“Nós estamos em guerra”. Macron repetiu várias vezes essa frase, durante seu discurso no último 16 de março, em que anunciou o isolamento sanitário que concerne a todas e todos nós. Esse leitmotiv foi depois retomado conjuntamente pelo governo e pelos jornalistas mais extremosos. Em um contexto particularmente ansiogênico, todas as pessoas estão sendo oficialmente convocadas a contribuir para o “esforço”, a “fazer sacrifícios”. No entanto, até o momento, o que podemos observar nessa imposição patriótica é que esses esforços têm tido, para dizer o mínimo, dois pesos e duas medidas.
Apesar das revelações sobre o despreparo do governo, suas decisões aberrantes se encadeiam e as primeiras medidas da crise parecem distantes das preocupações sanitárias: imposições contraditórias (nada de passeio no parque, mas todo mundo ao trabalho!), destruição dos direitos sociais em oposição a proteção do grande capital, desatenção para com as classes privilegiadas em oposição a repressão para com os bairros populares.
Mesmo em período de crise, a classe política no poder não renuncia à doxa neoliberal, embora altamente responsável pelo estado de degradação do sistema sanitário atual. Ao mesmo tempo, convocam à “unidade nacional”, ao “civismo”. Com um só grito de ordem, como na guerra: os pobres no fronte, os ricos em casa!
Na prática, já se pode ver os efeitos sociais das medidas de isolamento: enquanto as classes mais privilegiadas podem se refugiar em suas casas de férias ou são solicitadas pelas autoridades para “não saírem aos fins de semana”, são os mais desfavorecidos que sofrem a pressão policial em seus bairros e a pressão financeira do dever de continuar trabalhando, principalmente para reabastecer as populações mais ricas, e isso sem nenhuma contrapartida. Como prova disso, cerca de 100.000 multas foram expedidas em uma semana, e foram efetuadas as primeiras custódias policiais por “colocar outras pessoas em perigo”, especialmente no departamento popular de Seine-Saint-Denis.
Nessa atmosfera deletéria, alguns editorialistas, partidos políticos e formadores de opinião delineiam o discurso do “malfeitor confinado”: quem sai muito frequentemente, quem se recusa a “fazer sua parte” trabalhando, quem ousa contestar as medidas. A esquerda parlamentar se cala, ou quase; a direita cada vez mais extrema – Christian Estrosi, prefeito de Nice, na dianteira – não tardou a aplicar nas ruas as técnicas aprendidas no controle de manifestações: toque de recolher, drones para monitorar as ruas etc. Os nacionalistas xenofóbicos do RN e seus amigos esfregam as mãos. Enquanto décadas atrás os burgueses defendiam a “inevitável” globalização capitalista, hoje os egoísmos nacionais recuperam a vantagem na base do pânico. Todos os Estados fecham suas fronteiras (às pessoas, não às mercadorias, evidentemente), guardam seus materiais médicos, tentam comprar patentes, bloqueiam os materiais destinados a outros Estados…
Apesar de saberem devidamente que as populações mais desfavorecidas e as minorias não são em nada responsáveis pela situação, Marine Le Pen e seus aliados se mobilizam cada vez mais intensamente para que se reforcem as medidas contra “os estrangeiros” e “a escória”. Não podemos ficar passivos diante do horizonte autoritário que se anuncia.
Pandemia mundial? Solidariedade local e internacional!
Hoje, para cerca de dois bilhões de pessoas, o isolamento parece ser a solução paliativa diante da epidemia que nossos governos e suas políticas contribuíram indiretamente para amplificar.
No entanto, é primordial desenvolver uma solidariedade concreta neste período de crise. Igualmente importante, é necessário continuar comunicando, difundindo posicionamentos antiautoritários para o maior número de pessoas, tanto nas redes sociais, quanto nas ruas, de uma maneira ou de outra. Estejamos certos de que é pela expressão democrática e pela inventividade popular que atravessaremos este período, certamente não pela repressão.
Que permaneçamos deliberadamente vigilantes, tanto em nossos bairros quanto em nossos locais de trabalho, para não deixarmos os mais frágeis – os imigrantes clandestinos, os desabrigados, os mais jovens, os mais pobres – à mercê dos patrões e da polícia.
Diante da propaganda securitária e nacionalista, combatamos com um discurso solidário e internacionalista. Continuemos difundindo as mensagens de nossos camaradas de outros países, informemos sobre a magnitude mundial das resistências. Esta crise prova claramente que as trabalhadoras e os trabalhadores do mundo inteiro têm mais em comum diante de suas elites que a pretendida “unidade nacional”. Na medida do possível, tentemos aplicar concretamente essa solidariedade internacional, diretamente para com os imigrantes e as trabalhadoras e trabalhadores estrangeiros, mas também de maneira geral em nossas mensagens e ações de apoio que podemos coordenar. Diante da ameaça do vírus e do autoritarismo, é importante fortalecer nossas conexões entre organizações e grupos revolucionários: preparemos as bases da revanche!
Union Communiste Libertaire, 2 de abril de 2020.
Tradução > Dienah Gurhühor
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!