Por Christian Jesus Ferrer
Nada é mais misterioso do que o destino do anarquismo, um ideal que poderia parecer exagerado se não fosse extremamente sensato. Embora o passar do tempo tenha diminuído seu brilho, e tenha sido até considerado extinto, a “questão libertária” continuou a dar provas de insistência, pois os anarquistas parecem ter as qualidades da fênix, a de renascer de dentro, como avatares que reencarnam em vários ramos e arredores. A ideologia anarquista, embora política e culturalmente notória, é incompreensível em nossos dias se não se vira o mundo primeiro de cabeça para baixo. Na verdade, a anarquia sempre teve uma má impressão – desde o início -: uma “utopia”. Chamada de messiânica, então, algo selvagem, para momentos da vida após a morte, sempre pungente.
Faça o que quiser, viva como gostaria de viver no futuro, não se aliste no exército, não coma carcaças de animais, o inimigo do rei é você, odeie prisões, glorifique o sexo, levante-se, não obedeça ou dê ordens, não se humilhe e não se deixe humilhar, não deixe um camarada ao abandono, você é um pária e não um líder, você pode tomar partido e fazer parte do jogo mas não formar um partido, as fronteiras são falsas e a lei é uma ficção da qual os poderosos se aproveitam, o amor é livre e que viva o perder. Tais são os slogans, ou contrapesos, decálogo de antagonismo e assombro. Quanto aos anarquistas, dizia-se que eram espantalhos, e às vezes a atribuição era merecida.
É inútil ponderar seus atos, altos e baixos e suas conquistas apenas recorrendo à bitola que mede sucessos ou fracassos, pois o fato de que “a Ideia” – como eles chamavam seus princípios como um todo – tenha surgido no mundo é um mistério da história. Não parece natural. Normalmente, mesmo para seu descontentamento, as pessoas dão conformidade ao mundo como ele é, amenizando o inevitável desconforto com ajudas, subsídios e alguns feriados ao longo do exaustivo ano de trabalho. Poucos tentam dar meia-volta com pressa. Mesmo as pirâmides são construídas para serem escaladas, não para serem derrubadas, pedra por pedra. O anarquismo pode ser visto como uma resposta inusitada, contundente e irredutível à existência de poderes separados da comunidade, nada menos que aos obstáculos e interdições colocados no caminho da vontade de autocriação pessoal, enfim, a tudo aquilo que desestimula ou põe em movimento o louco desejo de viver, e é precisamente por isso que o credo anarquista promoveu uma revolução múltipla: cultural, psicológica e política ao mesmo tempo. Era pedir muito, era ter um excesso de razão, era viver sem medo, com organização e sem ela, era desfrutar do banquete, em união, pelo menos enquanto durasse a afinidade. Não mais do que isso, não menos do que isso.
Desde o início do anarquismo, quando Proudhon, Bakunin e Kropotkin lançaram as fundações, rapidamente diferentes braços e afluentes foram implantados, cada um à sua maneira, enfatizando diferentes bordas: Mutualismo, coletivismo, amor livre, preocupação com o destino da natureza, vegetarianismo, sindicalismo, individualismo, religiosidade sem igrejas estabelecidas, espontaneidade, emancipação feminina, moralidade sem dogmas, comunas experimentais e alguns outros desafios que em seu tempo pareciam arriscados, se não flores do mal: às vezes ácidos, outras vezes sensuais, sempre diversos e inventivos. Deve-se notar também que a capacidade do anarquismo de influenciar pessoas, ideias e grupos, e às vezes multidões, que não necessariamente se definiam como anarquistas, mas que se sentiam “chamados” a simpatizar com esses princípios ou a reconsiderar suas próprias convicções, é um grande trunfo. Em todos os casos, o poder hierárquico foi visto como uma catástrofe humana, um inimigo de vidas que poderia ter sido menos assediado.
Os adversários do anarquismo são bem conhecidos. O clero, os poderosos, os militares, os chefes, os “patriotas”, os governantes, sem esquecer os comunistas, seus velhos inimigos existiam desde antes da agora esquecida União Soviética. Esses adversários sabiam que a sensibilidade libertária enfatizava questões e problemas que não podiam ser resolvidos no sistema de dominação como era, entre outros, a crítica muito precoce à técnica e ao industrialismo, as advertências sobre os excessos ecológicos, as exortações ao abandono de relações emocionais fracassadas, as desculpas pela emancipação sexual e a repulsa pelos imperialistas, um aspecto nem sempre enfatizado. As práticas anarquistas, ou seja, seus modos de viver, procuraram se dissociar do poder hierárquico, cuja imagem, herdada por todas as gerações, é vertical, concêntrica, ascendente, indestrutível, imemorável. Mas os anarquistas não estavam tão preocupados com o antes ou o depois do Estado, mas com o que estava além de seu controle. Não se medita o suficiente que a maioria das atividades humanas ocorra “fora” do princípio de hierarquia, sejam redes de sociabilidade amigável, grupos de pares ou inúmeras conversas em tantas intimidades.
Fonte: https://ellokal.org/el-anarquismo-la-estrella-de-las-antipodas-christian-jesus-ferrer/
Tradução > Liberto
agência de notícias anarquistas-ana
Vento na cortina:
Na tarde de inverno
melancólicos haicais.
Rogério Togashi
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!