[Espanha] Anticlericalismo como uma posição antifascista

Por Julio Reyero

Madrid – Ilustração de Pau Molera – Extraído do jornal CNT nº 423

A Igreja é outra das estruturas de poder. Não importa como se leia isto. E não deixa de existir ao manter uma certa invisibilidade. O problema é que hoje não só o espectro de cores azul-esverdeado do Parlamento defende seus preceitos, mas praticamente não há oposição em toda a arena política.

É claro que há posições mais duras do que outras. Para dar um exemplo, as tentativas de apertar o código penal, tanto para as mulheres que fazem abortos quanto para aquelas que colaboram, têm sido constantes desde Gallardón até os neofranquistas do Vox. Há anos esta questão está sobre uma mesa distribuída por grupos fanáticos que indiretamente convidam as pessoas a votar nesta formação, já que é a que melhor defende os preceitos religiosos que eles selecionam apropriadamente da Bíblia.

Alimentando a Besta

Com um pouco de estômago e muito humor negro você pode visitar o site da Hazteoir, assistir a 13tv ou ouvir a Cope, para ver quem tem alimentado a besta parda por anos e o que pouco é dito. Vale a pena lembrar que a 13tv, talvez o canal mais dedicado à propagação de ideias reacionárias extremas, funciona há 9 anos com uma perda média anual de 10 milhões de euros, uma situação que, em qualquer empresa, levaria à falência técnica. Neste caso, a Conferência Episcopal vem cuidando da “respiração assistida” financeiramente falando. Isto deveria nos levar a afirmar sem dúvida que, hoje, o melhor antifascismo que pode ser levantado é uma dura crítica às estruturas do cristianismo católico, algo que seria muito mais fácil de fazer se não fosse a atitude de partidos e organizações de esquerda, que às vezes até conluiam com essas mesmas estruturas.

Vimos uma vereadora de Madrid pedir desculpas ao arcebispo pelo protesto em uma capela universitária que a levou a ser julgada, e também colocar pessoas ligadas à Cáritas em cargos de responsabilidade, ou lavar o passado do padre Ángel, conduzindo um jantar para os pobres na prefeitura de Madrid pela ex-prefeita Carmena, ações que confirmam, para nossa consternação, o que estamos apontando. Quão poucas pessoas se lembram da nomeação de Ana Botella como Presidente Honorária de Mensajeros de la Paz, fato que representou como nenhum outro as boas relações históricas daquele padre com as altas esferas do PP (Partido Popular) de Aznar. Mas, vamos lá, não estamos descobrindo a Atlântida. Algumas das manchetes se referem diretamente aos “setores cristãos do PSOE (Partido Socialista da Espanha) e Unidas Podemos”.

A Igreja e o franquismo

Os trabalhos de memória histórica em torno da contrarrevolução de 1936 com a consequente repressão franquista foram um dos pontos onde as costuras se encontram. E o fizeram porque a realidade histórica, por mais interpretável que seja, às vezes é teimosa. A Igreja há muito tempo tem sido passada neste assunto como uma entidade neutra entre vítimas e executores, se não diretamente como vítima do mais feroz anticlericalismo, algo que implica um revisionismo histórico em igualdade com os negadores do Holocausto. Há fotografias, documentos escritos e centenas de testemunhos inquestionáveis em dezenas de livros publicados que situam seus padres e bispos promovendo, financiando, aplaudindo e lucrando com o massacre ideológico que foi o resultado da guerra aberta (o que eles chamaram de “Cruzada”) e as décadas de repressão que se seguiram sob a ditadura.

Portanto, é terrível contemplar o Arcebispo de Valladolid em um ato de homenagem às vítimas do franquismo promovido pelos partidos de esquerda da cidade. Não como um sinal de arrependimento pela colaboração nos assassinatos da instituição que ele representa, não, mas como um oficial da morte passando por um ato fúnebre onde a mensagem principal é que nos damos bem com nossos executores. E isto está acontecendo enquanto o último bastião que defende os tributos ao ditador é uma abadia beneditina.

