Ao longo das últimas semanas, em meio aos protestos do Black Lives Matter, Seattle viu confrontos violentos com a polícia, e a Guarda Nacional atacou manifestantes no bairro do Capitólio. No entanto, os confrontos parecem ter inspirado a auto-organização na área, o que finalmente levou à formação de um território livre de polícia, governado pela comunidade e conhecido como Zona Autônoma de Capitol Hill. Enquanto os e as manifestantes construíam barricadas ao redor do perímetro da recém-proclamada zona autônoma e erguiam placas com mensagens como “Está agora entrando em Capitol Hill libertado” (que parecem ser visivelmente inspiradas no mural que fica na entrada de uma área de Derry, na Irlanda do Norte, autodeclarada nacionalista e autônoma, que existiu entre 1969 e 1972), “República Popular de Capitol Hill”, “Cooperativa sem polícia” (“No-cop co-op”) e similares, a Zona chamou a atenção do público e causou uma avalanche de respostas variadas nas redes sociais.
Enquanto a esquerda dos EUA (assim como a esquerda internacional) em grande parte elogia esta entidade recém-fundada como um excelente exemplo de resistência anarquista popular com numerosas publicações no Twitter de moradores de Seattle também comparando o bairro com Woodstock e descrevendo-o como “grande, colorido e cheio de pessoas que estão todas focadas numa coisa: ajudar-se umas e uns aos outros a curar.”, bem como “cheio de pessoas com os seus filhos e filhas, sentados, rindo, fazendo perguntas e comendo comida de graça.”, a mídia como a Fox News, um canal de notícias conservador americano, parece perceber a CHAZ mais como uma ameaça do que como uma história inspiradora de “pessoas normais trabalhando em conjunto para o melhoramento da sociedade”.
O canal de notícias acima mencionado chegou mesmo a alterar digitalmente imagens de Capitol Hill por Photoshop colocando manifestantes com espingardas de estilo militar em frente do que parecia ser uma loja com os vidros estilhaçados, a fim de influenciar a imagem pública das pessoas por trás da Zona Autônoma de Capitol Hill e retratá-las como agitadores violentos e caóticos. Até o próprio Donald Trump expressou num tweet dirigido ao prefeito de Seattle uma posição que implica a prontidão para usar a violência contra moradores da CHAZ dizendo: “Recupere a sua cidade AGORA. Se não o fizer, eu farei. Isto não é um jogo. Estes anarquistas feios devem ser travados IMEDIATAMENTE. MOVA-SE RÁPIDO!”
Devido a atitudes contraditórias em relação à CHAZ e a uma miríade de informações contraditórias espalhadas por todos as mídias, bem como à falta de comunicados de imprensa oficiais (uma vez que a CHAZ não parece ter liderança oficial e é constituída por cidadãos e cidadãs de vários estilos de vida/origens ideológicas que se reúnem numa luta improvisada contra a violência policial e a supremacia branca), falei com um dos moradores locais de Seattle que se descreve como não-binário, queer, produtor, artista e performer com o nome artístico Mx. Pucks A’Plenty cujo corpo e política são ambos radicais. Juntamente com muitos outros artistas, ativistas e pessoas alternativas, estão atualmente à vista na CHAZ participando em várias atividades que servem o propósito de manter a funcionalidade e a natureza autogestionária popular da área. Como tal, compartilharam em primeira mão como a CHAZ apareceu, quais as atividades que estão acontecendo, bem como os objetivos de curto e longo prazo que a Zona Autônoma pretende alcançar:
1. Para começar, no contexto da atual situação em Seattle, que tipo de papel desempenham na CHAZ?
Sou negra e mãe de um menino de nove anos. O meu papel tem sido o de coordenadora de estoques e coordenadora de redes.
2. À medida que os protestos nos EUA ganham força, as notícias da zona Autônoma de Capitol Hill começaram a espalhar-se como fogo através das redes sociais e de canais de esquerda. Poderia elaborar mais sobre os eventos que precederam a proclamação da Zona Autônoma do Capitol Hill e como esta surgiu? Diria que foi inspirado por qualquer outro movimento existente/histórico deste tipo?
Tudo isto foi iniciado pelos eventos que envolveram as mortes de George Floyd e Breonna Taylor e pelo uso de força excessiva pelas forças policiais em ambos os casos. O povo negro já atingiu o seu ponto de ruptura, mas algo nisto fez as pessoas acordarem. Os brancos americanos acordaram agora e foi demais para eles. Eu definitivamente acho que a COVID-19 e o distanciamento social tiveram muito a ver com isto. As pessoas desta vez tiveram tempo para aprender, para ficar com raiva e para protestar. O desemprego é elevado e as pessoas tiveram tempo de serem aliados e de falar.
A Delegacia Leste de Capitol Hill tornou-se uma espécie de farol, o Departamento de Polícia de Seattle imediatamente começou a protegê-la depois de uma delegacia ter sido incendiada em Minneapolis e esta tornou-se um importante ponto focal para as e os manifestantes. Capitol Hill é considerado um bairro artístico e tem sido há décadas a maior zona Gay de Seattle. Durante os motins da OMC (Organização Mundial do Comércio), os manifestantes foram empurrados para Capitol Hill. Tem uma rica história de confrontos entre manifestantes e policiais. O palco estava definido há muito tempo para Capitol Hill se tornar a Zona Autônoma do Capitol Hill.
