Na Rússia, as autoridades estão atacando ativistas esquerdistas de modo crescente, usando quaisquer meios necessários. As acusações contra Miftakhov, dizem seus advogados, decorrem de sua ideologia anarquista e seu apoio aos prisioneiros políticos.
Por Alexandr Litoy | 01/04/2020
Azat Miftakhov, um estudante de matemática e anarquista residente em Moscou, está atualmente se preparando para ser julgado sobre queixas de “hooliganismo”, Ele está sendo acusado de envolvimento em um incidente envolvendo uma janela quebrada no prédio do escritório distrital da Rússia Unida, o partido em poder no país. De acordo com investigadores, as atividades criminais de Miftakhov também incluem participação em protestos em suporte a prisioneiros políticos na Rússia.
Miftakhov, 27 anos, foi detido no começo de fevereiro de 2019. Ele deveria responder inicialmente a acusações relacionadas a materiais explosivos encontrados na cidade-satélite de Moscou, Balashikha.
Miftakhov declarou que os homens que o prenderam tentaram coagi-lo a uma confissão por meio de violência física. Ativistas dos direitos humanos registraram marcas em seu corpo deixadas por uma chave de fenda elétrica.
No fim, Azat não foi acusado em relação aos explosivos em Balashikha, mas foi preso por outro caso: Um ano antes, pessoas desconhecidas quebraram uma janela no escritório distrital da Rússia Unida em Khovrino, em seguida jogaram um sinalizador (flare) dentro do escritório. As ações foram filmadas, e o vídeo encontrado em páginas anarquistas nas redes sociais russas.
O fato de que Miftakhov estava presente durante o evento foi “confirmado” por uma testemunha anônima, de acordo com investigadores. Essa testemunha alega que Azat estava usando uma máscara, mas era capaz de reconhecê lo por suas “sobrancelhas expressivas”. Os investigadores clamam que Miftakhov “observou a situação […] perto do escritório da Rússia Unida a fim de avisar seus cúmplices de qualquer possível perigo.”
Azat Miftakhov era conhecido no cenário anarquista de Moscou, e não nega suas convicções. Em junho de 2018 e janeiro de 2019, Miftakhov recebeu ameaças e exigências para parar com suas atividades públicas – as ameaças foram publicadas por canais de telegramas anônimos alegadamente conectados com agências de lei russas.
“Azat é sempre muito responsável no que se compromete”, diz Matvey, um anarquista que se expressou na condição de anonimato. “Uma pessoa de conhecimento e interesses. Nunca se atrasa. Quando estava livre, ele sempre estava ajudando outros prisioneiros políticos.”
A advogada de Miftakhov, Svetlana Sidorkina diz que seu cliente está resolvendo problemas matemáticos enquanto em detenção, e mantém correspondência com outros matemáticos.
De vandalismo para hooliganismo
No caso da janela quebrada em Khovrino, existem outros réus.
Andrey Eikin, que alegadamente gravou o que aconteceu em vídeo, declarou-se culpado. (Durante a preparação deste texto, não foi possível entrar em contato com ele.) Elena Gorban, que, de acordo com investigadores, quebrou a janela, disse estar presente durante o episódio em Khovrino, mas não admite sua culpa como formulada pelos investigadores. Outro indiciado Alexey Kobaidze, partiu da Rússia desde então – Investigadores dizem que ele teria jogado o sinalizador (flare) pela janela quebrada. Kobaidze também não pode ser contatado.
De todos os acusados do caso de Khovrino, apenas Azat Miftakhov está atualmente em detenção. De acordo com Svetlana Sidorkina, isso se dá pelo fato de que durante seu tempo em detenção seu cliente demonstrou uma enorme resolução. Ainda mais, foi precisamente quando Miftakhov se tornou um dos acusados no caso de Khovrino que o caso todo foi mudado de “vandalismo” para “hooliganismo”, permitindo à polícia manter suspeitos com a justificativa de detenção investigativa.
Svyatoslav Rechkalov e Sergeyeva, anarquistas que foram presos durante a investigação de Khovrino, deixaram a Rússia.
“Colour revolution em Moscou”
“Durante a busca na casa de Miftakhov, a polícia confiscou um tablet quebrado”. Sidorkina me diz: “Foi hackeado e correspondências relacionadas com o grupo [anarquista] ‘People’s Self-Defense’ foram encontradas nele. Foi assim que eles criaram a testemunha anônima, à qual foi dado o nome ‘Karaulny’ [Karaulny significa sentinela ou vigia em russo]. Cômico, mas real. ‘Karaulny’ diz participar do ‘People’s Self-Defense’ desde 2015, e que Miftakhov também fazia parte. A testemunha também diz que Miftakhov participou de piquetes, e envolvia-se em airsoft (jogo desportivo) e artes marciais. Aparentemente, esse testemunho foi o suficiente para justificar o por que atearia fogo no escritório da Rússia Unida”.
