Nos últimos três meses, o governo bielorrusso demonstrou a sua incapacidade para resolver problemas sérios e urgentes. E se o problema da economia não é novo no país, então a incapacidade de Lukashenka de superar o coronavírus destrói o mito de que sem centralização a sociedade irá afundar no caos.
Muitos bielorrussos entenderam há muito tempo que o Estado não garante a sua segurança. De volta à União Soviética, as pessoas discutiam o que estava acontecendo no país apenas quando o Estado não estava ouvindo. Os bielorrussos sonhavam com a liberdade enquanto o Estado tentava nos ensinar obediência.
A proteção da população das ameaças externas e internas é o argumento chave para a existência do Estado. Essas ameaças podem ser de diferentes naturezas: dependendo do Estado, você pode ser salvo não apenas de uma invasão de algum vizinho, mas também da morte ou doenças causadas pela fome.
O Estado bielorrusso, sendo o herdeiro da União Soviético, está tentando se apresentar como um aparato social comprometido em criar um sistema social para a população trabalhadora. As promessas são transformadas em remédios condicionalmente gratuitos, transporte público subsidiado e programas sociais para a construção de moradias.
O Estado como um aparato tem uma necessidade constante de justificar a sua existência. Se tem uma organização na sociedade que impõe impostos, leis e seus caprichos sobre a população, é a população que deve receber algo em troca. A ausência de argumentos fortes suficiente para a existência do Estado pode levar à uma revolução que tentará estabelecer um Estado “social” ou destruir o aparato estatal como um todo e escolher um modo descentralizado de organizar a sociedade.
Neste caso, o Estado bielorrusso está gradualmente perdendo o seu significado. Os bielorrussos podem tolerar Lukashenka sobre suas costas até que ele se torne tão pesado que ninguém queira carregá-lo. Os protestos em 2017 foram contra uma certa lei que teria tornado as vidas dos trabalhadores mais difícil, mas não era uma ameaça a suas vidas. A situação da COVID-19 questiona a necessidade do próprio Estado, que segue decepcionando a população na luta contra o vírus.
Os países vizinhos estão lidando muito melhor com o coronavírus. Essa situação nos faz duvidar que a República da Bielorrússia, que tem sido uma ditadura por quase todo seu período de existência, seja capaz, de alguma forma, de responder construtivamente aos problemas da população. Sim, já ouvimos sobre a necessidade de salvar a economia ao custo das vidas de médicos e trabalhadores, mas poucos aceitarão esse argumento. Fracassos econômicos no país estão diretamente ligados ao Lukashenko e seu governo, que há muitos anos esteve tentando manter seu poder a todo custo. Por que, então, os bielorrussos deveriam dar suas vidas pelos erros feitos pelo famoso produtor de batatas do país e seus amigos?
A auto-organização de dezenas de milhares de pessoas dentro do país mostra que o Estado bielorrusso lida pior com a crise do que as pessoas que não são gerentes profissionais e assalariados do Estado. Se alguém lê as redes sociais e o telegram, involuntariamente se pergunta por que a sociedade bielorrussa precisa do Estado de forma geral, se podemos espontaneamente nos organizar melhor do que todo poder vertical?
Um prego adicional no caixão do regime foi um escândalo com a água na parte ocidental de Minsk. Várias centenas de milhares de pessoas perderam o acesso à água no meio da pandemia do coronavírus. O que saiu da torneira no distrito Frunzenski só devia ser usado pelo presidente e seus filhos.
As autoridades locais inicialmente negaram o problema e mais uma vez tentaram nos mostrar que o problema está nas nossas cabeças e não na realidade. E mesmo depois de admitir o problema, os tanques de água que foram levados para a rua não puderam mudar realmente a situação. Hoje, nem todos podem carregar 5 litros em recipientes, e aqueles que estão sob quarentena estão isolados do recurso mais básico. Os moradores da cidade tomaram a iniciativa e trouxeram água para as casas e apartamentos daqueles que não conseguiam chegar ao tanque de água limpa mais próximo. Mais uma vez obrigado às pessoas comuns do país.
E não nos diga que a culpa está sobre os ombros das autoridades locais, enquanto o rei simplesmente não sabia. Ao longo de seu reinado, Lukashenko criou um aparato que sempre irá reportar até sobre a grama verde crescendo na rua em qualquer época do ano, sob o medo da repressão. É por isso que o envenenamento de Minsk cai sobre os ombros de toda a hierarquia.
Nas próximas eleições, alguns acreditam que o Estado bielorrusso precisa de reformas liberais. Essas mesmas reformas transformarão o país em um verdadeiro berço da civilização europeia, e nós iremos finalmente alcançar nosso “papizzot¹”. Os projetos de outros Estados da Europa Oriental mostram que a corrupção e a indiferença das autoridades permanecem mesmo após a mudança de um governante para outro. Escândalos na Bulgária, Polônia e muitos outros países do antigo Bloco Oriental confirmam uma tese bastante simples – o poder corrompe até os combatentes mais idealistas. E a única solução que pode livrar as pessoas de oficiais gananciosos e corruptos é um mundo sem o Estado e o capitalismo.
Hoje, os bielorrussos, assim como muitas pessoas em outros países, não serão capazes de derrotar a ditadura do Estado escolhendo um novo presidente. A destruição do regime requer uma revolução social que restaure a auto-confiança da população trabalhadora. É por isso que não votamos, porém a resistência e ação direta podem nos trazer a liberdade.
[1] Papizzot é uma promessa do presidente bielorrusso que todos terão salários de pelo menos 500 euros. Esta promessa vem e vai todo ano e lentamente se tornou um meme.
Fonte: https://pramen.io/en/2020/07/bankruptcy-of-the-belarusian-statehood/
Tradução > Brulego
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