Rafael Estévez Guerrero passou muitas manhãs de sua vida no Arquivo do Tribunal Militar Territorial Segundo de Sevilha, um lugar chave para investigar o que ocorreu na Andaluzia e na Espanha durante a Guerra Civil e o Franquismo. Ali se armazenam milhares e milhares de expedientes que ajudam a indagar, povo a povo, a quem se julgou, a quem se depurou, a quem se castigou. Rafa, a que muitas pessoas conheciam simplesmente como Rafa Rinconada, investiu muitas horas de sua vida teclando no rudimentar, mas eficaz, velho computador que abria a porta aos casos sumaríssimos e outros documentos. Revisou muitos pacotes, que fotografou, para logo poder estudar com mais atenção em sua casa.
O arquivo histórico é um lugar tranquilo e silencioso, frequentado majoritariamente por homens já avançados na idade. Por isso Rafa chamava a atenção, por ser dos mais jovens a acessar aquele lugar. Aprendeu com historiadores veteranos. Entre um descanso e outro, Rafa, sempre com o entusiasmo próprio de um jovem investigador, absorvia como uma esponja a experiência dos demais. Seu foco de atenção estava em Sevilha, em seu povoado, La Rinconada, que estudou com a perseverança necessária para terminar e culminar uma investigação tão complexa e profunda.
Poucas semanas antes, em 2 de março, Rafa viveu o que possivelmente fora um dos dias mais felizes e plenos de sua vida, a apresentação de seu livro ‘Comunismo Libertário na Rinconada’. Como bom autodidata, ele mesmo se encarregou de planejar, imprimir, encadernar e distribuir o livro. Naquela segunda-feira, 2 de março, se mostrava tranquilo por chegar à meta, mas inquieto ante o evento da apresentação. “Agora… já… acabou. Em horas se fará a apresentação e uma nova etapa começará. Sempre haverá dúvidas se poderia ter feito melhor ou pior. Mas o trabalho está feito. Agora, se este mundo de surdos não quer ouvir não é meu problema”. Rafa fez estas declarações em sua conta do Twitter. Também anunciou sua intenção de embarcar em um novo projeto de investigação e estudo: a repressão fascista em La Rinconada.
Mas Rafa não poderá escrevê-lo. Nem voltará a ser visto no arquivo. Porque Rafa morreu no domingo, 22 de março, no Hospital Virgen Macarena. Morreu com coronavírus. Em plena extensão da pandemia, em 11 de março, Rafa viajou à Madrid para apresentar seu livro. Ao menos, as duas últimas semanas antes de sua entrada no hospital Rafa conheceu a plenitude que sente qualquer escritor durante a apresentação de seu trabalho.
Antifascista, anarquista. Lutador.
Muitas de suas reflexões podem ser lidas em seu blog, Negro sobre Negro, no qual distribuía estopa a quem a merecia e onde deixou constância de sua firme convicção anarquista.
Além de no arquivo, se via Rafa nas ruas, nas praças e na luta. Foi um destacado membro do movimento 15-M. Também da Coordenação Antifascista e do movimento anarquista de Sevilha. Sempre esteve na linha de frente das mobilizações. Desde a luta pelo direito a moradia, no movimento dos currais, até as mobilizações de trabalhadores e trabalhadoras, passando pelas lutas feministas e LGTBI contra os fascistas de Hazte Oír.
Sempre na linha de frente, sempre presente. Sempre nobre e humilde, impossível será preencher o vazio deixado por Rafa. Suas companheiras e amizades lhe renderam a penúltima homenagem no mesmo dia de seu falecimento, às 21:00 horas, desde janelas e balcões entoando e estimulando o hino anarquista ‘A las barricadas‘. A última homenagem será ler seu livro.
Nota do autor: conheci Rafa o suficiente para escrever este texto, mas o insuficiente para saber, com certeza, se tinha 37 ou 38 anos. Obrigado Rafa por teu exemplo. Que a terra te seja leve companheiro.
Tradução > Sol de Abril
agência de notícias anarquistas-ana
A noite flutua
e as rosas dormem mimosas
aos beijos da lua.
Humberto del Maestro
Oi Moésio. Me chamo Lígia, soy brasileira, convivía aí com muitos anarquistas e nos 3 últimos anos era a companheira do Rafa. estranho que ele nunca tenha me fallado o quanto era próximo de vc e nem pq nao te visitamos quando estivemos no Brasil…
Acabei até estranho voces citar uma fala dele do día da apresentação do livro na Rinconada, porque acho que vc não tava la não.
A, e ele nao apresentou o livro en Madrid tambem…só deixou una exemplares na Malatesta.
e, por certo, ele morreu com 27 anos.
compa, não sou eu o autor do texto, não conheci o companheiro rafa… se cuida, força… abraços!