Dentro deste comportamento generalizado, temos que reconhecer que algo está se movendo (não me atrevo a dizer “mudando”). A transferência dos restos mortais de Franco é agora seguida pela intenção de retirar os religiosos de Cuelgamuros, algo que não pode ser evitado como um primeiro passo para a completa transformação do recinto ou sua demolição direta (sempre há de se aportar ideias). Tem-se falado em mudá-los para Paracuellos del Jarama para continuar sua atividade, em suas próprias palavras, em favor dos “caídos por Deus e pela Espanha”, o que é um excesso de sarcasmo que vem para rir das vítimas mais uma vez. Nem é muito surpreendente que Monsenhor Reig Plá, bispo de Alcalá de Henares, lhes tenha oferecido abrigo. Não faz muitos anos, uma fotografia dele foi publicada em um serviço religioso para a Irmandade dos Mártires de Paracuellos com a bandeira franquista ao lado do altar. E com a memória (ou com um pouco de tempo em qualquer mecanismo de busca), encontraremos declarações coradas carregadas de ódio contra o coletivo LGTB, o feminismo, etc., mas das quais o Ministério Público não intervém, é claro. O que geralmente é mais surpreendente é saber que Convergencia i Unió evitou com uma emenda à Lei de Memória Histórica a liquidação da fundação gestora do Vale do Caídos. Os irmãos beneditinos de Montserrat vieram assim em auxílio do povo de Madrid, usando a festa como uma correia de transmissão para seus interesses. Sim, os mesmos que organizaram as missas pela independência.

Houve também um debate público sobre como fazer a igreja pagar o ibi (espécie de imposto predial existente na Espanha) e outros impostos sobre os edifícios e empresas de sua propriedade que não se destinavam ao culto, e em consonância com isto, os edifícios e terrenos que roubaram estavam sendo revistados sob o método de não existir matrículas de registro dos mesmos. Olhando para trás e conhecendo o interesse do governo político (não o real, o econômico), duvido muito que essas medidas sejam executadas, mas elas certamente constituirão uma ameaça dissuasiva, o que qualquer psicopata em um escritório presidencial diria para justificar seus mísseis. Porque a relação de patronato da igreja com a extrema-direita não se perdeu nem em Pedro nem em Paulo, e eles foram perfeitamente capazes de ver a estratégia de ameaçar as batinas para enfraquecer as de Abascal.

Sendo assim, ficar atordoado é talvez até a melhor coisa que pode nos acontecer. Que não haja repetição da façanha de Zapatero de cobrar o IVA deles. Nessa ocasião, após três ameaças de sanções da União Europeia contra o governo espanhol por manter a igreja isenta desse imposto, eles foram obrigados a pagar. Mas a arrecadação desses 30 milhões de euros veio a um preço elevado. Para compensar, o valor do imposto de renda pessoal foi aumentado de 0,5 para 0,7, o que significou que a Conferência Episcopal aumentou a arrecadação com relação ao ano anterior em mais de 70 milhões. O sorriso na coletiva de imprensa de seu porta-voz, Martínez Camino, foi o resumo perfeito da operação.

Se quisermos enfrentar mais efetivamente a ameaça da extrema-direita, o mais inteligente é não abandonar a atitude beligerante contra sua fonte material e ideológica. O franquismo não era nacional-católico por acaso e o patriarcado tem sido e continua a ser justificado pela religião como filho favorito. Portanto, é possível que esta relação dos governos que afirmam ser progressistas com aqueles que colocam em perigo a vida e a liberdade dos grupos sociais mais explorados não seja compreendida, mas deve ser entendido que o poder, seja qual for o seu signo, sempre busca a paz social acima da justiça, e os púlpitos continuam a ser uma ferramenta de qualidade para isso.

Fonte: https://www.cnt.es/noticias/anticlericalismo-como-posicion-antifascista/

Tradução > Liberto

agência de notícias anarquistas-ana

Esqueletos de árvores,
lampiões rodando no vento,
no chão, sombras, bêbadas.

Alexei Bueno