, que em algum momento envelheceram junto de suas famílias, deveriam ao invés disso ser aglomeradas juntas, por vezes nas ditas comunidades de aposentados ao sul do Estados Unidos, frequentemente em cômodos sombrios como aquele que meu amigo ajudava a administrar. Eles não estavam felizes. De fato, suas vidas estavam sendo desperdiçadas.
Meu amigo notou ainda outra coisa. Eles estavam sendo caloteados por uma farmácia que fornecia medicamentos prescritos para maior parte de seus moradores.
Essa era uma oportunidade tanto quanto um problema, e meu amigo ajudou a criar um dos primeiros grupos de ação sênior neste centro. Eles mandavam grupos de moradores a outras farmácias da região para comparar o preço dos medicamentos, depois usavam da imprensa local para publicar as discrepâncias encontradas. Após, começaram a comparar as taxas de juros oferecidas por seus bancos.
“Me dei conta que isso era muito poderoso”, me contou o amigo. “Estas pessoas tinham o tempo e o conhecimento em suas mãos. Dada a oportunidade, eles sabiam como se organizar e realizar seus objetivos”.
Um maremoto de ativismo idoso atingiu os EUA nos anos 60 e 70. O Ato da Discriminação Etária do Empregador foi aprovado em 1967 e uma sucessão de emendas o fortaleceram ao longo da próxima década.
Grupos como o Centro Nacional de Leis para Cidadãos Sênior, a Liga das Mulheres Mais Velhas, e a Convenção Nacional e Centro dos Idosos Negros se tornaram ativos politicamente. Grupos existentes como a Associação Americana de Pessoas Aposentadas e o Conselho Nacional de Cidadãos Sênior, financiado por trabalhadores, cresceram também.
Mas o grupo mais visionário nesta Onda Etária foi os Panteras Cinzas. Fundado por um grupo de veteranos do movimento trabalhista e outros idosos politicamente orientados, os Panteras foram um grupo descentralizado que delegava poder a suas redes locais e desenvolveu um esquema de coliderança no lugar de uma estrutura hierárquica.
Eles organizavam clínicas e outros recursos para autocuidado. E, adotaram ampla agenda política e social que incluía a nacionalização das indústrias do transporte do petróleo e oposição à energia nuclear e à “concentração do poder corporativo”.
Um dos princípios básicos dos Panteras era que não seria uma organização exclusivamente para pessoas idosas. O nome original era Consultoria de Cidadãos Idosos e Jovens. “Uma das razões nossa sociedade está uma bagunça”, disse a fundadora dos Panteras Maggie Kuhn, “é que nós nos isolamos uns dos outros. Os velhos são isolados como política governamental”.
O problema fundamental para organizadores como Kuhn era que ao separar os mais velhos dos jovens, a sociedade abre mão da sabedoria, expertise, e comprometimento que eles oferecem. Os idosos perdem a chance de participar em grandes movimentos sociais arquitetados pelos jovens. No lugar de segregar os mais velhos, Kuhn defendeu comunidades cooperativas para todas as idades que desenvolveriam sua visão a partir dos desejos e contribuições de todos.
Infelizmente, não foi o que aconteceu. Grupos de ativismo de idosos continuam a fazer bons trabalhos, mas a maioria voltou seu foco para trabalhar dentro do sistema ao invés de criar uma alternativa para ele. Depois do falecimento de Kuhn, os Panteras Cinza relocaram sua base de operações para Washington DC e se reorientaram como uma organização de lobby impulsionada por membros no lugar de uma insurgência popular.
O progresso alcançado nas primeiras décadas havia freado. Discriminação etária continua a ser uma praga, apesar de idosos e pessoas com mais idade encararem o crescente custo do acesso à saúde e à moradia que necessitam, em muitos casos, para auxiliar seus filhos e netos financeiramente em uma economia cada vez mais perversa. Isso significa que muito mais idosos desejam ou necessitam continuar trabalhando do que antes.
Trabalhadores mais velhos, que se aproximam da idade de se aposentar, gradativamente se encontram em trabalhos mal remunerados ou informais. Com frequência, no caso das mulheres, provendo cuidado doméstico aos muito velhos por salários menos do que adequados. Casos de abuso em casas de repouso, denunciados primeiramente por ativistas nos anos 70, persistem.
