Uma entrevista com Madeline ffitch, autora do livro Stay and Fight, organizadora anarquista e escritora finalista do PEN/Hemingway Debut Novel Award e do L.A. Times Book Prize no início deste ano.
Introdução e perguntas feitas por Panagioti Tsolkas
A definição de sucesso pode ser meio abstrata para as pessoas e os movimentos que lutam contra a competição desenfreada da vida moderna. Mas acho que um objetivo compartilhado por artistas da contracultura e por ativistas seria lançar um projeto que tenha o potencial de levar as pessoas a agir, especialmente em prol de alguma forma de libertação.
Nesse sentido, o livro Stay and Fight de Madeline ffitch é um sucesso!
Estive envolvido em pequenos negócios de imprensa e publicações durante toda a minha vida adulta. É raro um autor romper os círculos literários da subcultura para aterrissar nas prateleiras de livros cheias de pessoas que escrevem sobre conflitos mas que nunca estiveram em uma barricada ou que nunca tiveram que enfrentar uma tropa de choque. É quase impossível competir com a autenticidade que vem das pessoas que escolhem unir o esforço de sua vida pessoal, criativa e política.
Eu não tenho nada a ver com a escrita deste livro, e mesmo assim sinto alguma propriedade sobre a história. E isso é, ou deveria ser, considerado uma vitória para todo artista, ativista, escritor ou músico.
Me vi muitas vezes, vi meus amigos e minha família enquanto folheava freneticamente as páginas do livro. Lendo pela luz do farol da latrina, avançando algumas páginas sempre que meus filhos estavam distraídos o suficiente, o devorei.
Ri alto várias vezes, não apenas porque era muito engraçado, mas também porque pareceu tanto com os acontecidos próximo lá de casa, que queria chamar outros vizinhos radicais amigos dos meus pais para ler alguns trechos a eles. Incrédulos, achariam que as nossas experiências absurdas não tinham sido apenas registradas, mas também revisadas favoravelmente pelo quadro “clube de livros da Oprah”, do programa The Oprah Winfrey Show.
Madeline ffitch acertou em cheio. Das lutas diárias da maternidade e das parcerias, às batalhas contra a desocupação e a extração industrial, seu livro traz histórias hilárias e emocionantes sobre nós que vivemos para a luta.
Eu tive a sorte de compartilhar experiências com Madeline que incluem da organização do movimento Earth First! à paternidade e maternidade nas respectivas chácaras que herdamos. Decidi perguntar a ela algumas questões sobre Stay and Fight, e suas respostas foram sobre o livro e sobre planos para o futuro (te pouparei das piadas sobre as loucuras de nossos filhos na escola, sobre como livrar nossos lares de vermes etc.).
O que te inspirou a escrever este livro?
Mf: Quando me mudei para Appalachian – Ohio, trabalhei operando motosserras e instalando cordas para um arborista, e esse trabalho foi uma ótima maneira de passar um tempo nas montanhas, conhecer vizinhos, e um jeito agradável de conhecer a melhor a área. Eu estava muito interessada em todas as histórias que as pessoas contavam sobre as cobras chamadas de “rato preto”, muitas das quais estão no livro de um modo ou de outro. Outra coisa que notei, foram os muitos relacionamentos improváveis que sempre confrontavam as minhas ideias preconcebidas de quem se conhecia ou de quem se daria bem. Começando a entender as inter-relações que as pessoas compartilham nas áreas rurais, os modos imprevisíveis que elas constroem confiança em meio às diferenças e aos conflitos, tive vontade de escrever.
Tem alguém com quem você mais se identifica na história?
Mf: É engraçado e biográfico que seja mais com a Helen, porque eu cresci na Costa Oeste e me mudei para um pedaço de “terra bruta” em Ohio, onde estou seguindo em frente nos últimos dez anos. Mas gosto de pensar que as nossas semelhanças ficam por aí. Quero dizer que eu usei mesmo características dela para observar, exagerar ou até mesmo criticar aspectos meus, mas não acho que sou muito parecida com ela. Karen é a personagem que faz mais sentido para mim emocionalmente, e cujos motivos eu me sinto mais próxima. O que é engraçado, porque um dos comentários mais consistentes que recebo é o quanto ela é idiota. Sério? Ela é a única pessoa razoável ali, apesar de ser falha.
Stay and Fight é sobre um relacionamento, sobre um lugar, ou ambos? Se é sobre ambos, é mais sobre um que sobre outro?