A polícia de Seattle empurrou os manifestantes para Capitol Hill dia 31 de maio de 2020 e esse foi o início do que agora é a Zona Autônoma de Capitol Hill. Durante 7 dias houve confrontos entre os manifestantes e a polícia de Seattle. Algumas noites o ar ficava cheio de gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral faziam-no parecer uma zona de guerra. Os e as moradoras de Capitol Hill mantiveram os seus celulares apontados à polícia de Seattle e ao seu uso agressivo de força contra os manifestantes. Médicos chegaram, pessoas fornecendo comida e água para os manifestantes e do nada havia várias equipes de pessoas fornecendo apoio quase 24 horas às e aos manifestantes. Na segunda-feira, 8 de junho, quando a polícia de Seattle abandonou a delegacia Leste, o povo reuniu-se e é assim que temos a Zona Autônoma de Capitol Hill. Acho que o movimento Occupy Wall Street moldou o que vemos na Zona Autônoma de Capitol Hill.
3. Poderia elaborar mais sobre como a auto-organização dentro da zona autônoma está se manifestando atualmente. Quais são as atividades que estão sendo realizadas atualmente dentro da zona e como é que elas estão sendo organizadas?
Estamos tendo noites de cinema com foco na educação sobre o racismo, discursos puxados por negros, jardinagem comunitária, arte política e provisões alimentares. É tudo feito através de pessoas que vêm para a Zona Autônoma de Capitol Hill e vêem o que precisa ser feito.
4. A Zona Autônoma de Capitol Hill se diz ser uma entidade anarquista de base, de baixo para cima. Com isso em mente, quais são os objetivos primários atuais das pessoas por trás da formação da zona autônoma?
O objetivo é apoiar as seguintes demandas do poder negro na área de Seattle e de King County:
Retirar fundos ao Departamento da Polícia de Seattle.
Financiar saúde e segurança de base comunitária.
Retirar todas as acusações.
Para travar a violência policial, a polícia deve ser reduzida em tamanho, orçamento e alcance. A polícia está enraizada na violência contra os negros. A fim de proteger as vidas negras, este momento exige investir e expandir a nossa segurança e bem-estar além do policiamento.
5. Há também relatos da expansão da zona. Em caso afirmativo, quão grande é a área atual da zona autônoma e como é que a expansão é levada a cabo?
A zona não está se expandindo. Atualmente é cerca de três quarteirões da cidade numa praça.
6. Quais são os objetivos de longo prazo por trás da proclamação da Zona Autônoma do Capitol Hill? A zona é mais do que uma resposta a uma situação de crise? Poderá estar aqui a longo prazo?
O objetivo a longo prazo é a equidade para os negros no Estado de Washington e além. Não vejo a Zona Autônoma de Capitol Hill desaparecendo em breve até que as exigências sejam atendidas pelo prefeito de Seattle. Acho que permanecerá o tempo que for necessário.
7. Nos EUA, pode-se dizer que há definitivamente ansiedade em relação ao futuro e muitas pessoas não se identificam mais com os partidos políticos existentes. No seu caso, como acha que isso irá refletir sobre a disseminação de ideias anarquistas ou de outras alternativas e modos de organização?
Honestamente, não sei. Penso que estamos vendo algumas ideias radicais e transformadoras vindo de baixo. As pessoas estão falando sobre o tipo de mundo em que querem viver e que querem deixar para os seus filhos e filhas. Sabemos que o sistema atual não funciona para a maioria dos humanos. Como criamos uma sociedade de justiça e compaixão? O que está acontecendo em Capitol Hill pode não ser a resposta final, mas é tão bom quanto qualquer outro lugar para começar.
8. A julgar pelos inúmeros posts nas redes sociais, mesmo fora dos EUA, a ideia por trás da formação da zona autônoma parece ressoar fortemente com as pessoas e parece ter muito apoio. Qual diria que é a principal razão para o que está acontecendo?
As pessoas estão acordando e vendo com os seus próprios olhos a injustiça contra os negros e pardos. As pessoas estão vendo que os nossos livros de história escondem informações de nós. As pessoas estão vendo esta ideia como uma maneira de reunir as pessoas e pensar sobre como um mundo sem policiais e sem supremacia branca como referência poderia ser. A libertação dos humanos negros é honestamente a libertação de todos os humanos. Estamos ligados.
9. Poderia informar os nossos leitores e leitoras sobre modos eficazes de solidariedade internacional com os eventos nos EUA que podem ser implementados neste momento?
Apoiar o Black Lives Matter. Organizar marchas ou protestos de Black Lives Matter na sua cidade. Apoiar artistas negros. Aprender sobre a história dos negros não apenas na América, mas em todo o mundo.
Como eu disse, a libertação negra é a libertação de todos os humanos.
Tradução > Ananás
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