Muito pouco disso parece afetar os empregadores do setor privado, desde Amazon até Wal-Mart, que enxergam idosos como força de trabalho barata que ajudam a manter baixo os salários, ou os provedores de planos de saúde e moradia que lucram com o recuo de políticas como Medicaid, Medicare e Previdência Social.
E por que não? Até 2040, até um em cada cinco americanos terá 65 anos ou mais, comparado com aproximadamente um em oito em 2000, segundo projeções do Escritório do Censo Americano, e os idosos ultrapassarão crianças abaixo dos 18 anos.
Ninguém está sugerindo que os mais velhos retornem aos salões de centros para idosos nos quais ficaram confinados nas últimas décadas. De fato, a filosofia predominante é de que os idosos deveriam estar mais ativos. O problema é que ninguém se incomoda em perguntar com que tipo de atividade eles gostariam de estar envolvidos.
Não há dúvidas que os mais velhos abracem a oportunidade de permanecer produtivos, úteis, e (ao menos) envolvidos, mas suas experiências de vida sob o capitalismo varia drasticamente. Alguns, que trabalharam em empregos braçais, ou em mineração ou em outras ocupações que literalmente os envenenavam, desejam e conquistaram o direito de um longo descanso. Isto é, de se aposentar.
Muitos outros estão fazendo o melhor que podem de uma situação ruim, trabalhando em empregos mal pagos ou fazendo freelances esporádicos, como dirigir para a Uber ou realizando inventários sazonais em depósitos (como documentado no perturbador livro de Jessica Bruder, Nomad-land: Surviving America in the Twenty-First Century, ainda sem tradução).
Reconstruir vínculos sociais à medida que a economia precária é projetada em parte para dificultar aos mais jovens se organizar contra o Estado e o capitalismo, ela corta o apoio social de idosos que de outra forma usariam sua energia e paixão para auxiliar na construção destes movimentos de resistência. Como um estilo de vida, a batalha para fechar as contas ao fim do mês pode ou não ser uma melhora das condições dos asilos e lares para idosos, mas politicamente, cumpre o mesmo papel.
Não existe uma razão para que seja assim, e a visão inicial dos Panteras Cinzas sugere um caminho muito diferente. Famílias que continuam a aderir ao modelo não atomizado, não capitalista, como muitos na comunidade Hispânica, frequentemente se organizam em espaços multigeracionais dentro da própria casa, ao invés de esperar que seus idosos migrem para outros espaços.
Eles se beneficiam não somente do auxílio material oferecido pelos avós, mas da crítica implícita que os mais velhos costumam simbolizar à cultura da comercialização e monetização que tenta seduzir seus netos. Casas compartilhadas e coletivização de recursos se tornam imperativos em um sistema econômico cada vez mais mórbido, mas também significam a oportunidade para as gerações se reconectarem e desenvolverem estratégias coletivas para sua sobrevivência, e ao fazê-lo, trazem recursos sociais de volta ao controle da comunidade.
Isso toca no coração daquilo que anarquistas e outros grupos antiautoritários se propõe a realizar. O capitalismo e o Estado valorizam apenas aqueles cuja situação social se conforma bem aos desejos de um modelo econômico voltado para o mercado: o indivíduo trabalhador/consumidor, a família nuclear e sua pequena economia doméstica.
Isso acaba por excluir muitos idosos (e certamente aqueles com idade 80+), especialmente se eles se originam de comunidades de baixa renda ou se são pessoas de cor.
Anarquismo não é somente revolucionário. É reparador, propondo a ressurreição de vínculos sociais que o capitalismo ignora e desvaloriza, incluindo aqueles entre grupos étnicos dentro da classe trabalhadora, comunidades locais, e bairros.
E, tão importante quando, aqueles entre as diferentes gerações.
Eric Laursem é um escritor e organizador anarquista de longa data que mora em Buckland, Massachusetts. Ele é autor de “People’s Pension: The Struggle to Defend Social Security Since Reagan (2012, AK Press)”.
Fonte: Fifth Estate # 405, Winter, 2020
Tradução > Kuroneko
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