O intolerável complexo industrial prisional

Por Edson Lopes | 10/04/2020

O encarceramento e as políticas que endurecem a criminalização e abarrotam os cárceres em todo mundo, sobretudo em países como os EUA e o Brasil, com o fundamento na moralização, guerra as drogas, imigração e guerra ao terrorismo, assolam os mais pobres num esquema de constante reincidência, mas fazem prosperar as prisões e os negócios correlatos que lhe são fornecedores, sejam privados ou públicos, em modelos de cogestão. Além disso, presos e familiares gastam dinheiro com as prisões, alimentando fianças e serviços prisionais, inclusive o tráfico e ilegalismos que funcionam dentro das prisões, muitas vezes com arranjos econômicos externos e não raro com o total conhecimento do Estado. Comumente os governos, tanto como o lobby, operam para aumentar a capacidade prisional. Não raro, para reduzir a maioridade penal. Hora ou outra os debates mais liberais e progressistas se resumem ao custo de cada modelo por prisioneiro, às excelente infraestruturas, bons serviços, mão de obra para linhas de produção, e impedimentos legais para um modelo X ou Y. O capital, as crescentes desigualdades, as políticas de criminalização das drogas, o endividamento, a miséria, as guerras e o Estado que nunca é mínimo para legislar a favor do capital e para sua segurança, garantirão o público-alvo: pobres, negros, imigrantes, ignorantes, mulas e mão de obra disponível. O encarceramento em massa se consolida como negócio do século XXI ao lado do refinamento da indústria da vigilância social, de segurança interna e de manutenção da ordem – que alegam o caráter multifuncional de suas tecnologias não letais, como o gás lacrimogêneo consolidado como arma repressiva nas ultimas décadas. O encarceramento em massa tem sua cadeia produtiva que reproduz em seus serviços, ciência e tecnologia, um campo de continuidade da violência, da guerra e da tortura que insistimos em ocultar na política, não só em autocracias mas em regimes democráticos.

Durante a pandemia da Covid-19 uma parte da população do planeta se confina voluntariamente ou sob duras políticas, sanções e vigilância digital. Uma outra grande massa não conhece outro destino que o sequestro, ou custodia do Estado, seja em centro de detenções, prisões de segurança máxima, prisões agrícolas, prisões psiquiátricas, unidades de cumprimento de medidas sócio educativas, centros de detenção para imigrantes, centros de correção, campos de refugiados e prisões secretas. Para uns e outros a experiência do confinamento sempre é vinculante à normalização das exceções, como preconiza Aganbem e Günter Frankenberg. Mas dentro das instituições prisionais e nos campos, onde os corpos se avolumam, não existe água potável, sobra violência, se espalham doenças infectocontagiosas, os EPIs são inexistentes, o desastre humanitário pode ser maior, muitas vezes alocadas em regiões com infraestrutura médica insuficiente ou inexistente.

O tema do combate à tortura nunca foi prioridade no Brasil. Agrava-se ainda mais sob o governo de direita do presidente Bolsonaro, que mobiliza um exército de milhares nas redes sociais para desinformar, assolar e debochar de críticos contra os quais robôs vulgarizam mensagens de ódio e ameaças. Com desprezo pela pauta humanitária e pela pauta da tortura, inclusive dentro da Câmara, o Brasil viu inúmeras vezes se arrolar o elogio a torturadores e menorização do passado recente da ditadura brasileira com suas centenas de mortos e desaparecidos. Não bastassem as ações para o ocultamento e para desmentir as relevantes contribuições da Comissão da Verdade – que enumera 434 casos de mortes e desaparecimento de pessoas perpetrados pelo Estado brasileiro entre 1964 e 1988, com a participação de 377 agentes públicos – desmontou-se no Brasil o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura, organismo independente que monitora e fiscaliza as condições de custodia do Estado, evitando penas e tratamentos degradantes. Buscou-se, portanto, desmantelar o mais importante órgão anti-tortura no país e inviabilizar o controle social. Expedientes perversos marcaram a ditadura brasileira e em nada qualquer democracia se vê imune a esse expediente e imune ao exercício da tortura e do tratamento degradante. Na experiência do aprisionamento em massa no Brasil a tortura é a regra e não a exceção. Ainda assim, o ministro da Justiça do Brasil, o terceiro maior país que mais encarcera no mundo, segundo dados do estudo World Prison Brief, alega que as prisões no país têm condições de seguir protocolos sanitários para conter a disseminação da Covid-19. Mas nas prisões brasileiras doenças tratáveis como Aids, tuberculose, leptospirose, hanseníase e infecções de pele são responsáveis por um verdadeiro massacre. As mortes em decorrência de doenças, falta de tratamento e antibióticos, são muito superiores as mortes violentas. O Levantamento Nacional de Informações Penitenciarias, produzido pelo Departamento Penitenciário Nacional, atualizado em junho de 2016, referente a dados de 2014, aponta 594 mortes por doenças e 159 mortes violentas naquele ano. Alem do disparate, nota-se que o governo Brasileiro omite dados sobre a populacho carcerária desde então e omitirá e subnotificará dados sobre o avanço da Covid-19.

Ao redor do mundo, presos, movimentos contra a prisão, anarquistas e abolicionistas vão da defesa da fuga em massa à pressão pela libertação, prisão domiciliar, abolição das detenções administrativas e abolição da execução de sentenças pela perspectiva do direito penal. Além de não ter condições de seguir o protocolo sanitário para doenças tratáveis e para o Covid-19, medidas como suspensões de visitas de familiares e advogados privam os presos de segurança pelo regime de incomunicabilidade, e de produtos de higiene e alimentícios fundamentais para a saúde. Não se trata de uma exclusividade das prisões brasileiras, bem como instituições como os centros de detenção para imigrantes e campos de refugiados compartilham de condições e destinos semelhantes no que toca à higiene, acesso a serviços de saúde, incomunicabilidade, violência e omissão de informações para o controle social. Alem de temer o agravamento das condições sanitárias presos sabem que o sistema de saúde que atende o sistema prisional já colapsou faz tempo. Motins, greves de fome e rebeliões tornaram-se recorrentes em muitos países, não sem inaugurar outras séries de violências, recrudescimento dos agentes penitenciários e polícias e massacres perpetrados pelo facciosismo. Dentro e fora das prisões e dos campos, com presos, imigrantes, refugiados, etc. é preciso colocar em xeque as instituições – e suas redes de negócios – intoleráveis.

> Edson Lopes é mestre pelo PEPG em Ciências Sociais da PUC-SP.

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O morro escurece
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O escarlate rouba…

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