[Reino Unido] Não há pausa na guerra de classes

Domingo, 22 de março de 2020

É tática comum dos estados e do capital invocar o “interesse nacional” e o “estamos todos juntos” como meio de desviar a atenção da guerra de classes. Tais clamores ouviram-se durante e depois da crise financeira de 2008, quando estados e capital se protegeram, culpando os trabalhadores. Contudo, a situação atual, com o Covid-19 certamente superou a crise financeira de 2008 no apelo à unidade nacional. Na realidade, não houve certamente uma ocasião, desde a II Guerra Mundial, em que o interesse nacional tenha sido usado com tanto sucesso (pelo menos “no Ocidente”).

No Reino Unido todos os partidos e governos estão amplamente em consenso, felizes pelo ecoar desta chamada à unidade e, qualquer divergência entre Tory (partido conservador) e Labour (partido trabalhista), liberais e conservadores, “os que desejam sair” (referente ao Brexit) e “os que defendem permanência” (Brexit), Westminster e Holyrood, foi posta de lado pela classe política. Jornalistas e políticos do mesmo modo, respaldados pelos seus especialistas moderados e cientistas de estimação, alegraram-se em fazer surgir o mito do WWII – um pé de guerra pelo NHS (sistema nacional de saúde), a guerra pelas nossas vidas, etc. – para fazerem valer o argumento da unidade. Claro que as divisões reais da sociedade – entre, de um lado os trabalhadores e o capital e estado, do outro – estão tão presentes como sempre. Os efeitos desta crise serão sentidos desproporcionadamente pelos mais pobres – tanto no Reino Unido como pelo mundo a fora.

O consenso político está enraizado na ideia unânime de que não pode haver maior dano na economia, argumento este que reflete a interdependência do estado e do capital. Contrariamente aos clamores de alguns sociais democratas, o neoliberalismo não tem sido exemplo do capital a acabar com o estado, mas sim do estado e do capital a tornarem-se cada vez mais integrados, requerendo o capital que o estado facilite a exploração dos trabalhadores. A atual crise dá-nos um exemplo excelente da sua interdependência, com o estado aparecendo como forma de garantir que a economia (i.e. da exploração econômica dos trabalhadores) continue a funcionar de alguma forma.

Para que isto acabe, temos visto uma série crescente de propostas de orçamentos, pelo governo do Reino Unido, de modo a lidar não só com a situação do Covid-19, mas também com as exigências de trabalhadores. Como resultado tem havido reais, embora limitadas, concessões no âmbito laboral – a cobertura de 80% do salário desses trabalhadores será um alívio bem-vindo para algumas dessas pessoas, embora insignificante para aquelas em situação laboral precária e muitas das pessoas que recebem salários muito baixos. E enquanto a exigência de algumas pessoas para a “renda básica” poderá ter algumas vantagens, em especial nos tempos atuais, será uma medida para salvar o capitalismo e não para o enterrar.

Contudo, apesar das intenções, capital e estado poderão ter tempos mais difíceis do que pensam ao tentarem colocar a cabeça debaixo da terra. Mesmo antes de medidas adicionais serem tomadas devido à crise do Covid-19, trabalhadores tinham forçado o 1º orçamento para a “esquerda”, desde 2008. Enquanto o conflito entre liberalismo, já enfraquecido antes da pandemia, e o populismo (nacional) está tomando um lugar de segundo plano, parece que poderá ser renovado mais cedo do que esperado. Não é difícil ver que a crise atual alimentará o aumento do clima de políticas anti-imigração. Nem o liberalismo, nem o populismo nacional oferecem algo aos trabalhadores, mas é antes a competição entre os dois que poderá abrir oportunidade ao avanço do poder operário. A acrescentar, para apoiar a auto-organização de trabalhadores, neste momento, é vital que também olhemos para a forma como poderemos estender qualquer vantagem que seja conseguida. Para esse fim, a ideia absurda da unidade nacional – esta não é uma “situação política” –  em que trabalhadores e patrões estão do mesmo lado, tem de ser contestada sempre que possível.

Fonte: https://www.anarchistcommunism.org/2020/03/22/class-war-not-on-pause

Tradução > Ophelia

agência de notícias anarquistas-ana

Flor de laranjeira
na noite enluarada
perfuma o ar.

Vanessa Torres da Silva, 14 anos