Mf: Quis dar o nome do livro de Stay and Fight porque isso descreve família; descreve parceria de vida; descreve relacionamentos com vizinhos, as formas pela qual as comunidades passam a confiar umas na outras quando o clima está ruim e os tempos são duros. Se refere a como, muitas vezes, as pessoas que confiamos são como Karen diz “as que ficam por perto para lutar junto com a gente”. Não são necessariamente as que mais gostamos ou as mais compatíveis, mas as mais presentes e dispostas a passar pelo conflito conosco. Stay and Fight também descreve o que as pessoas em todo o mundo, de Appalachia a Black Mesa, de Standing Rock à Palestina, estão fazendo para resistir às desocupações mesmo estando do lado mais fraco.
Que tipo de reação você recebeu das pessoas da contracultura que o livro está retratando? Como essa reação difere da reação das pessoas que não são deste meio?
Mf: Notei que o livro emite diferentes sinais em diferentes comunidades. Em áreas rurais, e especialmente em bibliotecas, tive pessoas do campo querendo falar comigo sobre os detalhes no livro a respeito de caça e de encontros, sobre como isso se compara às suas experiências, ou sobre motosserras, e principalmente para compartilhar histórias de cobras.
Muitas pessoas no Condado de Athens – Ohio se reconhecem muito profundamente no livro, e acho que isso levou a muitas conversas, uma vez que o livro retrata o modo como nos relacionamentos uns com os outros sem necessariamente enfeitar a vida real.
Eu fiquei um pouco preocupada com a reação da população local, e fiquei impressionada com a gentileza e o entusiasmo pelo livro. Foi um dos mais vendidos durante o verão na livraria local. Além disso, amo como os temas antiautoritários, que sinto estarem brotando de maneira natural, chegaram a toda essa multidão, os anarquistas e radicais esquisitos e organizadores que eu amo. Significa muito para mim ouvir os comentários deles. Claro que tem repetições, pois ambos os grupos compreendem por exemplo que animais atropelados sejam comidos, enquanto vejo que públicos mais sofisticados da área urbana ou universitários acham essa parte estranha.
Notei que as pessoas mais comuns parecem achar que o livro é uma “ruptura de estereótipos”, mas nós das comunidades que estou escrevendo sobre sabemos que não tínhamos esses estereótipos. Então, não é surpresa para nós verificar o quanto as pessoas são complexas eticamente, politicamente etc., não importa onde elas vivem, quem elas amam, ou como se identificam.
Você fez vários esforços para abordar o racismo no livro. Você recebeu algum comentário sobre como isso foi recebido pelos leitores?
Mf: Frequentemente, escritores brancos (dos quais eu sou uma) tentam não escrever sobre raça, e isso apaga tudo o que sabemos, observamos e participamos, ignora ou nega as relações que temos com vizinhos, familiares, amigos, colegas de trabalho e adversários. Talvez porque muitas vezes as pessoas brancas não se orgulham dessas relações ou de como agimos nelas, ou ainda porque fomos treinados para não enxergar, perceber ou comentar questões de raça.
Nós somos treinados para agir como se não fizéssemos parte disso. Esse é um treinamento muito ruim para os seres humanos e um treinamento horrível para contadores de histórias reais. Não quero excluir nada quando se trata de contar histórias, muito menos nesse terreno difícil, mas também não quero tentar escrever com uma voz autoritária ou com um sinal de virtude sobre raça. Apenas estou aqui como todo mundo. Comecei com o que observei ou ouvi, muitas vezes usando trechos de conversas, relacionamentos ou dinâmicas que conheço, mas ainda estou tentando me entender completamente.
Quando tenho dúvidas ou penso que estou esquecendo algo, passo o material por pessoas que acho que podem se ver nele (não demograficamente, mas especificamente), e recebo os comentários, apesar da certeza de que estou sim esquecendo algo ou ainda ter dúvidas.
Por causa do “branqueamento histórico”, de a história retratar a região de Appalachia somente com brancos, e dos esforços continuados de recrutar um nacionalismo branco para mostrar esta área como um etno-estado branco, fico grata em receber retorno positivo aqui sobre a interrupção da narrativa de branquitude resolvida associada a esta região.
Perley, a criança da história, é criada por duas mães. O que fez você decidir sobre isso?
Mf: A história começou como um jeito de explorar a relação que eu tinha com duas boas amigas minhas, e seu filho, pois estávamos todas descobrindo como criar filhos e viver com muito pouca comodidade. Esses são os relacionamentos e os personagens que se apresentam a mim, porque eles são muito próximos da minha vida cotidiana. Mas conforme a história progrediu, se tornou altamente fictícia e rompeu dramaticamente com qualquer coisa diretamente biográfica. Mesmo assim, dediquei o livro a eles, ainda somos próximos.
