Por Carlos Taibo | 29/03/2020
Permitam um gesto de extrema ingenuidade que tome a forma de uma reflexão em voz alta. Coloco aqui por escrito o que entendo ser, num momento crítico, as principais tarefas das pessoas que ainda acreditam na autogestão, na ação direta e no apoio mútuo. Não quero saber se estas pessoas são anarquistas ou não. Já o disse mil vezes: o que importa é o comportamento, não os tons ideológicos. De consciência tranquila – que não podemos continuar assim, desunidos e muitas vezes em conflito – parto da firme convicção de que somos mais, muito mais do que aparentamos e que temos de agir com urgência. Não pode ser coincidência que um bom número das iniciativas de solidariedade que tomaram forma nas últimas semanas tenha decidido descrever-se como grupos de apoio mútuo, como se um fluxo subterrâneo da história estivesse agora a reaparecer e a começar a correr solto. Se este texto for de alguma utilidade para si, tanto melhor; se não, deite-o fora. Ou, porque não, reescreve-o ao teu gosto. E continue com o seu trabalho, as suas tarefas. Que, na minha opinião, são as seguintes.
1. Exercitar a solidariedade nua desenvolvida a partir de baixo, e não a forçada e finalmente interessada. Agradecer a conduta daqueles que destacam, com coragem, por agir.
2. Repensar o papel dos homens e mulheres velhos nos nossos movimentos e iniciativas, dar-lhes o destaque que merecem – o que sempre mereceram – e tirar partido da sua sabedoria, da sua dedicação e do seu tempo.
3. Lutar pela libertação definitiva das mulheres e, nesse sentido, denunciar as limitações do feminismo de Estado e as exigências que pouco mais reclamam do que a integração igualitária das mulheres na sociedade criada pelos homens. A sociedade patriarcal parece ser chamada a sobreviver mesmo na presença da desejável, e hoje distante, igualdade formal entre mulheres e homens.
4. Diante das agressões e cortes que vão se tornar nosso pão cotidiano, recuperar as práticas de sindicalismo de combate e, entre elas, no lugar principal, a ação direta. Alargar a autogestão e, perante o capital, o mercado e as suas misérias, abrir espaços autônomos, descomercantilizados e despatriarcalizados. Em resumo, ter em mente a dimensão de classe da crise. A situação não é a mesma para as elites políticas e econômicas, para a classe média e para as classes populares, muitas vezes condenadas a trabalhar em condições infames. É uma mentira que somos todos igualmente afetados. E seria um erro aceitar que, para resolver problemas muito graves, é necessário aceitar retrocessos sem fim.
5. Defender o público, mas acrescentar por trás desse substantivo os adjetivos autogeridos e socializados, para que, como tantas vezes, o público não esconda a importância dos lamentáveis interesses privados e seja usado contra as pessoas que são seus beneficiários teóricos.
6. Denunciar o espetáculo da política ao uso, da lógica da representação, dos jogos dos partidos e dos interesses subterrâneos aos quais eles obedecem. Ao mesmo tempo, devemos contestar a hierarquia e a militarização, denunciar a repressão do passado e do presente e repudiar as infinitas formas de servidão voluntária que estão sendo reveladas entre nós neste momento. Em suma, tomar consciência de que estamos perante o que parece ser um ensaio geral de contra-insurgência – sem insurgência prévia, claro – que pode muito bem ser utilizado, a partir das fileiras do poder, para delinear medidas futuras na linha do ecofascismo.
7. Deve-se salientar que a pandemia contemporânea teve o efeito impressionante de reduzir a poluição planetária, reduzindo significativamente o uso de combustíveis fósseis e impondo um travão selvagem ao turismo. Evitar que o que nos foi dado de forma repentina e imprevista se dilua em nada. Promover, além disso, uma resposta franca ao crescimento econômico e seus impostos e, para isso, apoiar o decrescimento, a renascença, a destecnologia, a despatriarcalização, a descolonização e a descomplexação de nossas sociedades. Não tanto para evitar o colapso que se aproxima, mas para aprender como se adaptar ao cenário correspondente.
8. Recordar repetidamente, e agir em conformidade, que o cenário em muitos dos países do Sul é infinitamente mais terrível do que o nosso, e sublinhar como, nesses países, morrem todos os anos muito mais pessoas de doenças curáveis do que morrem do coronavírus. Ao mesmo tempo, devemos tirar as consequências da natureza internacional da pandemia e responder, também de forma internacional, ao cenário que os poderes de sempre nos propõe.
9. Desconfie da ideia de que o capital pode fazer tudo e controlar tudo. Esse capital continua sendo, em muitos lugares e momentos, abertamente míope, mais preocupado em obter lucro mais rápido e descarnado, e – o ecofascismo à parte – carece, de fato, de um projeto para o futuro. Tomem nota, porém, do significado do ecofascismo que acabamos de mencionar, uma perspectiva que se revela de forma incipiente e que compreende que no planeta há demasiadas pessoas, de tal forma que se trataria, na versão mais suave, de marginalizar os que sobram – isto eles já o fazem – e, na versão mais dura, de exterminá-los diretamente.
10. Tentar reunir pessoas que acreditam na autogestão, na democracia direta e no apoio mútuo. Para pôr de lado o sectarismo e os debates estéreis. Pense primeiro nas pessoas comuns – mais lúcidas, muitas vezes, do que tendemos a acreditar – do que nos nossos círculos de iniciados, e use para este fim as fontes de apoio mútuo e empatia com aqueles que sofrem.
Fácil, não é?
Fonte: https://www.carlostaibo.com/articulos/texto/?id=664
Tradução > Liberto
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Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!