Por Jorge Zavaleta Alegre (Lima) | 24/05/2020
O anarquismo tem uma ampla história na América Latina, que remonta a 1860, quando chegam da Europa as ideias de Proudhon e Bakunin sobre lutas pacíficas e violentas, nas manifestações de heroísmo individual e coletivo, em esforços organizacionais, em propaganda oral, escrita e prática, em obras literárias, em experimentos teatrais, pedagógicos, cooperativos, comunitários, etc.
Essa história nunca foi escrita na íntegra, embora existam alguns bons estudos parciais. Alguns historiadores não conhecem esses fatos ou consideram o anarquismo como uma ideologia marginal e absolutamente minoritária e insignificante. Outros sabem o que significa anarquismo na história das ideias socialistas e entendem sua atitude em relação ao marxismo, e é por isso que se esforçam para esquecê-lo ou desvalorizá-lo como fruto da imaturidade revolucionária, do utopismo abstrato, uma rebeldia rústica ou pequeno-burguesa, etc.
Nas linhas a seguir, junto a uma estante de livros, em uma vila nos Andes, na casa de um proprietário de terras, lembro-me de ver as capas destes dois livros.
Minha primeira excursão, juntamente com vinte colegas de escola, deixamos a família pela primeira vez para uma viagem promocional de Caraz a Chiquián, na fronteira entre as regiões de Ancash-Lima. 1950s.
Após uma breve saudação de boas-vindas, uma fila de crianças como nós se formou na frente de cada um dos visitantes. Pedro Jaramillo, estendeu a mão, pegou minha mala e disse: “com você estamos indo para casa”. De repente, me tornei um membro da família. Eles abriram um quarto e me convidaram para descansar.
Sozinho, em silêncio, com a vista da lua cheia na janela, parei para olhar a fotografia de um homem a cavalo, coberto com um chapéu de palha. Não esperei muito e saí do quarto rumo a sala de estar, onde a família falou com entusiasmo sobre a colheita da fazenda. E ao fundo, em um lugar de destaque, a mesma fotografia. E foi assim que comecei a saber mais sobre quem era Luis Pardo (1879-1909).
Na praça central de Chiquian, os habitantes contam até hoje histórias de seus heróis populares que fazem parte da cidade e também da Pampa de Lampas, onde está o busto de Luis Pardo Novoa: “Filho Ilustre e Benfeitor dos Pobres”, obra talhada pelo escultor peruano Vidal León. A rua principal da cidade também recebeu o nome de Luis Pardo.
Escritores, compositores e poetas como: José Diez Canseco, Enrique Cornejo Villanueva, Alberto Carrillo Ramírez, Rubén Barrenechea Núñez, Manuel Justo Arredondo, Raúl Zárate Aquino, Julio Rosas Olivera Oré, Alfredo Grados, Darío Mejía, Pedro Arana Quiróz, Filomeno Zubieta Núñez, Vidal Alvarado Cruz, Mario Reyes Barba, Alejandro Aldave Montoro, Héctor Gamarra Espinoza, Mauro Aquino Albornoz, Guillermo Pardo Novoa, Sonia Pardo Loarte, Luis A. Ramírez e centenas de pesquisadores de diferentes vertentes escreveram sobre ele biografias, histórias, poemas, dramas, músicas e hinos.
Em 1929, o filme “Luis Pardo” foi feito. Dirigido por Enrique Cornejo Villanueva, terminou por consagrar Luis Pardo: lutador social e figura romântica.
“O canto de Luis Pardo” ou “La andarita”. Em sua morte, apareceu no semanário Integridade, dirigido por Abelardo Gamarra “El Tunante”, nele foi publicado um poema de onze décimos de um autor anônimo intitulado: “El Canto de Luis Pardo”, cuja música semelhante à valsa, é atribuída a Justo Arredondo.
O poema fala sobre a morte de seus pais e a de sua amada Andarita, além de narrar seus arrependimentos e o motivo de sua rebelião contra as autoridades. A versão mais conhecida e emblemática dessa valsa era a de um conjunto peruano: Los Troveros Criollos¹ de 1956.
Estudantes do Colégio San Ignacio de Loyola de Piura, na fronteira com o Equador, em um painel sobre Luis Pardo, levantam três perguntas: O bandoleirismo é uma odisséia popular? Por que a arte folclórica glorifica os heróis bandoleiros? O que existe por trás da mítica concepção popular sobre os bandoleiros heróis?
Essas perguntas são respondidas amplamente. Na Biblioteca do Congresso de Washington – Biblioteca Digital da UNESCO, há informações infinitas sobre o anarquismo e outras expressões diferentes que questionaram a ordem tradicional. Juan Pablo Damondo chamou de “Narrativa do bandoleiro“ ao referir-se à heterogeneidade dos discursos de identificação com o “nobre ladrão que rouba dos ricos para distribuir aos pobres”.
Por esse motivo, Luis Pardo, como retratado no filme de Enrique Cornejo Villanueva, nas palavras do crítico Bedoya, motivou a composição de huaynos , valsas sobre esse personagem, cuja identificação popular faz dele um ladrão que rouba os ricos, como um protesto individual frente ao drama diário que observa não apenas no mundo rural, mas, mais tarde, também na cidade que expulsa os fracos e pobres em direção às colinas e bancos de areia.
Essa foi uma pincelada do que é pensar ou querer o bem-estar para todos, como sonhou esse herói popular peruano em um país de esquecidos.
E hoje, maio de 2020, com a pandemia que invade o ar, o conselho da cidade, começando pelos setores de alta renda e seus governos de plantão, não se atreve a reconhecer que a estrutura econômica e social acabará mais rápido com a vida dos esquecidos do planeta.
Informações oficiais do INEI e do Governo Regional de Ancash, 2016-2021: A desnutrição crônica afeta 53% dos idosos e 14.2% das crianças, principalmente das montanhas.
Nota de Rodapé. Em 1985, a grande maquinaria do partido Aprista que havia chegado à presidência do Peru participou da Conferência Anual de Executivos e a vigilância policial foi intensa. Em um bar, os participantes bebiam com entusiasmo acompanhados por música regional. Uma professora de história e pintora, que era membro da imprensa estrangeira convocada para essa conferência, permitiu-se solicitar a música de Luis Pardo, e quase num sussurro o diretor do grupo disse que essa música estava proibida e que somente em lugares mais reservados se poderia escutá-la.
Certamente Luis Pardo, no século XXI, de certa forma ainda está presente, apresentando propostas democráticas, com administrações honestas e eficientes, juntamente com empregadores sensíveis aos trabalhadores.
Caso contrário, mais pragas apocalípticas virão como uma infinita insurgência por um mundo melhor.
[1] https://www.youtube.com/watch?v=RWAnDyBKplY&feature=emb_title
Fonte: https://diario16.com/el-anarquismo-en-los-andes/
Tradução > Mauricio Knup
agência de notícias anarquistas-ana
podem tirar tudo da gente
menos a beleza
dessa lua crescente
Ricardo Silvestrin
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!