Por Carlos Taibo | 13/04/2020
Em 2016 publiquei um livro chamado Colapso. A tese principal que defendi em suas páginas apontava que o horizonte de um colapso geral do sistema que estamos sofrendo está ligado sobretudo a duas grandes questões: a mudança climática, por um lado, e o esgotamento das matérias-primas energéticas, por outro. Acrescentava, porém, que a influência de outros fatores, que aparentemente são secundários, não pode ser descartada. E entre eles mencionava, a propósito, o peso das epidemias e pandemias.
Embora o saldo que pode ser registrado neste momento deva ser provisório, me parece que um cenário marcante está se abrindo. Isto é assim, eu acredito, por duas razões. O primeiro é chamar a atenção para o peso desses fatores aparentemente secundários e, mais precisamente, para o impulso acumulado que eles parecem estar exibindo. Inicialmente, foi certamente a pandemia. Mas a ela se juntaram, com enorme rapidez e intensidade, os efeitos de uma fratura social de perfis incontroláveis, os da crise, cada vez mais visíveis, de cuidados, os de um descalabro financeiro que anuncia conflitos por toda parte e, para deixar as coisas assim, os de outra pandemia, agora de caráter repressivo autoritário, que parece ter vindo para ficar. Não é supérfluo, dado esse acúmulo de circunstâncias, sugerir, cautelosamente, que se isso que temos diante de nossos olhos não é o colapso em si, ainda assim nos coloca na antecâmara deste último.
Vou, no entanto, entrar no segundo dos motivos que invoquei. O grande paradoxo do momento atual é que as regras que vêm traçando o rumo das duas grandes questões que mencionei em meu livro – as mudanças climáticas e o esgotamento das matérias-primas energéticas – mudaram, ainda que ligeiramente, para melhor. É bem sabido que os níveis de poluição caíram em grande parte do planeta, que o consumo de combustíveis fósseis também caiu e que o turismo agressivo dos últimos anos tem sido brutalmente refreado. Apesar de tudo, ou quase tudo, anunciar que esses três processos apresentam um caráter passageiro tem a virtude de nos lembrar que é possível, que é urgente, mover as peças de forma diferente.
Nem os organismos internacionais, nem os governos, nem os empregadores, nem os sindicatos claudicantes parecem ter tomado nota disto. A aposta de todas essas instâncias é hoje, descaradamente, para um retorno ao cenário anterior ao coronavírus. Em muitos casos, talvez a maioria, o retorno traria, além disso, mais um revés, o enésimo, nos campos social, trabalhista, assistencialista e repressivo. Esta aposta universal pelos poderes que serão significa, obscenamente, que as grandes questões ligadas ao colapso serão mais uma vez colocadas em espera em prol de um novo voo para frente. Inevitavelmente, esta última resultará na utilização de uma máquina de mídia formidável a serviço do projeto correspondente. Apenas uma pequena minoria entendeu, entretanto, que este é o momento de incentivar transformações radicais que nos permitirão – não mais evitar o colapso, que talvez não esteja ao nosso alcance – entrar numa nova sociedade baseada na autocontenção, no respeito ao meio ambiente natural, na redistribuição radical da riqueza e no fim de uma era, a do Antropoceno, indelevelmente marcada pela miséria do capitalismo.
Alguém vai pensar, com critérios respeitáveis, que um projeto tão radical como aquele que proponho está deslocado num cenário marcado pela infinidade de problemas, de todos os tipos, que nessas horas nos assolam. Em resposta, limitar-me-ei a recuperar uma informação muito esclarecedora que tem andado por aí nos últimos dias. Segundo reportagem da revista Forbes, a redução da contaminação registrada na China nos últimos meses parece estar destinada a salvar 77 mil vidas, um número 25 vezes maior do que o das vítimas oficialmente reconhecidas naquele país, em decorrência do coronavírus. É algo para pensar, certo?
Fonte: https://www.carlostaibo.com/articulos/texto/index.php?id=668
Tradução > Liberto
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