No momento desta publicação, OVD-Info não recebeu comentários do grupo ‘People’s Self-Defense’. Uma lista de dezenas de pseudônimos e apelidos da internet que, de acordo com oficiais de segurança, estão envolvidos no ‘People’s Self-Defense’, também estão ligados ao caso.
“Ninguém identificou o ‘People’s Self-Defense’ como uma organização extremista”, comenta Sidorkina. Mas isso não impediu os investigadores do caso.
OVD-Info tem posse de um documento emitido recentemente por um investigador no caso, o qual diz:
“A atividade do movimento ‘People’s Self-Defense’ consiste em propaganda de ideologia anarquista, mais precisamente, na chamada para conflitos contra as autoridades, inclusive por uso da força. Sendo um membro deste grupo criminoso, Miftakhov propagandeou a recusa do poder político, estudou literatura política, e fez parte de ações extremistas ilegais organizadas pelo ‘People’s Self-Defense’, piquetes em suporte a prisioneiros políticos, anarquistas, antifascistas e etc., ações essas que apareceram na mídia do ‘People’s Self-Defense’.”
Expressões similares sobre o grupo ‘People’s Self-Defense’ também são encontradas na decisão judicial de indiciar Elena Gorban. É dito que o ‘People’s Self-Defense’ “usa de vandalismo e hooliganismo, ataca prédios administrativos e agências do governo a fim de desestabilizar a situação política na Rússia, assim como instigar uma mudança inconstitucional do governo por forma de tumultos em massa sob o esquema ‘colour revolutions’.
Um pouco de “hashish” e um vídeo
Uma das condições de acusações criminais sob “hooliganismo” na Rússia é a presença de objetos que possam ser utilizados como armas.
“Químicos forenses não reconhecem bombas de fumaça como armas”, diz Elena Gorban, uma das pessoas submetidas a investigação. “Mas eles adicionaram uma entrevista com um especialista aos arquivos do caso. Que disse asneiras como: “quem sabe o que pode estar nessas bombas, talvez sejam venenosas, depende do fabricante, e nós não sabemos quem ele é”.
Sidorkina destaca que a investigação decidiu que o sinalizador (flare) poderia apresentar risco de incêndio.
Gorban diz que a principal evidência que os investigadores no caso possuem em relação a ela e Eikin são suas próprias confissões feitas na parte inicial da investigação, e também correspondências entre os ativistas que oficiais de segurança puderam extrair. Os participantes do evento de Khovrino foram encontrados através de câmeras de segurança, mas isso não foi incluído no caso como evidência.
“Durante o julgamento, nós tentaremos classificar nossas ações sob queixas menos graves negando o uso de qualquer tipo de arma, ódio político, como um todo, “flagrante perturbação de ordem pública”, diz Gorban. “O incidente aconteceu em uma rua vazia a noite.”
Miftakhov nega estar presente durante o evento em Khovrino.
Gorban também observa que há um caso criminal separado sob “encorajamento de atividade extremista” no caso de Khovrino, relativo aos vídeos que foram publicados. O centro de combate de extremismo russo está fornecendo ajuda na operação. Nenhuma queixa relacionada a extremismo foi feita.
O anarquista Sviatoslav Rechkalov foi detido sob a suspeita de que ele opera as mídias sociais do ‘People’s Self-Defense’ e que publicou os vídeos de Khovrino. Rechkalov disse a OVD-Info que foi espancado durante sua detenção. Rechkalov também mencionou que o vídeo de Khovrino não se originou do grupo ‘People’s Self-Defense’, o qual apenas o repostou.
Svetlana Sidorkina diz que uma investigação separada também foi aberta em conexão com “hashish” que foi encontrado durante a busca na casa de Miftakhov.
“Não era uma quantidade grande. Evidentemente, eles calcularam mal quando plantaram na casa”. Isso é como Sidorkina explica o porquê não foram feitas queixas de drogas contra Miftakhov.
As partes envolvidas estão agora se familiarizando com os arquivos do caso Khovrino. Logo eles devem ser referidos ao gabinete do procurador. Sidorkina afirma que por meses, as principais ações investigativas consistem de duas análises forenses – uma no sinalizador (flare) jogado pela janela quebrada do escritório, outra no tablete quebrado de Miftakhov.
“Eu estou espantada que um homem tenha passado mais de um ano em detenção por uma janela quebrada”, diz Sidorkina, completando: “E isso ainda é apresentado como uma investigação efetiva!”.
Fonte: https://www.opendemocracy.net/en/odr/why-russian-mathematician-azat-miftakhov-trial/
Tradução > A. Padalecki
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Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!