De volta da missão com a ONG de resgate marítimo Seawatch.
Não, pai, eu não acho que estou orgulhoso de mim mesmo.
Quando voltei de minha missão com a Seawatch, você foi o primeiro a me perguntar se eu estava “orgulhoso”.
Orgulhosos das mais de 200 vidas resgatadas no Mediterrâneo, “arrancadas do inferno líbio” durante três difíceis operações de resgate. Difíceis por causa da pandemia de COVID-19. Pelo fechamento dos portos europeus. Pela política de intimidação da polícia líbia. Da previsão do tempo abominável para o mês de junho.
Não, pai, eu não acho que estou orgulhoso de mim mesmo. A verdade é que nunca tive tanta vergonha. Eu nunca estive com tanta raiva.
A verdade é que não sei como poderia estar orgulhoso.
Por ter embarcado em um barco salva-vidas com outros militantes mais ou menos pró-ativistas para salvar vidas no mar, sendo que os Estados europeus têm os meios e a obrigação legal de salvá-las.
Por ter distribuído coletes salva-vidas para crianças recém-nascidas e descobrir na época que também existiam tamanhos de bebê para equipamentos de resgate marítimo.
Por ter segurado em meus braços seres humanos incapazes de suportar seu peso, cobertos de gasolina e excrementos após três dias de deriva no mar.
Por ter contato com o resto da tripulação para manter os corpos vivos em um navio superlotado e em mares agitados enquanto esperava que a Itália concordasse em abrir seus portos para recebê-los.
Por dar barrinhas de cereais, meias e escovas de dentes a pessoas infinitamente mais independentes do que eu.
Por cuidar de corpos machucados, esfomeados e torturados por nada. Em nome do absurdo das políticas migratórias europeias.
Por quase se acostumar às histórias de tortura e estupro. As marcas nos corpos.
Por responder “sim, eu sei…” a mais uma história da Líbia. Para encurtar o tempo. Por não ouvir mais. Para não ver.
Por ser tão fraco diante de pessoas tão fortes.
Por ter esquecido, durante uma festa improvisada no convés da popa do SeaWatch, em meio a gritos de alegria, risos e danças, a violência e o absurdo da situação.
Por mentir e acenar com a cabeça de acordo com o “tudo será melhor na Europa”, por medo de levantar esperanças impossíveis muito rapidamente e muito cedo.
Por responder distraidamente “até breve em Paris”, sem ter a coragem de explicar a merda que foi Dublin, por medo de que as pessoas se jogassem ao mar, como aconteceu no Ocean Viking.
Por dar a essas pessoas o primeiro espetáculo na Europa com homens de uniforme armados com bastões.
Por ter assumido aos olhos deles a imagem horrível e violenta do herói. Do socorrista branco que resgata pessoas racializadas.
Por ter que “oferecer” às pessoas um privilégio que, na realidade, é um direito fundamental.
Por ter colocado minha bunda em um avião para voar de Palermo para Paris por 50 euros, pensando que esta mesma viagem levaria meus amigos meses ou até anos, várias centenas de euros, uma boa dose de violência policial e muita confusão administrativa.
Por ter lido no meu retorno, em um jornal italiano no aeroporto, que em junho, 20% das pessoas que tentaram atravessar o Mediterrâneo tinham perdido a vida.
Por ter observado o mar da proa do barco à noite e tê-lo achado bonito. Ter amado o que é uma vala comum hedionda. Ter se banhado nele. Ter nadado nele.
Por encontrar, entre dois barcos, navios de cruzeiro cheios de pessoas que têm o direito de viajar. De serem livre. De viver.
Por ter compartilhado momentos tão fortes e precários com estranhos, alguns dos quais se tornaram amigos.
Com pessoas com quem você gostaria de lutar juntos e ficar de pé, em vez de sentar no convés de um barco distribuindo meias.
Não, pai, eu não acho que estou orgulhoso de mim mesmo. A verdade é que nunca tive tanta vergonha. Eu nunca estive com tanta raiva.
A ajuda humanitária não é a minha luta. Não é de mais ninguém. Tampouco é do Seawatch. Ou de sua tripulação.
Tudo isso apenas não deveria existir.
#liberdadedecirculaçãoparatodasetodos #libertédecirculationpourtoutesettous
Fonte: https://paris-luttes.info/l-humanitaire-ce-n-est-pas-ma-14189?lang=fr
Tradução > Estrela
agência de notícias anarquistas-ana
O plantador de nabos,
Apontando com um nabo,
Ensina o caminho.
Issa
Avante!
Obrigado, Mateus!
Incrível texto. O Nestor não conhecia. Bravo!!
Tradução ruim para o título... No texto - se não nesse, no livro - ele faz uma distinção entre shit…
tmj compas! e que essa luta se reflita no bra$sil tbm!