Quanto da história veio da sua experiência como criança e quanto veio da sua experiência como mãe?
Mf: Do personagem Perley, veio mais da minha experiência como uma criança. Meu primeiro filho era um bebê, e o segundo ainda não havia nascido quando eu terminei o primeiro rascunho do livro. Nector, meu mais velho, apenas agora tem a idade de Perley. Então eu realmente imaginei e lembrei as partes intimistas, vulneráveis e selvagens de ser criança, da vida em casa que parece normal para a vida mais pública na escola, onde de repente você percebe que é estranha. Não fui tão dura quanto Perley, mas acho que a maioria de nós pode aproveitar esse sentimento desajustado e as saídas da realidade literal cotidiana para o mundo dos elfos.
O fio condutor do livro pareceu muito com um aceno ao seu envolvimento com grupos ambientalistas radicais como o Earth First!. O que os ambientalistas moderados tem dito sobre isso?
Mf: Hahaha, é uma ficção, então é perfeito para os ambientalistas moderados que podem viver suas fantasias de sabotagem sem ter que se comprometer com elas. Quero dizer, sinceramente, que acho que para muitas pessoas que têm feito o trabalho duro e chato de registrar comentários públicos e afins sem se satisfazer com isso, e para ativistas de ação direta que estão fazendo o seu melhor enfrentando tanta repressão e derrota (para não ser derrotista), faz sentido ler um romance em que as pessoas não sabem mais o que fazer e não vêem outra opção a não ser explodir tudo.
Nos primeiros rascunhos, minha editora quis ter certeza de que eu tinha realmente pensado sobre as implicações de contar uma história como essa. Foram um pouco cautelosos com a questão ética, e eu adicionei algumas linhas para deixar claro que a sabotagem aconteceu sem nenhuma vítima humana.
Você veio da cena punk faça-você-mesmo. Como se sentiu ao trabalhar com uma grande editora?
Mf: Foi um processo interessante. Conversei desde o início com uma velha escritora punk que admiro muito, e ela me lembrou que muitos dos livros que mais significaram para nós chegaram em nossas mãos por causa de uma ampla distribuição. Isso me fez sentir bem em relação a alcançar um público maior, lembrando de todas as vezes que um bom livro chegou a mim quando eu precisava como uma adolescente solitária porque ele alcançou uma grande editora.
Mas sim, é bem diferente. Uma coisa que os punks fazem realmente bem é preparar comida para as pessoas em turnê, e eu fico muito surpresa com a fome que sinto quando vou aos encontros de leitura das livrarias. Eu fico tipo “como essas pessoas fazem isso, ninguém mais está com fome?”. Além disso, as editoras indie e punk criam uma comunidade ao redor delas, de modo que os eventos literários parecem festas. Eu gostei de conversar com o pessoal da FSG [editora Farrar, Straus e Giroux] sobre isso quando comecei a trabalhar com eles.
Você tem outros livros em andamento? Se sim, pode adiantar um pouco sobre?
Mf: Estou trabalhando em outra novela sobre uma mãe divorciada recentemente que volta a morar com a mãe dela, uma bibliotecária rabugenta de uma biblioteca pública. À medida que os neofascistas invadem a cidade, a família multigeracional e toda a comunidade têm que descobrir como vão responder, ou se vão tentar ficar apenas à margem disso.
Tem outros escritores que você acha que as pessoas deveriam procurar?
Mf: O livro mais recente que comprei foi de poemas, de Billy Ray Belcourt, NDN Coping Mechanisms. Eu sou uma escritora de prosa, mas a leitura de poesia é muito importante para mim, pois faz minha escrita fluir melhor do que se eu lesse apenas prosa o tempo todo. Também estou muito empolgada com Freezerdoor, de Mattilda Bernstein Sycamore que será lançado em breve. Ela é incrível em subverter ideias sobre enredo, linguagem e gênero. E muitos outros. Estou lendo o tempo todo.
Panagioti Tsolkas é um ex-editor do Earth First! Journal, co-fundador da Fight Toxic Prisons e um organizador da comunidade que escreveu e foi citado em inúmeras publicações e livros. Ele vive em uma pequena fazenda na Florida com sua companheira e dois filhos.
Tradução > Sid Sobral
agência de notícias anarquistas-ana
chapinhando a água
o vento da madrugada
brincando com a lua.
José Alberto Lopes
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!