[Espanha] Rafa, a vontade de fazer deste mundo um lugar melhor

Por Fernández

Por volta das 15h do domingo passado, 22 de março, Rafael Estévez Guerrero, natural de La Rinconada, em Sevilha, morreu aos 37 anos de idade. Rafa, como todos o conheciam, era um cara peculiar, se por peculiar queremos dizer o que está fora da norma habitual.

Auxiliar de enfermagem por profissão, ele relacionou períodos de desemprego com empregos precários e temporários ao longo de sua vida, seja na sua especialidade ou no que quer que tenha encontrado, desde a colheita de laranjas nos campos até o comércio hoteleiro ou uma fábrica de frangos. Um tipo trabalhador, com qualidades, forte, desperto e aberto com as pessoas, todas qualidades muito apreciadas por qualquer empregador.

Não tão apreciada é geralmente a rejeição da domesticação e da obediência submissa, qualidades que também o adornavam e que, não em vão, lhe custaram a permanência em mais de um emprego. Daí também a sua militância no sindicato anarquista CNT, primeiro em Chiclana e depois em Sevilha e Camas, sindicato à qual sempre se sentiu ideologicamente unido e onde foi um membro particularmente ativo no tempo em que militou.

E assim nos ligamos ao grande leitmotiv de sua vida, o anarquismo, porque se há algo pelo qual Rafa gostaria de ser lembrado, é ser um embaixador fiel das ideias que marcaram sua vida. Grande leitor dos clássicos teóricos anarquistas (Proudhon, Bakunin, Malatesta, Kropotkin…), as teses libertárias lhe proporcionaram um corpus de valores, princípios e fundamentos morais e sociais que, desde muito jovem, dariam sentido à sua existência. Toda a sua vida já se tornou uma tentativa de difundir e realizar as ideias em que tanto acreditava, baseadas na solidariedade, na igualdade e no apoio mútuo.

Com essa determinação, ele começou a aprender a encadernação de livros de forma autodidata com a ideia de construir seus próprios livros. Assim nasceu sua pequena distribuidora de livros, com exemplares todos encadernados e vendidos ao preço de custo, sem receber qualquer benefício, apenas a satisfação de estar contribuindo para a divulgação da Ideia. Primeiro na Praça do Pumarejo em Sevilha e depois junto ao Parlamento Andaluz, era uma visão familiar vê-lo todos os sábados de manhã com a sua mesa cheia de livros enquanto alguns transeuntes paravam e olhavam em volta curiosamente. Sempre o achava alegre e disposto a conversar com qualquer um que mostrasse interesse.

Sua alegria, energia e vitalidade eram bem conhecidas no mundo do ativismo Sevilhano, onde Rafa era um personagem difícil de não notar. Raro era o ateneu libertário no qual ele não era encontrado, raro era a assembleia de caráter revolucionário ou rebelde na qual ele não participava, raro era a concentração ou manifestação antifascista, anticapitalista ou em defesa dos camaradas reprimidos em que não víamos Rafa na linha de frente. Porque ninguém poderia vencê-lo por mais nada, a não ser coragem, ímpeto e ousadia. Desde o 15M, onde foi um dos ativistas mais lembrados, até dias de greves ou manifestações contra a monarquia ou o fascismo, Rafa sempre se levantou e assumiu riscos. Tanto que isso lhe custou alguns procedimentos legais e mais de uma ameaça de grupos neonazistas em Sevilha.

Mas nem a habitual repressão estatal contra vozes dissidentes, nem o terror fascista poderiam jamais vencê-lo. A sua dignidade e consciência firme estavam muito acima de tudo isso. É por isso que ainda temos dificuldade em acreditar como este maldito vírus o derrotou em poucos dias. Um golpe ainda mais duro quando veio logo após a publicação do livro que viu a luz no último 2 de março em sua cidade: O comunismo libertário em La Rinconada, de Rafael Estévez Guerrero. O trabalho que lhe levou 10 anos de intensa pesquisa, investigação de arquivo por toda a Espanha e entrevistas com muitas pessoas locais. Uma obra que deu à luz como se fosse um nascimento e que significou para ele, possivelmente, o momento mais especial de sua vida. Algo material, empírico, que significou uma contribuição verificável e duradoura dele para a memória do seu povo e do anarquismo.

Parece uma piada macabra que praticamente horas depois daquele momento chegaram os primeiros sintomas da doença que o levariam para sempre. Pelo menos ele nos deixa aquele trabalho como um legado e uma memória que ressoará eternamente em todos que o conheceram, assim como os grandes homens e mulheres que deram sentido à sua vida com a vontade de tornar este mundo um pouco mais justo. No seu caso, com a utopia ácrata como horizonte.

Fonte: https://www.lavozdelsur.es/rafa-la-voluntad-de-hacer-de-este-mundo-un-sitio-mejor/

Tradução > Liberto

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